Um lugar chamado Casarão do Jabre

"Por onde devo começar a contar uma história?"  É a primeira frase da música Love Story.

E é assim que me sinto, ao acordar com o coração encharcado de amor, e exalando saudades, após uma breve temporada com meus pais, na Paraíba.
Esta viagem, ficamos pensando nela, após uma outra que fizemos, na ocasião de meus 53 anos em outubro.
Voltávamos do Sertão do Rio Grande do Norte, terra de minha mãe, e ao adentrar na Paraíba avistamos, ao longe, as antenas sobre o Pico do Jabre, vistas das imediações de Patos-PB.
Mamãe queria ir lá.
Contudo, o calor era inclemente, e estávamos exaustos, ao fazer um bate e volta por Caicó e Serra Negra-RN, saindo de Campina Grande-PB.
Então, papai e eu, dissemos em coro que voltaríamos ali, para levá-la para conhecer o Pico do Jabre, e na volta daríamos uma passadinha por Patos-PB.
Sabiamente, ela deu de ombros e acatou nossa decisão.
Dias desses me peguei planejando essa odisseia em direção ao Pico do Jabre.
Acessei sites de viagens, e descobri um hotel que ficava bem próximo dele: "O Casarão do Jabre".
Fiz as reservas e passamos a planejar o melhor roteiro de acesso até ele, saindo de minha cidade natal, o que dista uns 200 KM, sertão adentro.
Saímos de Campina umas 8 da manhã, já com minha tia Lurdinha (84) que se agregou ao grupo.
Ao descer a Serra da Borborema, e ingressar no Sertão, notamos que algo estava diferente de seis meses atrás.
Estava tudo verdinho. Aqui e acolá cruzamos com pequenos açudes de beira-de-estrada todos com água, de chuvas recém-caídas.
Abrimos os vidros do carro para sorver o perfume da Caatinga, quando floresce, após as chuvas.
Em dez anos de seca inclemente, talvez muitas daquelas flores só agora estivessem sendo paridas pela mãe natureza.
Aprumamos o carro em direção à Taperoá, e logo em seguida Matureia, cidadezinha de 6.000 habitantes que fica na base da maior montanha da Paraíba, o "Pico do Jabre".  Jabre significa abismo.
No caminho, paramos para comprar umbu, daqueles docinhos de uma boa safra, e a festa foi completa.
Mas, o encantamento era olhar o verde. Engraçado que quem sempre o vê não percebe mais a sua beleza. Só olhares cinza, marrom e da cor de terra vermelha podem realmente apreciar o verde das matas e o azul das águas.  Vez por outra é preciso desassossegar o olhar, desacostumando-o às rotinas das coisas sempre vistas
Para ele voltar a perceber como elas ainda são belas, e estão ali pertinho, encobertas pela névoa da indiferença, que sobre elas precisa se dissipar, para novamente lhes valorizar.
O verde no Sertão que contemplávamos, em silêncio reverencioso, fazia parte desse momento em que só damos valor a algo quando temos a consciência que nem sempre o teremos por perto novamente.
E nós apreciávamos.
Passavam por nós revoadas de pássaros, voltando de onde um dia migraram. Algumas garças e patos selvagens davam o ar da graça, tornando mais expressiva ainda as composições da água, verde, rochas, cactos, e agora eles, vidas que ali teimavam em voltar.
Já era por volta da 11hrs quando ao longe vislumbramos uma cena idílica. O estonteante Pico, e o Casarão do Jabre, tendo à sua frente um enorme barreiro (açude) de águas virgens, das primeiras chuvaradas em tanto tempo.
Adentramos no estacionamento do Hotel Casarão do Jabre, e uma gostinho de casa de avôs nos encantou. Lá fora, esperando-nos na calçada, estava Dalvanete Dantas, proprietária do hotel, museu, recanto cultural, restaurante e imensa coleção de plantas que cultiva, com suculentas de todos os tipos e belezuras.

Ela foi logo nos abraçando, nordestinos gostam de abraçar, e dizendo:

"Me chamem de Dalvinha".

Entrando no recinto, um som baixinho de violão tocava Cinema Paradiso. Pensei, não é sorte, é graça! Amo essa música.

Mamãe enlouquecia com o mói e ruma (muitas/quantidade) de plantas que via.

