O Disjuntor da Vida: Uma Lição Sobre Luz e Perspectiva

 

O Calor que Fica Após a Chamada

Estou aqui, redeando, como dizemos no Nordeste. O balanço suave da rede embala o corpo, mas o que realmente me aquece é o sentimento que ficou no peito após desligar o telefone. Falei há pouco com minha mãe e, mesmo a centenas de quilômetros de distância, o eco da sua voz me traz um contentamento que preenche a tarde seca de Brasília, aquecendo mais do que o sol do planalto que se despede no horizonte. É nestes momentos simples, no sabor de uma conversa afetuosa, que encontramos a matéria-prima para as reflexões mais profundas sobre o viver. A nossa chamada de hoje, que começou com a narrativa de uma pequena crise doméstica, acabou me presenteando com uma metáfora luminosa sobre a vida.

O Blackout Anunciado: A Tempestade em Campina Grande

A ligação começou com a voz de minha mãe, aos 86 anos, prestes a completar 87 em agosto, soando resoluta, como sempre, mas com uma camada subjacente de preocupação que só um filho consegue decifrar. Ela, em Campina Grande; eu, em Brasília. Ela já foi logo avisando que estava usando os dados móveis, um sinal moderno e universal de que as coisas não iam bem. A preocupação materna, descobrimos com o tempo, é uma força da natureza que ignora completamente as leis da física e da distância.

Ela me pintou o cenário com detalhes. Dezesseis lâmpadas apagadas. Cômodos inteiros mergulhados na penumbra. O modem da internet, morto. Na casa, apenas a geladeira roncava baixinho, como a única sobrevivente de um desastre elétrico. "O que houve, mamãe?", perguntei. A história já estava pronta, lógica e assustadora. Um carro havia batido em um poste na rua na noite anterior. A companhia de energia fez o reparo, a luz voltou, mas apenas para a geladeira. A amiga já tinha dado o veredito: "Queimou tudo". Para minha mãe, a conclusão era óbvia e o caminho, penoso. Sua convicção era tão forte que ela já lamentava não ter nem lâmpadas reservas, pois, em sua mente, todas as dezesseis haviam queimado. Seu plano já estava traçado: mais tarde, iria à companhia elétrica se preparar para o processo burocrático, o desgaste, a luta.

Naquele momento, percebi como nossa mente, diante de um problema, tem uma tendência impressionante de construir o pior cenário possível. Ela nos arma para uma batalha complexa, nos veste com uma armadura pesada e, no processo, nos cega para as soluções que estão bem ao nosso lado.

A Simples Pergunta: E se for o Disjuntor?

Enquanto eu ouvia sua narrativa de guerra anunciada, uma lembrança clareou minha mente. Por estar fora do epicentro do estresse, minha perspectiva não estava contaminada pelo "aperreio" do momento. Lembrei-me de um detalhe da casa que meu pai construiu com tanto cuidado: ele havia instalado disjuntores específicos para cada área.

"Ô, mamãe", eu disse, com a calma que a distância me permitia. "Você já olhou o quadro de disjuntores? Aquele que fica atrás da porta?".

Do outro lado, um breve silêncio, seguido por um "Ah, eu sei onde é".

Cinco minutos se passaram entre o fim daquela chamada e o início da próxima. Um pequeno intervalo de tempo que, para mim, foi preenchido por uma imensa expectativa. Naquele silêncio, residia uma verdade universal: muitas vezes, a solução mais eficaz não é a mais complexa, mas sim aquela que nossa própria ansiedade nos impede de enxergar.

"A Minha Vida Iluminou": A Alegria da Luz Restabelecida

Quando o telefone tocou novamente, a voz era outra. A preocupação havia se dissolvido, dando lugar a uma alegria genuína, quase infantil, daquelas que só uma solução inesperadamente simples pode provocar. A mudança em seu tom era, por si só, uma lição.

E então, ela disse a frase que se tornou o coração desta crônica, a frase que eu guardei comigo na rede:

"Meu filho, deu certo. Era o disjuntor. Tem luz em todo canto. A minha vida iluminou."

