Cartas ao JG - O primeiro dia em que papai chegou mais cedo em casa. (Autor Ricardo de Faria Barros, pai do João Gabriel 7 anos)


No dia em que levantei para ir trabalhar pela última vez, ao ir me aposentar do BB, você dormia conosco. Sua mãe saiu mais cedo para trabalhar, e eu fui fazer a barba, observando-lhe de longe.

Procurei um último paletó e gravata, despedindo-me deles, ufa!

Ao abrir o guarda-roupas você acordou. 

Olhou para mim e fez algo que nunca tinha feito, disse-me: “Papai, me dê a mão!”

E, risonhos, seguramos nossas mãos. Você não tem ideia do quanto naquele dia eu estava precisando de tuas mãos. 

Segui para o trabalho lembrando a noite anterior, a da festinha de despedida que fizeram para teu pai, no 5 andar de onde trabalhava, a BB Tecnologia e Serviços.

Foi uma daquelas despedidas alegres, intimista, com mil abraços e troca de cumplicidade.

Ganhei uma radiola, um livro de receitas e os lugares de sua origem,  e um álbum de retratos com algumas de minhas fotos.

Em cada detalhe da festa eu sentia o carinho dos organizadores.  Na saída, caminho de casa, lá pela meia noite, fui parado numa blitz. Mostrei os documentos e fui liberado, não era daquelas com bafômetro. Filho, se beber não dirija. Eu fiz besteira, deveria ter chamado um Uber. Será que quando ler essa carta terá Uber ainda?

Mas, que foi sorte foi!!!!  Ou os anjos.  

Tenho a firme convicção de que anjos existem. E que o meu anjo da guarda é hiperativo. Pois, ando vendo a graça de sua proteção e ternura comigo em todo lugar.

Voltando ao dia de nossas mãos, botei a bicicleta no carro e parti. Eu queria sair de bicicleta.

Exatamente às 13h30min, abracei a Paulinha e a Dona Estela, nossas terceirizadas mais queridas, e fui para o térreo do prédio, com os amigos Paulo Roberto e Flavia Minucci.


Parceiros de tantas lutas, de tanta amizade. Eles iam operar as câmeras, para registrar o meu momento. Sim filho, a vida pede instantes mágicos. Faça os teus. Não se importe com o que vão pensar, é a tua vida. 
Saí pedalando e na calçada, tirei a “farda.”  Eu tinha ido com uma roupa debaixo, então a coisa não foi tão indecente. Lancei o paletó ao alto, depois a calça, que caiu em cima da laje da guarita. Rsrs
Depois arrumei novamente a bicicleta, despedi-me dos vigilantes e recepcionistas, dei um abraço apertado nos amigos: Paulo, Gustavo e Flávia. E segui caminho.
Entrando pela L2 choveu um pouco, novamente choveu. No dia em que dei baixa antecipada na carteira profissional, ao de lá sair e ver que ela foi assinada para baixa em 28/12/2016 por Domingues Quintiliano, também choveu. Brasília tem estado muito quente, e essa chuvas arejam a alma.
Chegando na portaria de nosso condomínio, o vigilante informou que havia duas encomendas deixadas pelos Correios. 
Numa delas, a Carmem também Quintiliano (note as coincidências angelicais) tinha enviado um presente para teu pai, em retribuição aos meus livros que recebera.
Ela andava ansiosa, já tinha feito o despacho a muitos dias e estava muito atrasada a entrega. Coisas do período natalino. 
Abri a caixa com sofreguidão. Você estava brincando na casa do Gustavo, Rafael e a Manu.
Foram meus primeiros presentes como aposentado, e fiz um UAUUU!!!
Era um avental personalizado, para mim e você.
No meu: “Chef Ricardim”.
No teu: “JG, ajudante do Chef Ricardim” 

As pessoas que sem querer ajudamos, a própria vida se encarrega de devolver em dobro, surpreendendo-nos num momento tão significativo.
Comecei bem, de avental e gosto de cozinhar, de receber, de congregar pessoas em volta de comida, muita comida e das nordestinas, com sustança.
No fundo do pacote uma caixinha. Abri e me emocionei, era um terço.   Seu pai é católico, sua mãe é evangélica, e nos damos bem. Nunca brigamos por Jesus.
Aquele terço foi um convite para que na vida de aposentado eu não me afaste das coisas de Deus. Fiquei um tempão com ele nas mãos.
Aí lembrei do outro pacote. Quando abri não acreditei no que via.  Era uma nova câmera fotográfica que comprei no Mercado Livre, uma Sony A6000, cuja entrega era esperada para até 6/1/2017. 
Fui pego com mais uma surpresa.  Agora tenho uma radiola, dois aventais, o meu e o teu, um terço e uma máquina fotográfica. Acho que será um excelente começo do segundo tempo.  Penso comigo, há anjos por aqui!!!



