De que lado da paisagem?



Dia de sol bonito saí para explorar umas trilhas de terra batida no litoral norte de Natal-RN, tentando acessar algumas praias sem ter que dirigir pela BR 101. Aí encontrei uma estradinha deliciosa, de piçarro, que liga as cidadezinhas e respectivas praias de Pititinga à Rio do Fogo.
Estrada deserta, dirigia devagarinho, observando a paisagem da caatinga encontrando-se com o mar, cena de rara beleza. Cactos misturando-se com cajueiros. Sol e sal.

Durante o trajeto parei várias vezes para observar flores, pássaros, frutos do litoral que nem eu sabia o erto o que eram. Comi vários deles. Na foto que ilustra essa crônica tem algumas dessa maravilhas que encontrei. O trajeto é curto, uns 20 km.

E algum momento, entre uma foto e outra, observei uma espécie de gramínea que estava toda em flor, uma flor violácea.

Os campos floridos, agora que minha vista o percebeu acompanhavam toda a estrada e adentravam-se pela Caatinga.

Olhar para o solo causava uma frenesi de tanta beleza. Era uma combinação do raro verde das gramíneas e arvorezinhas da Caatinga, o barro do terreno, misturado aqui e acolá com areia branca trazida pelos ventos formando belas dunas, e a florada violeta.

Mais à frente, descobri que o lixão de Pititinga é colocado também no terreno que margeia essa estradinha. A cena feriu minhas meninas dos olhos, de tanta feiura e desolação que o bicho homem faz com seus dejetos.

Fechei os olhos e olhei para o lado, lá estava novamente o solo Picasseano. Escolhi olhar por um tempo para o lado oposto ao lixão urbano, contemplando a florada tão magistral.

Chegando no Hotel vou á Piscina.

Hotelzinho pequeno, 8 apartamentos, na Praia de Maracajaú-RN. Logo descobri que tinha um casal de hóspedes novo, e dos falantes, os outros eram do tipo não-queremos conversa-com-estranhos.

Ele morava em no estado de Massachusetts, nos EUA. Ele estava revoltado com sua curta estada em Natal. Tudo tinha dado errado, a praia que escolhera ficar, o hotel, o bugueiro, e até as malas que demoraram dois dias para chegarem, já que extraviaram.
Ele tinha programado 4 dias em Natal, 3 em Maracajaú e 3 em Pipa-RN. Assim pensara que faria boa parte do litoral do RN.

Ele tinha acabado de chegar no hotel.
Sua esposa não falava uma palavra em português, mas seu corpo sim. E das palavras boas.
Palavras em gestos de alegria, ternura e acolhimento em pessoa.
Fez logo amizade com meu filho, o JG, e sem falarem nenhum dialeto conhecido falaram o principal: o amor.

Ela só dizia "LITTLE FISH" com o JG e morria de rir com as maluquices dele.
Chamava-se Érica. Ele, o Coca.
Coca perguntou-me se eu estava gostando. Falei que escolho o lado bom da estrada para olhar. Ele não entendeu nada, e como estava a 8 anos fora do Brasil perguntou se era uma gíria. Aí contei-lhe a história acima.

E do quanto tinha tido pequenos aborrecimentos, também em Natal, antes de chegar em Maracajaú.

Pneu do carro baixo, proibição chata e ostensiva quando adentrava no café da manhã com minha sunga de praia: "De trajes de banho não pode entrar...". Dos preços exorbitantes de tudo.
Mas que tudo aquilo eu absorvia, assimilava, mas não deixava me abater, olhava para o outro lado no ônibus da vida.

De que lado você quer sentar, para contemplar a paisagem, enquanto segue no ônibus de sua vida?

O lado que olhando pelas janelas voc~e v~e as violetas, ou o que vê o lixão?

Ambos estão lá.

Falei para ele que o bom e o mal estão na mesma realidade. Que a natureza está grávida do seu contrário.

Aí foi que ele não entendeu anda mesmo.

Mas, o Coca era gente boa demais.

Disse-lhe que ao acordar naquele pequeno hotel, vindo de uma experiência e tratamento super frios e formais, o piscineiro, o João, me viu e soltou um: "Bom dia Sr. Ricardo".




Que tinha conhecido dona Luzia, proprietária de uma lanchonete de beira de rua, que fazia uma tapioca e uma sopa divinas.


Disse-lhe que descobrimos uma lagoa, que dá para ir a pé e que mas parece o paraíso.


Por último disse-lhe: esse é o lado bom do trajeto, do caminho.


Há um monte de lixo-humano do outro lado, não posso mudá-los, só posso aprender a não deixar que ele me mudem, me fazendo mais um como eles.

Gente bruta, sem escrúpulo, sem amorosidade existe em todo lugar, mas opto em selecionar para a minha vida as que mais parecessem com aquele campo de flores de cor violeta.


O convidei para fazer o passei para ver os peixinhos conosco. Ele topou.


No outro dia fui com ele na casa do "nativo" que sobrevivera aos tubarões do setor turístico que exploram os mergulhos nos Parrachos (espécie de ilhotas que aparecem na baixa maré, repletas de peixes em seus Corais protegidos de pisoteio).


Conheci o Mateus caminhando. Na parede da casa dele tinha uma placa "Vende-se Paquetes".

