Pedacinhos de Céu (Autor Ricardo de Faria Barros)




O paraíso pode acontecer quando o telefone toca e Sr. Valdecir nos lembra que é a noite da canja em seu lar. Ali nos recebendo, junto com sua família, e nos fazendo sentir amados e acolhidos, e Deus.
Nossa amizade começou a poucos meses do término de 2016. Naquele dia de outubro, no caminho à feira de São Sebastião-DF, numa manhã de domingo, o flagrei regando umas mudinhas de planta, na calçada da rua à frente de sua casa. (Veja em http://bodecomfarinha.blogspot.com.br/…/um-regador-de-luz.h…
)
Não amigos, não era na sua calçada. Era na da frente, numa área baldia que ele adotou e fez dela um jardim. A cena era tocante. Sr. Valdecir do alto de seus 74 anos, e sob um sol escaldante, atuava no palco da a vida com um panelinha, usada para tirar água de um balde, molhando plantinha à plantinha. Parei, fiz foto, e uma bela amizade com ele.
Desde então, é meu ponto final todos domingos. Volto da feira e para em seu lar, para tomar um cafezinho gostoso. Já tenho até minha cadeira e local na mesa. Ali falamos das coisas simples e boa da vida.
De prosa em prosa, resolvemos tocar umas melhorias na sua casinha. Ele não pediu nada, Sr. Valdecir é homem de poucos quereres. Articulei uma rede de amigos e fizemos uma vaquinha. Com o dinheiro pintarmos o interior da casinha e colocarmos cerâmica e forro no WC.
Ao término das "obras", como forma de agradecimento, ele nos convidou para uma janta com família. No que batizamos da Noite do Angu, em 26/11.
Mas, ainda faltava outras pequenas reformas. Ela não queria que fizéssemos, dizia que era muita gastura.
Insistimos e tocamos mais umas pequenas reformas.
Ficou linda sua casinha. Por a parede foi revestida de cerâmica banca, com um metro de altura, acima dela pintada de cor mostarda. Perto do natal estava tudo renovado e bonito. Ele estava muito feliz e queria juntar todo mundo novamente (6 filhos no DF, netos, bisnetos e agregados) para comemorarmos mais uma etapa.
Perguntou-me o que seria o prato. Disse-lhe: "Que tal uma canja de galinha?". Perguntou-me o melhor dia. Disse-lhe: "Que tal na noite de primeiro de janeiro, para começarmos o ano com sustança?"
Disse aquilo tudo, lá pelas véspera de natal e esqueci-me completamente. Ele não esqueceu. Sr. Valdecir não esquece de ser grato.
Ontem, após uns dois chás de boldo, lá pelas 18hrs, eis que ele me liga e diz: "Que horas vai chegar?
Putz, lembrei-me que era a noite da Canja. Avisei a ele que em uma hora estaríamos lá.
Nos trocamos apressadamente e seguimos para lá.
Ao chegarmos uma comunhão de abraços. Cinco de seus sete filhos estavam presentes, com cônjuges, netos e bisnetos. Uma festa de comunhão de pessoas tão boas: humildes trabalhadores de um Brasil tão desigual.

Fomos acolhidos no clã. E era uma noite de alegria, de fé, com direito à reza, e de muitas trocas de afetos, daqueles de pessoas que se irmanam.
Na geladeira ele ainda guardava o resto do champanhe de 26/11 e minha Pitu. Por telefone, fez questão de nos conectar aos dois filhos que não puderam se fazerem presentes.
Umas 20 pessoas fazia daquele espaço um templo. Não tinha nada chique. Não tinha buffet, mesas, louça, bebidas ou decoração caprichada.
Na única mesa, duas panelas: a da canja e a do chambaril.

Este foi um adicional que ele fez, e teve que andar uns 6 km até achar açougue , e fez como um mimo, um algo a mais, temperado por ele mesmo. A canja foi a filha que fez, a Linda.
Fazíamos os pratos e nos sentávamos lá fora, vendo as estrelas, conversando sobre nossas vidas severinas e ouvindo boa música, que ele fez questão de que houvesse.
"Bote seu carro pra dentro e coloque música para nós, a de que o Sr. gosta. "
Sentir parte daquilo foi uma experiência significativa, nesse início do ano.
A sustança não veio da canja, ou do cozido de chambaril.
Veio de sentir o amor, sentir-se presença, sentir-se cuidado e acolhido num lar tão amoroso.
Foi muita coisa boa que vivi, e que não poderia ir caminhar com os cachorros sem antes compartilhar com vocês.
Não sem razão o Sr. Jesus falou que o Reino de Deus pertence aos pobres.
Eles sabem agradecer, sabem reconhecer as pequenas vitórias, vivem cada dia pela graça apenas.
Sabem se irmanarem, se congregarem em volta de uma mesa, sabem ser felizes com tão pouco, e sem nenhuma segurança para com o futuro.
Sabem ajudarem-se mutuamente, com o nada que possuem. Sabem se alegrar com as alegrias dos outros, e sabem o valor de um abraço.
Sabem, construir com suas vidas pedacinhos de céu, para nele habitarem, apesar de todos os pesares de sua peleja diária, pela sobrevivência.
E que pedacinhos de céu!

Um comentário:

  1. Olá Ricardo ! Tudo Bem !!! Encontramos em Maragogi vc esta lembrado, meus filhos, Caio e Vinicius brincaram com o seu.
    Enfim estou encantada com essa historia .... muito emocionante . adorei ler os seus textos. Você esta de Parabéns . um abraço para vc e toda família .

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