Aposentadoria - Preciso de agendas com páginas em branco. (Autor Ricardo de Faria Barros)


Acordei bem cedo e dona patroa chamou-me para decidir sobre a escola do JG, para 2017. Na pauta, duas opções com turno integral:
a. Mantê-lo na mesma em que estudou em 2016;
b. Ou, transferi-lo para outra. Melhor equipada, contudo mais "salgada".
Confesso-lhes que já estava pendendo para a opção b, dado as opções que tinha, até que Cristina soltou a seguinte pérola, bem de leve, languidamente:
- "Mais amado, na opção b eles não servem as crianças na hora do almoço. E o pai precisa ir almoçar com eles."
Perguntei-lhe se eu teria que todos os dias estar disponível para almoçar com o JG. Ela respondeu que sim.
Então disse-lhe: não posso!.
Aí ela soltou um: Por que, você não estará aposentado".
Aí eu disse-lhe:
"Estarei aposentado, mas não para bater ponto na hora do almoço todos os dias. Ainda não sei em que posso trabalhar, ou fazer nada nesse horário, portanto não posso assumir compromissos desse naipe".
Saindo de casa, paguei logo todas as mensalidades de 2017, da escola da opção a, antecipadamente, para não correr mais riscos. rsrs
Lembrei de uma senhora que me procurou após uma palestra sobre o tema aposentadoria. Ela revelou-me que seu marido era um exímio cozinheiro, de final de semana, um verdadeiro chef. E que ele aposentou-se recentemente, sendo que ela precisaria trabalhar mais uns anos. Aí ela lhe propôs ficar ir almoçando em casa, sendo que ele cozinharia para ambos. E ele não topou, alegando que não se aposentou para virar cozinheiro dela, abrindo uma crise no casamento.
Ele está certo. Eu estou certo.
Tem um poema chamado Cântico Negro que revela esse estado de espírito, meu e o do chef-maridão:
Cântico Negro (de José Régio
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali..."
Era isso que queria compartilhar. Não temos agenda disponível para fazer coisas por obrigação.
Não iremos por aí. Encontrar atividades prazerosas que preencham uma vida é trabalho de artesão, artesão do viver.
Quem deve definir como vai investir o capital do tempo é o seu proprietário. Ou seja, eu e você que também está se aposentado, ou já se aposentou.
Precisamos de uma agenda, na qual, meticulosamente, possamos anotar as coisas que vamos fazer no dia, para nosso prazer.
Se em algumas delas, as agendas coincidirem, ótimo. Caso não, nada de ficar se sentindo culpado. Pense assim: e se eu estivesse no trabalho, como essa situação seria equacionada?
A conciliação das expectativas e necessidades da vida contemporânea, no pós-carreira, exigirá empatia, diálogo e abertura para novos caminhos, na outra margem do rio de si mesmo. Não poderá ser fruto de imposição, ou chantagem emocional. Não se sinta culpado pelas horas livres. Elas foram duramente conquistadas, em jornadas de 10, 12, 14horas, desde muito tempo.
E, se lhe perguntarem o que está fazendo, diga em alto e bom som: NADA! Ou, TUDO.
Afinal, o nada pode ser tudo. E o tudo pode ser um nada.
Só quem saberá quando um é o outro, é quem o degusta, no sentido, ou falta de sentido de viver.
Só sei que não vou por ali.

Ps. 
Eu preciso ter disponibilidade para mim mesmo, e até, caso apareçam, para outras ocupações remuneradas. Não seria ético de minha parte aceitar, e algum dia furar. Aposento-me com renda menor do que na ativa. E, preciso correr atrás. Não quero ficar preso a esse tipo de compromisso, por mais paizão que me considere. Preciso de agendas com páginas em branco.

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