Um Tesouro de Cinquenta e Cinco Reais de Sr. Evandy



O passado não pede licença. Hoje, ele me encontrou no meio de uma tarefa mundana: arrumar o apartamento. Foi ali, entre livros e gavetas, que um simples pedaço de papel se recusou a ser apenas um objeto e exigiu ser uma memória.
Dentro de um livro antigo, repousava a folha. Ao tocá-la, senti a textura levemente gasta, a cor amarelada pelos anos. A surpresa inicial, a de encontrar algo fora de lugar, rapidamente se converteu em uma onda avassaladora de nostalgia. Ali, não havia apenas tinta, mas a caligrafia de uma das pessoas mais importantes da minha vida.
Em cima, a letra organizada, cuidadosa e firme do meu pai, o seu Evandy!
Embaixo, alguns garranchos meus, a assinatura de um começo ainda incerto. Aquele contraste visual era a metáfora perfeita da nossa relação naquele momento específico, no longínquo ano de 2017: ele, a base sólida e a estrutura; eu, o aprendiz rabiscando os primeiros passos de uma nova jornada. Aquele papel não era um documento qualquer; era a primeira linha do livro-caixa da minha nova vida, escrita com a tinta do afeto.
2017: A Contabilidade do Afeto
O ano de 2017 foi um tempo de reencontros e recomeços. Meus pais haviam vindo de Campina Grande, na Paraíba, para passar uma temporada conosco em Brasília, onde o clã — filhos, netos e bisnetos — havia se estabelecido. A casa cheia tinha o som da família, do afeto que atravessa distâncias para se fazer presente. Para mim, era um período de profunda transição. Recém-aposentado, eu havia mergulhado de cabeça em um sonho: a "ânimo desenvolvimento humano", minha pequena empresa de treinamentos e palestras focada em saúde emocional.
Lembro-me perfeitamente da cena. Eu e meu pai sentados, lado a lado, para fazer o primeiro balanço financeiro da empresa. Ele não estava ali como um espectador curioso, mas como um sócio de alma, um participante genuinamente entusiasmado. Com uma dedicação que me comovia, ele anotava cada despesa que eu ditava, cada pequena receita que entrava — a sessão da Marina, o pagamento do Júnior, a consulta da Denisa, cada R$ 180 que representava um passo — como se o sucesso deles fosse o nosso.
O mais marcante era a sua completa ausência de julgamento. Em nenhum momento ele olhou para os números e disse: “Olha, isso não vai dar certo”. Ele nunca mencionou que o aluguel de R$ 2.000 consumia quase toda a receita ou que o risco era grande demais. Pelo contrário. A cada anotação, ele vibrava. Era um pai lindo, envolvente, que tomou para si aquele momento, curtindo cada detalhe como uma conquista pessoal. Ele transformou uma planilha de custos em um ato de amor.
A Riqueza Contida em um Pequeno Lucro
Depois de somar e subtrair, o resultado final apareceu, cristalino em sua simplicidade. A contabilidade daquele primeiro mês era um retrato fiel de um começo modesto, mas valente.
Categoria
Valor
Despesas Totais
R$ 2.645
Receitas Totais
R$ 2.700
Lucro Final
R$ 55
Cinquenta e cinco reais. Para o mundo corporativo, um número irrisório. Mas para meu pai, eu sei, aquele valor "era 1 milhão". Eu nunca vou me esquecer do semblante dele ao ver o resultado. Ele não via apenas o dinheiro; ele via o renascimento da carreira do filho. Ele enxergava um homem que, após 30 anos de trabalho formal, se recusava a aceitar o vazio da aposentadoria, o ócio sem propósito que ele tanto temia para mim. Para ele, aquele pequeno lucro era a prova material de que meu esforço estava florescendo.
Naquele rosto, havia um orgulho sereno, uma fé inabalável no meu potencial. Aquele olhar dizia tudo: o que importava não era a quantia, mas o movimento, a coragem de começar, a ocupação da mente e do coração. Foi naquele dia que entendi que o verdadeiro valor das nossas conquistas raramente está nos números, mas no esforço que investimos, na coragem que demonstramos e, acima de tudo, no apoio incondicional daqueles que amamos.

A Lição dos Pequenos Passos
A história daquele balanço de cinquenta e cinco reais é o antídoto perfeito para a ilusão do sucesso instantâneo. A internet está cheia de promessas, vendendo a ideia de que existe almoço grátis e que podemos chegar à janelinha do sucesso sem esforço. Esta memória nos lembra que toda grande jornada é construída passo a passo, com dedicação diária e paciência.
É como se preparar para uma corrida de 5 km. Ninguém começa correndo a distância inteira. O processo é gradual: "Corre 200 metros, caminha 100. Corre 400, caminha 100". É preciso celebrar cada pequena vitória, cada metro conquistado, pois são eles que nos fortalecem para o percurso completo.
Que essa memória sirva como um chamado. Seja você a figura de apoio na vida de alguém. Quando um amigo, um filho ou seu parceiro chegar com um projeto, por menor que pareça, ajude a esquematizar, a ver as possibilidades. Seja a pessoa que incentiva, que apoia, que estimula. O crescimento é orgânico. Meus poucos clientes daquela época foram falando para outros, o boca a boca começou a acontecer. Se eu tivesse desanimado com aquele resultado e fechado as portas, aí sim, nada teria acontecido. Desistir é a única forma de garantir que o futuro não chegue.
Gratidão: A Herança que Fica
Agora, seguro este pedaço de papel em minhas mãos. Ele não é mais uma simples folha, mas um tesouro. É a prova física do amor e da fé de um pai, um amuleto que me lembra de onde vim e da força que me impulsionou. É o legado de um homem que sabia que o maior incentivo que podemos oferecer a alguém é simplesmente acreditar.
Obrigado, papai, pela força.

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