Manual de Sobrevivência de um Zangão Descasado (Autor Ricardo de Faria Barros)

Aprendi a ligar uma máquina de lavar. E a sacar como funciona o liquidificador e a máquina de fazer café, ou de grelhar carne, sem óleo. 
E que nunca deve colocar pano de chão junto com as outras roupas.
Nem roupas com cores berrantes, junto com as de cores tímidas.
E que elas não secam sozinhas, precisam ser colocadas num varal.
E que as camisas sociais, se colocadas num cabide, ficam melhor para serem passadas.
Nem se deve levar comida para a cama.
Aprendi que a geladeira não tem um sistema de reabastecimento próprio.
E que não adianta o que compre, ou guarde nela, algo sempre vai sobrar, azedar, ou perder o prazo.
E que cabe a você fazer esta classificação. Eles não sairão sozinhos da geladeira, mesmo sendo um aniversário que ali completam.
E que as forminhas de gelo não se enchem sozinhas, após serem servidas em sucos e uísques.
E que existe uma técnica de propagar a vida das comidas que é botar as bichinhas para morarem no freezer
Aprendi que as plantas não se molham sozinhas.
Que precisam que delas se retirem as folhas secas e flores.
E que gostam de sol e vento, nem sempre na mesma ordem.
Mas, que gostam também de sombra e calmaria, e que cada um tem um temperamento.
E que não adianta comprar aquela flor linda, aquela touceira maravilhosa de flores, elas vão murchar, e não vão ficar como na loja do floristas, e não adianta se culpar.
Aprendi que a casa não é auto-limpante.
Todo dia tem pó caindo em cima de tudo, mesmo que não veja, mesmo que feche tudo, ainda assim o desgraçado estará ali, infernizando tua vida.
E que as frigideiras, após uma boa fritada, precisam ser colocadas em água fervente, para melhor serem lavadas.
E que as roupas não voltam sozinhas para as gavetas, nem tampouco os livros, e todo tipo de tranqueira que se manuseie.
E que antes de se despedir dos amigos, que vieram te visitar, um mutirão de limpeza cai bem.
E que as janelas precisam ser fechadas, em caso de chuva, e que precisam ser abertas, em caso de sol.
E que o ralo da pia não é como um saco sem fundo que cabe tudo que ali se jogue
E que os pratos, da comida que se come, amanhã estarão sujos ainda, mesmo que use a técnica de enche-los com água, com preguiça de lavá-lo no mesmo dia. E, infelizmente, se acumulam.
Aprendi que não terá ninguém dizendo que já é hora de ir dormir.
Ou de parar de beber. Ou de me agasalhar, pois fará frio.
Nem haverá passos no quarto te acordando, ou o som do chuveiro denunciando que alguém já tá desperto.
E que não adianta, sou eu quem precisa se lembrar de tomar os remédios.
E que é de bom tom limpar os restos de coisas que ficam nas beiradas do vaso, enquanto frescos. eca.
E que as luzes não desligam sozinhas, e que por melhor que seja a diarista, muita coisa precisará ser feita nos intervalos de sua visita.
Mas, sobretudo, aprendi a me amar e a cuidar de mim.
A ouvir os sons do infinito, tocando nas cordas de meu coração.
A desafiar a natureza das coisas reinventando-se um pouco, a cada dia, e para melhor.
Aprendi o valor de acordar com um "bom dia, lindo dia".
De um cafezinho e prosa com o amigo zelador.
Aprendi o sentido de contemplar o entardecer, com seu pôr do sol em tons avermelhados.
E que as pessoas estão ali pertinho, a um clique, e que não existe a menor condição de ser solitário, mesmo estando sozinho. E que isso também pode ser muito bom.
Aprendi que não precisaria estar descasado para já ter aprendido tudo acima, e que era só ter participado mais da vida do lar, assumindo outras tarefas, diminuindo a influência do machismo que existia em mim.


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