É preciso estar presente, para saborear o presente de viver.(Autor Ricardo de Faria Barros)

Há vinte anos que moro em Brasília e nunca tinha habitado nos imóveis projetados por Lúcio Costa, no que chamamos por aqui de Plano Piloto, com suas duas Asas que mais se parecem com um avião: a Sul e a Norte. Recentemente, mudei-me para a quadra 205, na Asa Sul, e minha primeira sensação -  ao adentrar no corredor daquele prédio de 6 andares, em direção ao meu apartamento, foi de assombro.

Mas, para se assombrar precisamos estar presentes ao momento. 

Passei por muita coisa em minha vida sem prestar atenção direito a elas.  Ansioso demais, correndo demais, preocupado demais, sem estar inteiro e completo ao momento que vivia.

E, nossas lembranças pedem presença. Sem a presença, como sentiremos a ausência delas, tempos depois, no que nós brasileiros chamamos de saudades?

Pois bem, naquela segunda feira, 17hrs, eu estava presente ao caminhar naquele corredor. Éramos só eu e a corretora, caminhando por um vão de uns 30 metros, num silêncio quase de templo sagrado. 

A parede direita do corredor era completamente fechada por uma bloquinhos de concreto vazado, que deixavam passar luz e uma gostosa brisa, compondo com seus enlaces uma estrutura surreal, que transmite uma paz muito intensa. Olhando para baixo, por entre os cubos vazados, vemos tudo lá fora, mas quem tá de fora não consegue distinguir o que se passa lá por dentro, dando um tom intimista e bem aconchegante.

O nome dessa obra de arquitetura é Cobogó, e trata-se de um acrônimo, com as iniciais dos  sobrenomes de três pernambucanos, que trabalhavam com construção civil, o Coimbra, o Boekmann e o is. 

Trata-se de uma invenção genial pra fechamento de paredes, essencialmente brasileira e premiada no munto todo, pela sua funcionalidade de fechar espaços, sem fechá-los, permitindo que o interior, pelos cobogós protegidos, fique numa temperatura amena, com boa luminosidade e seguro.

Sábado levei meu quarto filho, o João Gabriel de 8 anos, para conhecer o cafofo do pai.

Ele entrou no corredor em prestar atenção. Eu pedi que parássemos. E o ensinei que ele estava adentrando numa área premiada da arquitetura nacional, e falei sobre o cobogós. 

Até o passo dele mudou. Agora ele passava a mão na parede, olhava por entre seus furos, se apoderava daquilo que estava vivendo, da experiência de transitar por uma parede fechada de cobogós.

Quantas coisas em nossa vida as vivemos sem maiores deslumbramentos, ou encantamentos, até que alguém nos toca com o amor, com a amizade, e nos ensina o que de fato são, qual sua importância, e é como se abrissem novos olhos sobre a mesma. E, nunca mais seremos os mesmos. 

Eu sabia do cobogó pela Denise, minha cliente de coaching, que numa das sessões me deu uma aula sobre aquela peça estrutural. Mas, nunca tinha vivido a experiência de caminhar por eles. Eu sabia no plano teórico. Agora, eu vivia o saber, tornando para mim um acontecimento.

Tenho por hábito fotografar flores, mas qual a sensação de fotografar um flor que vi num país distante, tão bela, na mão de uma pessoa amada, ao caminhar de volta para meu apartamento?  

É a sensação de se viver uma experiência, que só foi possível por eu ter prestado atenção àquela flor estranha, e incrivelmente bela, tempos atrás. 

A vida pede atenção. Pede que estejamos presentes ao momento, desligando os vários hds cerebrais que ficam processando em paralelo, enquanto estamos vivendo algo. 

Mus filhos diziam uma coisa que agora não mais me orgulho dela. Sempre que levavam amigos lá em casa, e eu ficva pilotando os comes e bebes, algum dos amigos mais educados dizia: "Seu Ricardo, sente um pouco conosco, nós agora assumiremos a churrasqueira e as bebidas". 

Aí meus filhos diziam assim: "Papai não para, não senta, está sempre fazendo algo!"

Eles não diziam em tom de crítica. Mas, hoje vejo que muto de minha amnésia de focar lembranças era por não ter parado para degustar com calma a experiência que vivia. Sempre agitado, fazendo duas, três coisas ao mesmo tempo, sem ansioso de não dar tempo, acabei por perder tempos memoráveis, por não ter me permitido, para os temas secundários que vivia.
É até bíblico. Conta uma cena, nos evangelhos, que Jesus foi visitar duas irmãs: Marta e Maria. 
Uma delas, após Jesus entrar no seu lar, ficou lá dentro se arrumando, limpando a casa, botando lenha no fogão e mexendo as panelas, vindo de vez em quando falar com Jesus. A outra, Maria, parou tudo que estava fazendo, e ficou dando atenção pra Ele. Apreciado aquele momento, que convenhamos, não era todo dia que acontecia de Jesus entrar numa casa, durante suas peregrinações.  
O próprio Jesus, ao dirigir-se à irmã ansiosa, nos dá uma excelente reflexão: "MartaMarta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada..."

Nesse modo ansioso ligado, perdemos a capacidade de contemplar os cobogós, as flores que falam em sinais, o encontro com amigos, ou aquele pôr do sol que passa despercebido, ao retornarmos do trabalho. Sem falar naquele luar do sertão que se abre por inteiro,  numa noite de primavera, e que também não temos "tempo" para encostar no acostamento de nossa vida e contemplá-lo.

