Desculpar, verbo de ação estruturante da saúde relacional.



Umas das coisas que mais me tiram do sério no relacionamento pessoal e profissional é quando vejo que a pessoa errou e não admite, não sai do salto alto, do orgulho, da arrogância e falsa prepotência.
Tem gente que não assume nunca seus erros.  Mesmo estando escancarados em sua cara.
Para ficar mais claro o que falo vou desenhar nos exemplos abaixo:

Gerente - Você preparou aquela apresentação para a reunião de daqui a pouco?
Funcionário – Preparei não chefe, minha estação de trabalho passou o dia desconectada da rede e não consegui acessar os documentos.

Percebem a postura de terceirizar a responsabilidade, de deslocar a cena do relatório não produzido para a rede desconectada?
De justificar, justificar, justificar...
Vejam outro exemplo:
Esposa – Você quebrou o liquidificador moendo esses grãos de café dentro dele.
Marido – Mas eu não moí café.
Esposa – (cri, cri, cri)
Nesse exemplo uma segunda categoria do mesmo tema, a falta de reposicionamento, de usar aquela palavra mágica: “desculpe”.
Só pede desculpas quem sente que errou, quem absorve o erro e destila culpa ou arrependimento. Quem não sente culpa não traz o erro à consciência.
Vai “derrubando pontes” e arruinando pessoas sem admitir sua própria parcela de responsabilidade.
Sempre é o outro o culpado. Ou sempre encontra as justificativas, que por mais justificáveis que sejam, não justificarão nada.
Recentemente foi publicado o resultado do estudo longitudinal mais longo já feito sobre aspectos da vida que dizem respeito ao bem-estar, ele foi conduzido com 734 homens nos EUA. Por 75 anos eles foram acompanhados por profissionais da Universidade de Harvard tentando identificar a resposta à seguinte questão: O que é que nos mantém saudáveis e felizes durante a nossa vida? Se quisessem investir agora no vosso melhor futuro, onde poriam o vosso tempo e a vossa energia?
Se quiser acessar um extrato dos resultados veja nesse link a micro palestra do atual Diretor dessa pesquisa (clique nas legendas para baixar a transcrição, em: https://www.ted.com/talks/robert_waldinger_what_makes_a_good_life_lessons_from_the_longest_study_on_happiness#t-388695
Um dos resultados da pesquisa identificou que para chegar a uma vida boa, bela e virtuosa, após 75 anos de caminhada, precisa desenvolver a arte de construir e manter relacionamentos significativos com o cônjuge, a família e os amigos.
Manter viva a capacidade de fomentar, alimentar e proteges as conexões sociais de todos os tipos.  Isso fará a diferença entre a percepção de uma vida boa e de uma vida medíocre. Não são os bens materiais, o dinheiro, poder nem tampouco a saúde.
Os escores de felicidade encontrados no grupo pesquisado não obtiveram nenhuma correlação com os itens acima. Pessoas com sérios problemas de saúde, mas que se congregavam com os outros eram muito felizes, em comparação aos que não apresentavam maiores problemas, mas que cultivaram um jeito egoísta de viver. E assim por diante, em relação ao acesso a bens materiais, educação e posição social.
Para se viver bem com o outro, coma família e amigos – ou seja, para se mantiver vivo o fermento da interação social, uma das competências mais importantes é o de assumir os erros cometidos, pedir desculpas, ou perdão, aprender e reestabelecer as pontes relacionais que a falha derrubou.
Sem sentir culpa isso é impossível. Por isso defendo que a culpa, em certa dose, é libertadora de nós mesmos. De nossas fantasias de dominação e subjugação do outro.
A culpa é originada da autoconsciência e do sentimento de que algo que fizemos não foi legal. Podemos crescer muito com ela.  
Nessa sociedade tão individualizada, com multidões solitárias - conectadas pelo whatsapp  ou Facebook, aprender a identificar nossos erros relacionais e voltar atrás é fundamental.
Deveria ter uma disciplina para ensinar a conjugar e praticar o modo imperativo afirmativo do verbo desculpar:

desculpa tu
desculpe ele/ela
desculpemos nós
desculpai vós
desculpem eles/elas

A etimologia da palavra Desculpa significa tirar Des=Retirar Culpa= Delito, erro.  Lógico que na vida real não é tão simples.  Não basta pedir desculpa. A intenção tem que ser verdadeira. E do outro lado nem sempre a pessoa estará pronta a aceitar o arrependimento sincero de quem o ofertou. Mas, não é esse o mote do texto. O que reflito contigo é sobre a ausência de sentir-se responsável, culpado, pessoalmente impactado por algo que deu errado, por algo que fez e machucou o outro, ou que não produziu os resultados esperados por falhas na condução do trabalho.
Esses relacionamentos que são importantes à felicidade, como comprovado na pesquisa, só se mantiveram renovados, ao longo de muitos anos, porque seus envolvidos desculparam-se em muitas ocasiões.  Aprender a assumir os erros e corrigir procedimentos é sinal de saúde mental. Deslocar a responsabilidade do erro para o outro, para às circunstâncias ou até fingir que não houve nada é sinal de degradação emocional, de adoecimento.
Quem sente culpa e assume com responsabilidade sua parcela de culpa no cotidiano do viver, construirá relacionamentos verdadeiros e significativos.  Afinal, como diz o poeta maior:
“Porque a vida só se dá pra quem se deu.  Pra quem amou, pra quem chorou e pra quem sofreu.”
Sentir culpa é uma espécie de sofrer que pode transformar vidas. Desde que saibamos a hora certa de fechar a janela e virar a página.
Deixo-vos com uma pérola que recebi de uma colega de trabalho, quando falava do tema desse texto logo cedo. Ela mostrou-me o “Zap” que enviou para o marido”, vejam que lindo:
“Olha XX... Não temos que estar se xingando por besteira não. Você me fala coisas horríveis. Eu também. Não vamos perder a consciência e se agredir. Não estou bem e você também. Então me perdoe.  E eu também te desculpo.”

Uauuuu! 

Esse casal, se continuar assim, chegará aos 75 felizes! 

Então pessoal, menos arrogância, autossuficiência e orgulho em voltar atrás e assumir as falhas.  Não existe ninguém perfeito. E o bom pode ser inimigo do ótimo.  Três passos ajudam a capacidade de pedir perdão, ou desculpas :
O primeiro é exercício da empatia, ao se estimular a percepção do outro: com suas necessidades e expectativas. Ficando mais atentos ao nosso, e o efeito dele sobre nós mesmos, o outro e sobre a realidade aquilo que nos rodeia.
O segundo é deixar a vaidade de lado e tomar a iniciativa, mesmo que possa não surtir efeito algum, pelo menos em você servirá para o crescimento.  Esse orgulho de manter o nome, a aparência e a vaidade, e em não “descer do salto” é muito ruim para os relacionamentos. Botar pra debaixo do tapete só vai infeccionar a ferida emocional.
O terceiro é deixar de se justificar, de transferir responsabilidade. Deixar de querer manter a pose quando faz merda. Eu tive um grande gestor que me ensinou uma atitude bacana que agora compartilho:

Ricardim, quando você for pego num erro, ou dele tomar consciência, assuma seu papel de protagonista em buscar remediá-lo, ou transformar a situação. Humildemente, baixe o lombo e diga à pessoa que sofreu com ele:  “bata”!  E depois, não fique remoendo, resmungando ou se sentido o pior dos mortais, errar faz parte do viver. Aprenda a hora certa de virar a página e deixar esse fantasma da culpa te imobilizar, impedindo-lhe de transformar o medo, raiva,  incerteza, dor e vergonha em algo produtivo para sua vida, para a situação e para o outro.

Uauuu!

2 comentários:

  1. Olá Ricardim! Parabéns pelo belíssimo texto. Gosto muito de ler o que vc escreve, pois, de maneira simples faz com que consigamos refletir, ponderar e rever muitos comportamentos. Muito bom também o link da pesquisa dos profissionais de Harvard.Continue escrevendo sempre! Abraço! Sander

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    1. Muito obrigado, receber esse comentário só me incentiva a continuar. Valeu mesmo.

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