Naquele momento, soube que ela não falava apenas das 16 lâmpadas. O "tem luz em todo canto" era a ponte perfeita entre o físico e o emocional. A luz que voltou não era só a da energia elétrica. Era a luz que dissipava a nuvem escura da preocupação. Era o "desanuviar" de um futuro imediato que parecia cheio de formulários, esperas e frustrações. A vida dela iluminou porque um problema que parecia um monstro se revelou ser apenas um interruptor desligado. E isso me fez pensar: quantas vezes, em nossas próprias vidas, o que nos falta é apenas encontrar o disjuntor certo?

A Metáfora do Disjuntor: Encontrando Nossas Próprias Soluções

Todos nós enfrentamos "blackouts". Momentos de desânimo, de estagnação profissional, de confusão nos relacionamentos, em que tudo parece perdido e a escuridão toma conta. E, assim como minha mãe, somos rápidos em encontrar a causa externa, o culpado irrefutável: "foi a batida que derrubou o poste".

Criamos justificativas lógicas que, embora pareçam fazer sentido, nos colocam em um papel de vítima e nos paralisam. Acreditamos que a solução está fora do nosso alcance, nas mãos de uma "companhia elétrica" qualquer. Quando estamos imersos no problema, nossa lógica fica enviesada. Ficamos, como se diz popularmente, "doidinhos", incapazes de ver o óbvio.

É por isso que precisamos de uma perspectiva externa. Precisamos de alguém que, olhando de fora, não contaminado pela nossa ansiedade, possa fazer a pergunta simples que não conseguimos formular. A psicologia positiva nos ensina sobre a importância crucial de uma rede de apoio. Um amigo, um familiar, um terapeuta... eles podem ser a pessoa que nos lembra de olhar atrás da porta, que nos aponta a localização do nosso próprio "disjuntor". Alguém que diz: "Que tal fazer assim?".

Conclusão: Cultivando a Luz e as Conexões

A lição que ficou daquela tarde, balançando na rede, é que a solução para muitos dos nossos apagões existenciais não reside em processos longos e complexos. Frequentemente, ela está em uma pequena mudança de hábito, em uma alteração de comportamento, em uma nova perspectiva. Está em um simples "religar" de uma área da nossa vida que, por algum curto-circuito interno, desligamos.

Como um estudioso da longevidade ativa e feliz, vejo nessa história um pilar fundamental do bem-estar: a necessidade de cultivar relacionamentos e de ter a humildade de compartilhar nossas vulnerabilidades. A verdadeira iluminação na jornada da vida vem tanto da nossa força interior quanto da luz que os outros, com seu amor e sua perspectiva, podem nos ajudar a reencontrar.

Por isso, deixo um convite a você que me lê: qual "disjuntor" em sua vida pode estar desligado neste momento? E, mais importante, a quem você poderia recorrer para ajudá-lo a encontrar o interruptor e fazer sua vida iluminar novamente?

