Cartas ao JG - Não Aprisione o Amor ( Por Ricardo de Faria Barros, pai do João Gabriel, 7 anos)


Sabe filho, na última sexta estivemos juntos no Parque da Cidade (Brasília-DF) e foi uma sensação impactante em meu viver.
Quando cheguei em Brasília, em 1999, minha vida estava um caos. Casamento desfeito, filhos longe e pais longe, saudades, pouquíssimo dinheiro, a carreira no BB uma incógnita e por refazer-se.
Aprendi a caminhar pelo Parque da Cidade, enquanto tecia uma colcha de sentimentos contraditórios.
Ontem, depois de 18 anos, voltei nele. Nesse intervalo de tempo, fui umas quatro vezes, limitando-me ás churrasqueiras.
Ontem não. Ontem estava finalmente em paz, depois de tanto esforço para reconstruir minha vida e carreira.
Notei que as árvores cresceram e novos espaços foram construídos.
Fizemos umas trilhas bem bacanas, saindo das tradicionais pistas de caminhada ou pedal.
Você levou um rasante de uma família de Quero-queros que defendia sua ninhada. Assustado, deixou a sandália de lado e correu para meus braços.
Foi um abraço gostoso, acolhendo-te no teu pavor e choro.
Vimos uma família de João de Barro, entrando e saindo de sua casa, o que é raridade de se ver.
Depois, ficamos sob copa de árvores frondosas, olhando os gansos com seus grasnidos e flutuantes evoluções.
Onde eu estava esses anos todos que não voltei a ti?
Mas, creio que não estava preparado emocionalmente para acolher o Parque da Cidade, agora ele é todo meu, repleto de cantinhos do tipo: "a tampa de minha panela". Tudo pede tempo, lombo, curtição, toda perda reclama um cadê.
Te falei dos perfumes, das árvores, do som dos pássaros, entre uma pegada e outra de pokémon que fazia.
Me redescobri em cada passo, arejei meu viver a cada lufada de ar que entrava mundo afora dos pulmões de meu viver.
Subimos pela ponte dos cadeados, e vimos vários peixes nadando à flor da pele da água.
Filho, por mais simbólico que seja, nunca coloque cadeado no seu amor.
Nunca!
Amores não precisam de cadeados para manterem-se unidos. Precisam de três atitudes, apenas três:
A primeira é um não se cansar de fazer pequenas coisinhas para o outro, agrados, mimos, doações de si mesmo, pequenos gestos de gentileza e atenção. É saber expressar cuidado, fazendo com que ele se sinta reconhecido e estimado. Ser grato ao outro, por ele existir, está também no primeiro mandamento do amor.
A segunda é um não se cansar de apreciar o mundo do outro, seus hobbies, histórias, sua família, coisas de que ele gosta, inclusive de seus amigos e trabalho, de sua histórias e estórias, de sua cultura e valores.
A terceira é um não se cansar em perdoar o outro. Relacionamentos verdadeiros e livres pedem perdão. Não aquele perdão protocolar. Mas, o perdão autêntico, fruto de mágoas emancipadas de si mesmas. Aquele perdão fruto do diálogo, empatia e da mística de querer fazer o outro feliz.
Siga, você e ela, os três passos e economizem com os cadeados.
Hoje saí para colecionar fotos de flores. Comecei o dia com a da Algaroba e Jasmim, que pediam um carinho de olhar meu.
Depois, subi uma barreira, entrando em parte de Cerrado conservada ainda. E achei uma flor que nunca tinha parado para percebê-la.
Para vê-la bem, tinha que sentar no chão. Ela ilustra essa Carta para ti.
Com ela aprendi que a vida pede pausas, renovos, reconciliações.
Talvez o mais importante desses últimos 15 dias do ano seja justamente essa primavera emocional que se dá em todo mundo.
Em cada lugar, das Nações Indígenas às populações de grandes centros urbanos, o amor está no ar.
Mensagens e vídeos maravilhosos são postados, famílias, amigos e empresas fazem concorridas confraternizações, algumas delas acabando em vexames, dado a energia emocional que circula.
Nestes 15 dias a paz debuta nos corações, o perdão encontra seu espaço e as pessoas se esforçam para serem melhores, umas com as outras.
Lembra as três dicas para não "cadear" o amor, em ferros de pontes de cadeados?
Acho que a humanidade pratica um pouco as três recomendações pra quem se ama: cuida mais do próximo, tem mais empatia pelo seu mundo e o perdoa verdadeiramente.
E, o mundo fica um pouco melhor, nem que seja por breves dias.
Não tem importância a efemeridade dessas atitudes. Elas são sinais de que podemos, quando queremos. Podemos sim, fazer correntes de amor. Podemos liberar o fluxo do bom, do belo e do virtuoso.
Podemos emancipar emoções positivas, libertar-nos de condicionamentos asfixiantes, e de toda foram de dependências relacional, das drogas, ou de bens materiais.
Podemos ser solidários, fraternos, éticos, mansos, justos e de uma cultura de paz.
Todo final de ano mostramos isso a nós mesmos e aos outros.
O bacana é que o povo do bem tem seu espaço, nas redes sociais e mídia. Tão carregadas de negatividade e intolerância.
O desafio filho meu, é converter essas mensagens, vídeos, todos belíssimos, em atitude concreta ali, do teu ladinho pedindo atenção.
E, fazer essa conversão do discurso em práticas, por toda a vida, e não só por 15 dias.
Aí sim, a primavera emocional será todo dia. Dia de cuidar, de apreciar e de perdoar o outro.
Você me pergunta, quem é o outro? A resposta só saberá praticando..., começando por aquele mais próximo que divide tua escova de dentes.
Depois, verás como é bom ampliar essa prática, e o amor pedirá tua atenção em todo lugar.
Obrigado por um passeio tão cheio de amor, um reencontro comigo mesmo, por entre alamedas que nelas deixei tantas lágrimas.
Das quais vejo a relva, as flores e frutos renascendo!

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