E foi logo dizendo, têm mudinhas pra nós.
Dalvinha sorriu e disse: não se preocupem, todas sairão daqui com mudinhas de plantas.
Eis que chega o Eduardo, o excelente Chef do pedaço, trazendo caipirinhas e uns petiscos de bode,  que as citei numa das trocas de email que fiz com o local, mas que jamais pensei que eles se lembrariam. Afinal de contas eu disse tirando onda, numa das trocas de email, quando ela perguntou-me: " O que posso fazer para recebê-los bem, de que necessitam? Falei que era só nos esperar com caipirinha, bode e mudas de plantas para mamãe, e estria tudo certo. rsrs.

E, ela lembrou de tudinho, num email de mais de 15 dias atrás da data de chegada.

Entrei na sala de estar do Casarão, um enorme saguão onde funciona o Restaurante, com um uma palco estilizado nos fundos, usado em shows e manifestações culturais de artistas da região que incentiva suas apresentações, como repentistas, emboladores de coco, sanfoneiros dos bons e tudo que exale poesia popular.

Papai foi visitar as salas de museu das coisas do nordeste e suspirava de emoção. Encontrou-se com vários objetos dos tempos de sua infância, e com gosto ia me explicando o sentido de cada um deles, sempre começando com a charada: "Sabe pra que é isso?". eu não sabia, e ele se regozijava me ensinando qual o valor e uso daquele objeto, em tempos tão difíceis para o sertanejo, no século 20.

Mamãe e tia Lurdinha, que a esse momento já tinha provado de minha caipirinha e gostado, percorriam os enormes jardins, um verdadeiro horto, com todo tupo de planta ornamental que venha a imaginar.

Ouviam-se os suspiros de exclamação delas.

Belisquei-me para acordar, afinal de contas aquilo ali só podia ser um sonho.

Boa musica, um açude na frente, um morro ao lado, um pé de umbu carregado nos fundos, museu, palco, jardim, e a doçura de Dalvinha, a atenção de Eduardo, o jeito de querer nos agradar de Denise e Raimundo, os camareiros do hotel,  não podia ser realidade.

Então, passado as visitas percebemos que estávamos brocados de fome, e almoçamos como reis, já com a presença da Dalvinha em nosso grupo.

Era galinha caipira, arroz de festa, bode guizado, farofa de pra que isso, suco de umbu, caju e laranja, e uns doces amostrados de tudo que é bom.

Adotamos a Dalvinha, ou ela nos adotou, desde aquele almoço.  Foi amor á primeira vista.
Dalvinha é um poço de generosidade, sabedoria, doçura, atenção, gentileza e respeito a todos. Temos muitas outras cenas com ela, por exemplo de quando ela nos chamou para conhecer a fazenda de sua mãe, ou a Pedra do Tendó.
Ou de quando via lugares bonitos que estavam fechados, e dizia: "Vou falar com fulana(o) que ela (e) abre pra nós". Uauu!!!

Além disso, é uma ativista ambiental e divulgadora cultural. Ou seja, tudo de bom!

Agora éramos cinco, em nosso time. Jogando no ataque, com seus 84 anos estava minha tia Lurdinha.
No meio de campo, trocando uns passes, meu pai Evandy e mãe Denise, com seus 80 e 79 anos. Na defesa, Dalvinha com seus 71 anos. e no gol, eu tava ali a postos, com meus 53 anos.

Fomos conhecer o chalé das meninas, e o nosso, que ficava ao lado. Um chalé encantador, com redinha na varanda, e bem amplo, acomodou minha tia e mãe como rainhas, o que elas são.

Guardamos as malas, e meu povo foi descansar um pouco.

Eu fui tomar banho de barreiro. Uma experiência única. Encontrei logo, numa de suas margens, um melhor acesso e por ali adentrei naquelas santas águas. Delícia.
Não era água de poço, mina, fonte ou rio. Eram águas captadas somente da chuva.

Olhei no relógio, eram 15hrs, ainda tinha uma hora de banho, até subirmos ao Pico, uma vez que o sol no nordeste se põe as 17hrs.