Então lembro que os pedreiros estão tocando uma pequena obra, lá no quintal, um muro de arrimo. Vou lá, e o Mineiro me diz: “Já que o senhor está em casa, vai faltar dois sacos de cimento e uns 10 tijolos, pode ir buscar?”.
Não deu nem tempo abrir o vinho, e já tinha freguês se escalando no meu tempo livre, para os famosos “Já Que....”
rsrs  Contudo, saí feliz, com a missão de achar os tijolos e cimentos e trazê-los a tempo de a obra não parar. Eu estava receoso em dirigir, dado o turbilhão de emoções, mas fui devagarinho. Pensei, ter algo para fazer é bom, mesmo que seja ir comprar cimento. 
Há anjos nesse lugar, não sem razão o nome da rua de nosso Cond. É Caminho da Esperança, e o mesmo está localizado na Avenida do Sol.
Luz e esperança, é ou não é coisa dos anjos?
Pelas 20hrs os vizinhos da esquerda, Catarina e Pergentino, me chamam para me darem um presente. É um vinho daqueles que eu tomava, quando vivia no vermelho, no início de minha vida profissional, na qual tudo era tão difícil e de um futuro temeroso. Peguei aquela garrafa de Cidra Cereser com carinho, amanhã comprarei o Uísque Druyrs para tomar junto com ela, na sexta à noite. Meu amigo Catão e Iza chegam da Paraíba, para visitarem sua filhota, a vizinha Catarina.
Daremos boas risadas lembrando de nossos tempos de muita pindaíba, no início de nossa carreira na qual conviemos por uns 12 anos.

Volto pra casa e o vizinho da frente, o Djalma, oferece uns sacos de areia e brita, que sobraram da obra dele. 
Fico lisonjeado com a generosidade e aceito de pronto, “vai que...”.
Agora você dorme feliz. Sua mãe foi dormir mais cedo, amanhã ela trabalha. Alguém tem que trabalhar nessa casa.
E nós fomos ver o filme Meu Amigo, o Dragão e você gostou muito. 
Para não se esquecer de lembrar, escrevo-lhe nessa noite o que aprendi nesses dias de dezembro, dias e intensas emoções em meu viver: a vida nos devolve o que sem esperar nada em troca a ela ofertamos.
Então, filho meu, construa sua carreira profissional pautando-a na ética, na cooperação com os outros, na amistosidade e bons relacionamentos interpessoais.
Até os mais simples, os invisíveis corporativos, são dignos de teu respeito e consideração. Não pise em ninguém.
Não faça inimigos no trabalho, eles não esqueceram de ti. Diferentemente de alguns amigos. Desvie, drible, se contorça, mas só entre em brigas boas, escolhendo-as a dedo.
Nunca procurei trabalho bom. Se era uma caixa que precisava ser movida, eu movia. Se era uma pilha de documentos que precisava ser conferida, eu conferia. E, em tudo que fazia achava graça e sentido. Sabia que estaria ajudando em algo, ou a alguém. 
Se você não der valor ao que faz, não espere que alguém lhe dê.
Fiz coisas que não faria novamente, muitas. Por exemplo, escrever para alguém quando se está nervoso. 
Ou retrucar de pronto, uma afronta mais contundente, só ampliando o problema.
Mas, você terá que encontrar seu próprio caminho. O mundo do trabalho está ficando insalubre, emocionalmente falando. 
Daqui a uns anos a CIPA vai pedir o uso de EPE, no lugar dos famosos EPI, o EPE seria: Equipamento de Proteção Emocional.
Vou te dar, nessa noite, os meus equipamentos. A oração é um deles. Não se levar tão a sério é outro. Não se culpar ou se punir quando não consegue fazer algo dentro da margem perfeição. Acreditar que amanhã será melhor do que hoje. E que isso, isso, isso, isso que você sentirá e que lhe dará uma gastura nas tripas dos sentimentos, também passará. Proteja-se da insalubridade emocional das corporações do trabalho criando seus infinitos particulares para nele habitar. E, escolhendo bem teus amigos e tuas referências de líderes. Eles serão fundamentais para que os malas, sádicos, tiranos e paranoicos soltos pelos CNPJs não murchem tua graça de viver. 
E, não esqueça de teu anjo da guarda. 
Na vida não tem almoço grátis. Embora eu saiba aonde amanhã posso almoçar de graça. Lá no veiiin.
Mesmo não tendo almoço grátis, cuidado com a ambição de querer chegar logo na janelinha, sem ter que fazer esforço, só porque acha que merece. Merece coisa nenhuma.
Tem gente que está ficando deprimida porque o foco era ser promovido. Depois que foi, perdeu o Norte e o brilho. 
O foco nunca pode ser esse, isso é efeito colateral, consequência. 
Mas, tem que ralar, se preparar, ter disciplina. E, muitas das vezes, ainda assim não será suficiente. Simplesmente outros aspectos foram considerados na promoção, e você ficou de fora. 
Saia mais forte e produtivo do que chegou no processo seletivo, ou eles estarão certos.
Você passará por severas mudanças na vida, coisas que sairão do lugar, de um dia para o outro, e te pegará desprevenido. Não deprima perante elas. No lugar da depressão, acione a tecla da coragem. A coragem dos sobreviventes, que nos torna mais fortes e melhores. Entende?
Adapte seu estilo de vida à sua renda. Não se envergonhe de ser pobre. Prepare-se para quando a oportunidade passar à galope, pular nela e segurar-se bem firme. 
Só se lembre de que a cada escolha, um monte de renúncias, e faz parte.  Sem as renúncias, tudo é ilusão de que será fácil. Vidas editadas, sem sentido, que só funcionarão no power-point.   
Poderá ter que renunciar às paradas da moda. Ou aos templos do consumo. Tudo besteira. Bom mesmo é poder tomar banho pelado, em algum lugar bem escondido do lago Paranoá. Isso sim, não tem preço, não se compra e não se renuncia. A isso chamo viver!

Ops, tive uma ideia para amanhã! 

Bora?

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