Não me contive e perguntei-lhe o que era aquilo, ele me falou: "jangadas à vela".

E daí para estabelecer um diálogo e descobri que só 30 famílias de pescadores continuaram no local, adaptando suas jangadas, com motores, para explorarem os mergulhos. As "Jangalanchas" podem levar 10 visitantes aos Corais.

Já os Catamarãs podem levar uns 60, ou mais, um ônibus inteiro da CVC.


Na distribuição das cotas de visitação coube aos nativos 20% da exploração. O resto são as grandes operadoras de turismo de Natal quem administra.


Fiquei apaixonado pela história dos ex-pescadores, agora transformados em agentes de serviços turísticos, os "Nativos".


Fui com Coca na casa do Matias, ao lado do pequeno Hotel, e compramos mais dois bilhetes.


No dia do passei coca já estava mais relaxado. Ele tinha pânico de água. Mesmo assim, de tão bacana que era a tripulação e o clima que se instalou ele amou.


Não deu um mergulho. "Ficou na base" . Mas, era o mais animado.


Fea amizade com o "comandante", com o proeiro, com o instrutor de mergulho, e com todos outros turistas que formavam o grupo dos dez.


Sua esposa só ria.


Almoçamos juntos e o apresentei à senhora que vendia cocadas. Que história linda de superação.


Voltamos ao hotel, não mais pela praia, caminhando pela rua principal de Maracajaú.


No caminho eu ia mostrando-lhes as coisas: uma vaca, uma criança catando piolho na outra, um varal estendido na calcada.


O ritmo gostoso de cidadezinha do interior com o povo reunido para marcar um bingo na praça.


No outro dia ele estava outro, a animação em pessoa, e fomos juntos a mais um passeio, agora de quadriciclo.


Durante o passeio, que não por acaso passou na estradinha Pititinga-Rio do Fogo, mostrei-lhe as frutas à beira do caminho, algumas delas parei e ele e a Érica provaram.


Nosso guia era a gentileza em pessoa, entrava pelas dunas e Caatinga à procura de nascentes de lagoas e frutas silvestres só para nos agradar.


À noite, enquanto provávamos o Capaccio de carne de sol, ele revelou que a Érica lhe dissera que aqueles dias tinha sido os melhores de suas férias e que não queria mais sair daquele local.

Assim sendo, ele cancelou a ida á Pipa.

O que ele estava gostando mesmo era das pessoas que tinha conhecido em Maracajaú-RN e era isso que eles estavam procurando e não sabiam.


Falei-lhe, que no hotel Natal havia um garçom já velhinho, que único humano daquele hotel.

Os outros transformaram-se em pessoas-crachá.

E, que todas as manhãs enquanto não via aquele velhinho eu não me sentia bem.

Quando o enxergava sentia-me em casa, na casa humanidade.

Falei-lhe que conheci pessoas maravilhosas em Natal, o garçom da Toca do Caranguejo, que até tirou foto para eu mostrar ao seu irmão que mora em Brasília.

Que conheci um aprendiz-de-turismo que me levou à Lagoa do Carcará, e, mais que isso, agregou sua vida pessoal ao nosso passeio.

Falei que nosso bugueiro tinha nos levado para conhecer um rio que corre entre dunas, lugar secreto dos mais antigos, que a turma nova não leva os turistas, na pressa que têm para logo chegarem a lugar algum.

Falei-lhe que há os dois lados da estrada, em todos os lugares, cidades, hotéis, mundo do trabalho, igrejas, famílias.


Olhar para o lado certo, toda as vezes que a paisagem mudar, é uma questão de sobrevivência e sabedoria.


Na minha vida há lixões, nem tudo é sorriso, nem tudo é a vida editada no facebook.

Há dias difíceis, tristes e até beirando a depressivos.

Há fases sem brilho.

Mas fiz uma escolha, todas as vezes que esses dias ficam muito forte, que o pessimismo me invade, a melancolia me sufoca, olho para os lados catando flores na calçada de meu viver.

Respiro na poesia para libertar-me das durezas da realidade.

E. movo-me na esperança para transformar o que está a meu alcance.

Carrego comigo agora as flores do outro lado da minha "estrada de Pititinga".

O que me diminui, oprime, machuca, depois de um dia e uma noite processando, aprendendo com aquilo, deixo de lado.

Se não posso mudar uma situação, posso mudar a mim mesmo, na forma que permito que ela me abata, ou mudar a mim mesmo dela.

Simples assim!

Há o lixão e as flores na mesma estrada Pititinga de nossas vidas.

Saber de que lado fica, no ônibus de nosso viver, que percorre essa estrada, é o segredo.

Mude-se de lugar.

Pegue o corredor ou janelas de sua vida que se abrem para os campos floridos.

Procure o belo que há nas pessoas.

Uma ou outra vai te magoar, agredir, faz parte, são pessoas-lixão, más.

Porém, mais cedo ou mais tarde, preste atenção a quem te rodeia, por mais simples que seja, aposto que encontrará mutias pessoas-campos-floridos que te ajudará a ser mais feliz.

Ao ponto de te fazer cancelar uma ida à famosa e badalada praia de Pipa-RN para ficar mais perto delas.

No limite, quem fará a diferença mesmo em nossa jornada serão as pessoas com as quais cruzaremos.

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