Hospedeiros Tóxicos

Hoje sai em busca de meus beija-flores do final da tarde. Esperei, esperei e nada. Notei que a sua árvore predileta estava quase sem flores. Cheia de galhos secos e sem folhas. Senti falta deles que me acompanham nos finais de tarde, há uns dois anos.

Aproximei-me mais da plantinha para ver o que ocorria.

Qual seria o motivo de tantos galhos depenados, sem folhas e flores. Descobri.

Para meu alívio, descobri.
Um bicho, um tanto estranho, tornara-se hospedeiro da planta, mais conhecido por Bicho-galho. Aparentemente inofensivo, até já o fotografei nesta mesma planta, noutras ocasiões, notei que ele come todos os rebentos de folhas e flores, devem ser as mais docinhas e macias.
Se você olhar no alto do galho seco desta foto verá um deles.
Mas tem que olhar com vontade. Seu disfarce é perfeito. Ele parece um galho seco. Finge ser um pedaço da própria planta, assim passa despercebido e vai ficando nela, sem sofrer ameaças.
Fiquei com dó de meus beija-flores, que perderam suas florezinhas, e da própria planta que não tinha para quem pedir socorro e acabaria toda pelada de folhas e morreria.
Um a um fui tirando os Bicho-galho; colocando-os noutra parte do jardim, com outros tipos de árvores, mais resistentes à sua fome.
Agora, creio que a arvorezinha se recuperará e os beija-flores voltarão para polinizá-la, todas as tardinhas.
Fiquei matutando se a mesma coisa não acontece conosco. De repente, aqueles sentimentos melhores que tínhamos, aqueles valores legais tais como: bondade, mansidão, solidariedade e compaixão vão indo embora de nosso interior. Tal quais os beija-flores foram embora. É que eles não encontram mais alimento, florezinhas vermelhas para polemizar, nosso coração ficou árido.
Ou os beija-flores amigos que nos visitavam vão deixando de fazê-lo. Sempre estamos tão ácidos, negativos, rancorosos, vingativos que os afastamos de nós.
Tem muito Bicho-galho que pode habitar nosso coração e ali fazer morada por anos a fio, sem causar grandes impactos, quase que numa relação simbiótica, porém altamente perigosa.
Eles são sutis, dissimulados, confundem-se com a gente mesmo.
Mas, não fazem parte de nossa essência.

São sugadores de nossa energia vital. São tóxicos.

Carregamos-lhes, pois não nos incomodam, vão ficando dentro da gente.
Até que, de flor e folha; de flor e folha; de flor e folha que as comem, secam nosso coração.
Sugam nossa vitalidade, nossa esperança, nossa vontade de recomeçar. Sugam nossa autoestima, nosso ânima interior.
Descobri-los é necessário para o bem viver.
O Bicho-galho que habita em mim pode ser a preguiça. O egoísmo, a inveja, a falta de paciência, o orgulho.
O desamor, a mágoa encrustada, a fofoca e mentira.
Pode ser a falta de perdão, de gentileza.
Pode ser a falta de gratidão, de humildade, de empatia.
Noutros casos, pode ser a falta de ternura, de afeto, de amizade.
Pode ser até o descuido com a saúde.
Estes acima no campo dos valores.

No campo das pessoas, podem ser os encostos que vamos arranjando vida afora e que só nos fazem mal, embora em pequenas pitadas – não suficientes para serem expulsos de nosso viver.
Pessoas más, ciumentas, invejosas ou agressivas, ou de tudo isso um pouco.

Pessoas que conosco habitam e que vão, lentamente, nos transformando naquilo que elas são.

Pela convivência.

Vão roubando nossas folhas e flores interiores, afastando de nosso viver tudo que o torna aprazível e atraente.
Descobrir os Bicho-galho interiores e exteriores que portamos não é tarefa fácil.

Nem sempre temos um jardineiro de plantão, com olhos atentos, para descobri-lo disfarçado de nós mesmos, e habitando em nós mesmos.

Por isso é tão importante pararmos, vez por outra, e fazemos nosso ato de contrição em busca do autoconhecimento. E mudar.

Levarmo-nos para passear e meditar sobre nossa vida, o que está nos incomodando, o que fomos deixando pra trás e que nos fazia bem. E renascer.

De nosso ser sempre flui a boa seiva interior.
Ela nos conduz e faz brotar a vida.
Tal qual aquele galho seco, após ter sido depenado pelo Bicho-pau, dele brotará novas folhinhas e flores, assim é nosso existir.

É só deixar a seiva interior fluir, somos portadores do amor.

E o amor cura, resgata, acredita, rejuvenesce e supera.
Descobrir o que foi destruído de nosso ser, e em que fomos nos transformando ao conviver em ambientes insalubres é uma tarefa diária.

Tudo ao nosso redor convida-nos à violência, ao egoísmo, à falta de paz e tolerância.

É preciso ficar atento. Pedir ajuda. Têm muitos “jardineiros-amigos” que poderão nos dá um toque, um conselho, uma palavra de sabedoria, um puxão de orelhas.
Eles conseguem ver o que nem nós estamos vendo.
Perceber o que para nós passa despercebido.
Um Jardineiro que recorro sempre é o Senhor Jesus. Ao colocar-me na sua presença, quando deito a cabeça pra dormir, vejo o quanto de Bicho-galho deixei habitar em mim e me fez menos gente, ou que eu mesmo fui e pelo perdão.

Amanhã recomeçarei o dia sabendo que a luta não está ganha. Outros virão, interiores ou exteriores, e a saga continuará. A velha saga do bem contra o mal.

Ao limpar meu coração, ao depurar tudo que pode me tornar mais bicho e menos pessoa, liberto meu ser para uma maior compreensão do outro, nas suas necessidades e idiossincrasias.

Fico pensando nas vezes que posso ter sido Bicho-galho para alguém.

E a matado um pouquinho, mesmo de forma dissimulada, sem muito alarde.

Não deve ter sido poucas vezes.
De agora em diante, lembrarei-me de meus beija-flores; de sua arvorezinha pelada de folhas e flores; e de seu hospedeiro sútil.

Ficarei mais atento aos meus bons valores em erosão, procurarei por eles na seiva vital que flui de meu ser e os renovarei.

Mais atento à como pessoas-gafanhotos podem estar moldando meus comportamentos, e eu me transformando nelas. Procurarei manter meu prumo interior, sem copiar seu jeito de ser, ou assimilar posturas desumanas. Não as deixarei mobilizar tantas energias interiores em meu ser.

E, para comigo mesmo, procurarei ficar mais atento ao impacto que causo nos outros, se estou sendo vida ou morte para eles.

Se estou sendo Bicho-galho, que suga sua esperança e alegria.
Ou se estou sendo beija-flor que se alegra com eles e leva deles o que possuem de melhor, criando uma corrente do bem – a tribo do amor, harmonizando e energizando ambientes.

Quero ser vida e não morte, para mim mesmo e para os que me rodeiam.

Jardineiros-amigos de plantão, ajudem-me por favor!

2 comentários:

  1. por acaso, procurando sobre pneus, fui lendo seus textos e sã maravilhosos... parabéns!
    li poucos mas com tods certeza vou ler mais e mais!

    Fique c Deus!

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    1. Amém. Suas palavras me enchem de coragem em continuar a extrair minhas entranhas e publicá-las.

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