Mirei o olhar para a margem, pois algo nela se mexia esvoaçadamente. Eram borboletas pretas, castanhas, brancas e laranjas. um mote delas. Elas fizeram daquela margem um ninhal.
Aproximei-me com calma, e fiquei um tempão contemplando-as, de dentro da água.
Apurei o ouvido em direção a uns grasnados, e vi um casal de pequenos patos silvestres nadando no barreiro. De onde eles vieram?  Não sei. Só sei que eles estavam muito felizes. Pelos grasnados percebi que estavam namorando. E, ali formariam uma família, esperançando a vida até onde a água existisse.

Voltei para o Casarão, caminhando uns cem metros, no máximo, e fui logo chamar o grupo para subirmos o Pico, pela estradinha de paralelipípedos mantida pelas operadoras de TV e celular que possuem antenas no seu alto.
Dalvinha garantiu que o carro subia.
E partimos nos cinco todos animados, tal qual crianças em parque de direção.
Botei uma primeira na base do Pico, na cota 0, e subimos 1.200 metros, numa estrada de perder o fôlego. De medo, e de tanta beleza que vimos.
Daquelas que só passar um carro, e se outro vier descendo, alguém terá que botar ré. O que tornava mais emocionante ainda a subida.

Dalvinha tranquilizava-nos: "Não desce carro nessa época, dia de semana e com pouco movimento".

Mamãe rezava uma Ave Maria sobre a outra. Após uns 800 metros de subida, o motor não aguentou. Parei o carro. Botei no freio de mão .Pedi que os mais novos descessem, para diminuir o peso do carro, e eu tentar vencer uma curva íngreme, esperando-os à frente.
Funcionou.
Após uns 10 minutos, para percorrer uns 20 metros andando e morro acima, Dalvinha, mamãe e papai chegam até nós, vindos com os bofes de fora.  Sorrimos muito, e demos partida no carro. E ele conseguiu vencer os 400 metros que faltavam.

Chegamos ao alto do Pico, do qual se avistam terras de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Mas, se forçar bem a vista, a depender do número de caipirinhas que se tomou no Casarão, dá pra ver  Ceará e a Átrica.

O sol foi dando seu show. As meninas contemplavam o horizonte sentadas. Papai explorava as redondezas. E eu fotografava tudo, enlouquecido com tamanha beleza.
Dalvinha deixou mamãe e tua Lurdinha em lugar seguro, e me levou para conhecer 4 quadrantes de rara beleza que só guias experientes conhecem e sabem como neles chegar. Em cada um deles, não tinha como não se emocionar com tanta beleza.

Para onde eu mirava a vista era algo que surpreendia: flores que só dão naquele alto, bromélias raras, pássaros e seus cantos,  orquídeas, rochas sinuosas e um vento fresco e revitalizador soprava minhas faces, e arejava minha vida com o perfume do sertão. Aquele que deixa tudo com um gosto de quero mais.

Voltamos para o hotel extasiados, e em respeitoso silêncio.  À noite, após um delicioso jantar, daqueles que o Eduardo prepara no fogão à lenha,  proseamos mais um pouquinho e voltamos para os chalés.
O Casarão fecha as portas 21hrs. Dalvinha, e os funcionários vão para suas residências, nas imediações.

Agora, éramos nós os proprietários do pedaço. Tudo escuro, e uma paz tremenda invadia o local, sem sem presença urbana, ou seus sons, que mutias vezes agridem o ambiente.
Dava pra se ouvir o som das rochas, negociando sua presença com os ventos.
Dava para ver o lampejo verde, dos vagalumes, a iluminar noites de breu.
Os sapos, grilos e assemelhados formavam uma orquestra, com sons em profusão vindo do barreiro.
Deitados na rede, em silêncio orante, contemplávamos as estrelas, em noite sem nuvens.
Os mais velhos foram dormir.
Fiquei redeando na varanda, até umas 2 da manhã, quando notei que é nessa hora que a natureza dorme também.
Dorme o grilo, a rã, o pato, o galo e o cachorro que longe falavam.
Dormem as pedras, dormem as plantas. Dorme até o vento.
E, é quando todos os sons se calam que podemos finalmente ouvir o som de nosso coração.
Aquele que diz, como seria bom se pessoas que amamos pudessem viver o que estou vivendo!
Pelas seis da manhã, acordo com cheiro de lenha crepitando. E um novo dia está pronto para acontecer, com todo o seu esplendor novamente.


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