Desocupe a área, esse trecho de praia é meu.



Minhas farofas de praia são celebrações à vida.
Começo a prepará-las com antecedência, saboreando cada momento.
Na quarta, fomos eu e meu pai marcar o lugar da comilança, fazendo a locação do terreno aqui na praia do Bessa I em João Pessoa.
O lugar era perfeito, tinha sobra, fácil acesso ao mar, e uma bela vista.
Tinha até uns equipamentos para ginástica, ali improvisados, numa espécie de academia ao ar livre.
Até estacionamento por perto tinha.
Próximo passo, convidar os amigos.
Postei até uma chamada, postei convite no FB.
Alguns fui convidando pessoalmente: Sandra, Carla, Ju e o Maurício.
Amigos de longas datas e boas recordações para serem relembradas.
Para quem sofre com amnésia, ter desses amigos vale ouro.
Amigos são nossas memórias auxiliares. Preservam nossa cultura.
Agora era caprichar no cardápio.
Nesse tema não pode haver improviso.
O cardápio deve ser prático, fácil de operar sob condições diversas, e de funcional preparação.
Cardápios para preparar na hora, nas farofas, são arte.
À noite, numa ida ao mercado, encontrei filé de tilápia no mercado e agulha preta. Uhh iguarias.
Itens que fazem a festa em churras de praia.
Já imaginava aquele file de tilápia, assando na brasa, bem de leve, e sendo saboreado com uma cerveja gelada.
Visitando minha cidade natal, Campina Grande-PB,  comprei a cachaça das boas e uma especiaria muito difícil de achar e altamente saborosa, a linguiça de bode.
Na manhã saí para comprar o gelo em escamas, gelo de pescador, e o Camarão Rosa, para uma fritada no alho e óleo.

Logo cedo cheguei no lugar, para não perder o point.
Limpei resto de lixo que alguns homens-bicho deixaram no lugar.
Temperei com limão, sal e pimenta os peixes e camarão.

Uns rapazes que caminhavam pela praia, chegaram e eu fui logo dizendo. Pode usar a academia, vamos compartilhar o lugar.
Eles sorriram e começaram a fazer barras.

Depois estabelecemos um gostoso diálogo. Eles pensam em fazer Eng. Mecânica em Brasília e queriam saber tudo de lá.

Fizeram-me uma boa companhia, entre uma série e outra de barras.

Quando foram embora fiquei só, ouvindo o som das ondas, dos bem-te-vis e de hinos religiosos que tocavam na igreja paralela ao local.

Fiquei embevecido com as melodias suaves, entrecortadas por preces amorosas.

Eis que chega um rapaz na área. Faço o mesmo convite para ele usar os equipamentos, sem cerimõnia, compartilhando a área.

Ele olha-me fixamente, sua expressão é de ódio.

Baixo a vista.

Ele retira-se e eu respiro aliviado.

Uns minutos depois ele chega acompanhado de mais dois jovens-do-tipo-marombado. Daqueles que no lugar de neurônios têm músculos.

Um veio em minha direção e começou a xingar os farofeiros que danificavam o lugar.

Sua expressão era ameaçadora.

Contei-lhe que eu não era esse tipo de farofeiro. E que já tinha recolhido um saco de lixo deixado no dia anterior por alguém que frequentara o lugar.

Mostrei-lhe os sacos de lixos, estrategicamente posicionados para serem cheios.

Seus olhos estavam vermelhos de raiva.

Dizia que aquele lugar era deles, que foram eles que fizeram a "academia" e se quisesse me botariam apra correr à força.

Um dos rapazes, alegou com dedo em riste, que eu estava atrapalhando o local que eles iam para relaxar, "fumando maconha".

Sem alterar meu tom de voz, e medindo cada palavra, falei que eles podiam fumar o que quisessem que eu não tinha nada com isso.

O outro, mais parecendo uma geladeira de grande, começou a destruir o canto que fizera para acomodar a churrasqueira do vento. Jogava todas as palas fora.

Levantei-me, o encarei, e disse-lhe que eu mesmo limparia a área.

Já eram umas 10 da manhã. Eu torcia para não chegar ninguém de meus convidados ou familiares.

Pois o conflito acirraria.

Liguei a caixinha de som.
Botei uma dose de uísque.
A música invadia o local, Jorge Aragão e seus sambas de categoria.
Ofereci cerveja ou uísque.
Um deles respondeu, em tom ácido, que "eles não bebem".
Pensei, não bebem nada, mas fuma que é uma beleza.
O cheiro do cigarro empestava o ar.

Entrei no modo contemplação, e virei minha cadeira para o mar.

Aos poucos eles começaram a fazer os exerc´cios, não sem antes notarem que eu tinha usado uma espécie de halteres como apoio para um banco rustico.
Pronto, lá vinha briga novamente.

Mas, não veio.

Eles sentiram que minha energia era outra.

Pelas 11, chegaram meu filho mais velho e pai.
Eles, ao olharem pra mim, sentiram que algo estava ocorrendo.
Sem dizer o que, propus que eles fossem em casa buscar uns itens que tinha esquecido.

A situação ainda estava muito tensa. Ao longe vem chegando caminhado pela praia a esposa e o JG.

Corri em direção deles,a comodando-os na praia.  Minha esposa comentou, "e não vamos ficar lá em cima?"
Disse-lhe, "depois venho chamar", tem muita fumaça da churrasqueira.

Pelo meio dia eles se retiram, sem dizer uma palavra.

Que diferença dos jovens anteriores que comigo interagiram.

Como numa fraça de segundo chegam meus convidados, pai, filho, namorada do filho.

Ufa, agora sim, liguei a churrasqueira.

Não queria provocá-los ainda mais e a mantive desligada.

Fiz uma fritada de camarão e abrimos os trabalhos. Aos poucos fui relaxando, e amando aquele encontro de amigos, ada um com um baú de recordações.

Para deter a corrente de violência uma das partes tem que ceder.

Até se acovardar, se a situação exigir.

Muita gente não foi criada para conviver. E, esse sentimento de que o mundo é deles, a praia é deles, a calçada e praças idem vai tomando lugar de seus corações.

Vão virando pequenos tiranos que saem para caçar todos aqueles que se comportam de modo diferente, falam diferente, pensam e agem diferente do grupo deles.

Agora sei que aquele paradisíaco ponto virou um "ponto", uma "boca".

Ali, jamais farei outra!

Aprendi que a calma, diante de situações explosivas, também é uma força.

A força da não-violência-ativa.

À noite escuto meu filho revoltado com a forma como viu que eu estava sendo tratado pelos jovens, quando ele chegara.

Pergunto-lhe o que eu tinha no coração agora.

Eu deixara aquela mágoa, ódio e ressentimento de ter fiado por duas horas sendo intimidado e cheirando maconha ali na praia.

No meu coração, na noite pós-farofa, só tinha alegria dos bons momentos vividos e do quanto podemos ser felizes com as coisas simples da vida.

Optei por não carregar aqueles jovens comigo. Deixei eles habitando o lugar deles.

Toda vez que remoemos algo que nos machucou, que evocamos uma mágoa, uma agressão. Trazemos novamente udo de volta.

Fica sempre em nós um pouco de tudo que jogamos no outros ou levamos nele.

Optar pelo que de fato crescerá em nosso ser é só uma questão de não mais alimentar aquela vivência de dor.

Ela morrerá de inanição emocional, nos libertando de seus traumas.

Ficar remoendo o que deu errado, só faz com que aquilo que não gostamos de ter acontecido nos acompanhe vida a fora, como uma outra pele de nosso ser.





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