Ricardo de Faria Barros

Um Tesouro de Cinquenta e Cinco Reais de Sr. Evandy



O passado não pede licença. Hoje, ele me encontrou no meio de uma tarefa mundana: arrumar o apartamento. Foi ali, entre livros e gavetas, que um simples pedaço de papel se recusou a ser apenas um objeto e exigiu ser uma memória.
Dentro de um livro antigo, repousava a folha. Ao tocá-la, senti a textura levemente gasta, a cor amarelada pelos anos. A surpresa inicial, a de encontrar algo fora de lugar, rapidamente se converteu em uma onda avassaladora de nostalgia. Ali, não havia apenas tinta, mas a caligrafia de uma das pessoas mais importantes da minha vida.
Em cima, a letra organizada, cuidadosa e firme do meu pai, o seu Evandy!
Embaixo, alguns garranchos meus, a assinatura de um começo ainda incerto. Aquele contraste visual era a metáfora perfeita da nossa relação naquele momento específico, no longínquo ano de 2017: ele, a base sólida e a estrutura; eu, o aprendiz rabiscando os primeiros passos de uma nova jornada. Aquele papel não era um documento qualquer; era a primeira linha do livro-caixa da minha nova vida, escrita com a tinta do afeto.
2017: A Contabilidade do Afeto
O ano de 2017 foi um tempo de reencontros e recomeços. Meus pais haviam vindo de Campina Grande, na Paraíba, para passar uma temporada conosco em Brasília, onde o clã — filhos, netos e bisnetos — havia se estabelecido. A casa cheia tinha o som da família, do afeto que atravessa distâncias para se fazer presente. Para mim, era um período de profunda transição. Recém-aposentado, eu havia mergulhado de cabeça em um sonho: a "ânimo desenvolvimento humano", minha pequena empresa de treinamentos e palestras focada em saúde emocional.
Lembro-me perfeitamente da cena. Eu e meu pai sentados, lado a lado, para fazer o primeiro balanço financeiro da empresa. Ele não estava ali como um espectador curioso, mas como um sócio de alma, um participante genuinamente entusiasmado. Com uma dedicação que me comovia, ele anotava cada despesa que eu ditava, cada pequena receita que entrava — a sessão da Marina, o pagamento do Júnior, a consulta da Denisa, cada R$ 180 que representava um passo — como se o sucesso deles fosse o nosso.
O mais marcante era a sua completa ausência de julgamento. Em nenhum momento ele olhou para os números e disse: “Olha, isso não vai dar certo”. Ele nunca mencionou que o aluguel de R$ 2.000 consumia quase toda a receita ou que o risco era grande demais. Pelo contrário. A cada anotação, ele vibrava. Era um pai lindo, envolvente, que tomou para si aquele momento, curtindo cada detalhe como uma conquista pessoal. Ele transformou uma planilha de custos em um ato de amor.
A Riqueza Contida em um Pequeno Lucro
Depois de somar e subtrair, o resultado final apareceu, cristalino em sua simplicidade. A contabilidade daquele primeiro mês era um retrato fiel de um começo modesto, mas valente.
Categoria
Valor
Despesas Totais
R$ 2.645
Receitas Totais
R$ 2.700
Lucro Final
R$ 55
Cinquenta e cinco reais. Para o mundo corporativo, um número irrisório. Mas para meu pai, eu sei, aquele valor "era 1 milhão". Eu nunca vou me esquecer do semblante dele ao ver o resultado. Ele não via apenas o dinheiro; ele via o renascimento da carreira do filho. Ele enxergava um homem que, após 30 anos de trabalho formal, se recusava a aceitar o vazio da aposentadoria, o ócio sem propósito que ele tanto temia para mim. Para ele, aquele pequeno lucro era a prova material de que meu esforço estava florescendo.
Naquele rosto, havia um orgulho sereno, uma fé inabalável no meu potencial. Aquele olhar dizia tudo: o que importava não era a quantia, mas o movimento, a coragem de começar, a ocupação da mente e do coração. Foi naquele dia que entendi que o verdadeiro valor das nossas conquistas raramente está nos números, mas no esforço que investimos, na coragem que demonstramos e, acima de tudo, no apoio incondicional daqueles que amamos.

A Lição dos Pequenos Passos
A história daquele balanço de cinquenta e cinco reais é o antídoto perfeito para a ilusão do sucesso instantâneo. A internet está cheia de promessas, vendendo a ideia de que existe almoço grátis e que podemos chegar à janelinha do sucesso sem esforço. Esta memória nos lembra que toda grande jornada é construída passo a passo, com dedicação diária e paciência.
É como se preparar para uma corrida de 5 km. Ninguém começa correndo a distância inteira. O processo é gradual: "Corre 200 metros, caminha 100. Corre 400, caminha 100". É preciso celebrar cada pequena vitória, cada metro conquistado, pois são eles que nos fortalecem para o percurso completo.
Que essa memória sirva como um chamado. Seja você a figura de apoio na vida de alguém. Quando um amigo, um filho ou seu parceiro chegar com um projeto, por menor que pareça, ajude a esquematizar, a ver as possibilidades. Seja a pessoa que incentiva, que apoia, que estimula. O crescimento é orgânico. Meus poucos clientes daquela época foram falando para outros, o boca a boca começou a acontecer. Se eu tivesse desanimado com aquele resultado e fechado as portas, aí sim, nada teria acontecido. Desistir é a única forma de garantir que o futuro não chegue.
Gratidão: A Herança que Fica
Agora, seguro este pedaço de papel em minhas mãos. Ele não é mais uma simples folha, mas um tesouro. É a prova física do amor e da fé de um pai, um amuleto que me lembra de onde vim e da força que me impulsionou. É o legado de um homem que sabia que o maior incentivo que podemos oferecer a alguém é simplesmente acreditar.
Obrigado, papai, pela força.

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