Precisamos aprender a estarmos presentes novamente, naquilo que de importante estamos vivendo, desligando momentaneamente outras janelas de processamento neurais.

Se vamos visitar um casal que teve um bebê, e se só tivermos 15 minutos para cumprir aquele compromisso, ainda assim os 15 minutos precisam ser focados naquilo. Não é a quantidade do tempo, mas a intensidade do mergulho nele, o que determinará as fronteiras de nossas lembranças.

Nunca esqueci uma pesquisa com adolescentes cujos pais trabalhavam muito, e que não tinham muito tempo com eles, ao retornarem de suas externuantes jornadas, antes deles irem dormir. 

Os jovens que disseram que seus pais passavam mais tempo com eles não havia nenhuma relação com a contagem do tempo. Assim como os que percebiam os pais mais ausentes também.

Tinha pais que passavam duas horas líquidas no lar, com os filhos, à noite, e os filhos os percebiam como ausentes. 

Tinha pais que passavam apenas 30 minutos, chegando em casa após o terceiro turno, pegando os filhos já tomados banhos e de pijama.  E ao perguntarem sobre a percepção de tempo que os pais passavam com eles, estes jovenzinhos diziam ser suficiente, sem bom, ser muito tempo.

É que naqueles 30 minutos os pais eram 100% presentes aos filhos. Contavam histórias de seus trabalhos, ouviam a dos filhos, penteavam os cabelos deles, e tinham rotinas sacramentais de cuidado para com eles, antes deles irem dormir, como um beijo na testa, ou uma música que cantavam. 

Percebem que o tempo pede a educação de sua presença? O tempo é com um alimento que se evapora em nossas mãos, e que só fica nelas caso o degustemos com sabor. O tempo pede o sabor das coisas, pessoas e realidade.  Pede, para ser bem vivido, foco no que se faz, contemplação, vazios, desligamentos de ansiedades e preocupações que tiram o presente do presente. 

Corta a cena e escuto crianças brincando no corredor dos cobogós. Logo enturmo o João Gabriel com elas e aquilo lá vira uma festa. Eles brincam de polícia e ladrão. JG é a polícia. O Davi, o Artur, O Lucas e A Maria são os ladrões.

Mas, JG não contava com uma estratégia dos "ladroes, para dele fugirem. Eles escalaram os cobogós. Aposto que os criadores dos cobogós também. E a pequena Maria correu do JG também em direção á escalada dos mesmos.

Como percebi esta cena mágica? Estando presente ao meu filho, degustando os abor de vê-lo brincar com os novos amigos. 

Estar presente é o cobogó de nossas emoções. Nos mantém arejados, protegidos do sol e seguros, para nos envolver plenamente com o que vivemos.

Nos mantém confortáveis diante do outro para acolher sua grandeza, sua história de vida, seu momento único que generosamente nos doa. 

Paredes não são cobogós. Elas fecham espaços. Paredes não permitem os fluxos.  Não sem razão a moda agora é abrir os vãos e dividir os espaços com as coisas, resgatando inclusive a cozinha para a área social. Tudo vira social. 

Precisamos quebrar nossas paredes emocionais, substituindo-as por cobogós. Que nos darão um certa privacidade e individualidade, sem nos fechar para o outro, em nosso egoíco mundo.

Precisamos vazar as paredes de nossos comportamentos, para que o outro seja a ele permeável. Isto se faz com mais tolerância, ética da convivência e respeito às diferenças.

Precisamos arejar nossos pensamentos, tirando dele a toxidade do pessimismo e negativismos, preguiçosos em si mesmo, na sua força transformacional. 

Precisamos acumular capital tempo, com investimento no estar presente em tudo que vivemos, sendo inteiros e completos naquilo que o momento a vida pede nossa atenção, ousando parar processamentos em paralelo que só contribuirão para que os bons momentos vivido caia nos porões da indiferença.  

Sejamos cobogós para nós mesmos, para o outro e para a realidade: arejados, permeáveis, sem pegar pressão por tudo de pequenos que a rotina do dia a dia nos apresenta, e abertos a outras prumadas do olhar.  A ansiedade é o vilão do capital tempo de qualidade. Ela é como a maresia no ferro, ninguém a vê, mas seu efeito causa dano tremendo às fundações das estruturas.  A ansiedade é a maresia de uma vida plena de sentido e de qualidade. 
E é preciso muita coragem para parar processamentos em paralelo que consomem energia emocional e que tiram capacidade de apreciar o que ocorre no presente. É preciso muita coragem para erguer os tijolos da felicidade possível, pois necessariamente passarão por uma mudança no estilo de vida. E isso não é fácil.
Mas, espero que este texto possa chegar em alguma pessoa tipo a Marta, dos Evangelhos, ou tipo eu, de tempos atrás, com meu jeitão elétrico de ser,  e alertá-lo(a ) a tempo de curtir coisas legais, estando mais presentes a elas.

2 comentários:

  1. Texto lindo, o olhar da beleza e apreciação em coisas que sequer notamos. No mundo só enxergamos muros e paredes e ficamos cegos para a contemplação do belo que desabrocha todo instante diante de nós.

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  2. Obrigado pelo carinho do reconhecimento ao texto.

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