Filho JG e Priscila, dentro da onda o genro, Hugo. |
Reunidos, estávamos eu, três dos meus quatro filhos, minha nora e genro, além de amigos comuns.
Eu me divertia ouvindo-lhes nas suas mais diversas histórias, de um tal de Boruto à Jojô.
Boruto era a ficha na conversa do JG, com seus 8 anos, um personagem de série infantis, filho do Naruto. rsrs
Já os filhos mais velhos conversavam sobre o carnaval no Parque da Cidade, em Brasília, seus trabalhos e projetos de vida para 2018.
E eu me esforçava para acompanhar a conversa, mesmo desligando-me eventualmente para pilotar a churrasqueira ou tirar as fotos daquela confraternização.
Tinha hora que eu fechava os ouvidos e me deliciava com o burburinho de vozes, que mais pareciam um bando de araras ou periquitos grasnentos, todos rindo e falando na mesma.
E uma sensação boa foi invadindo meu coração. Têm pessoas que tem o dom de nos reinicializar, e meus filhos são dessas pessoas.
Como é bom reinicializar, para poder de fato interessar-se pelo mundo deles, estar e se fazer presente.
Sem interesse não há conexão. E sem conexão, não há uma linguagem afetiva comum.
Aí, o monstro do distanciamento, ou o do estranhamento, ou até o da indiferença ao outro começa a crescer dentro de nós.
Enquanto digitava essa linhas em minha cabeça, como meu processo de escrever começa, minha filha soltou um:
"Papai, agora quem está bombando é a MC Loma e as Gêmeas Lacração".
Parei tudo e exercitei o três níveis da amorização humana: interesses compartilhados, que geram conexões possíveis, que suscitam diálogos respeitosos, e que sinergicamente produzem companheirismo e cumplicidade entre pessoas.
- Filha, quem é?
Aí, Priscila(30) veio me contar que são jovens cantoras de Recife que gravaram um vídeo demo com a canção Envolvimento, e que ele bombou no youtube. E que já cantaram até com Anita.
Soube que elas nunca tinham comido um Mac-Donalds, viajado de avião, ou feito outras coisas que o padrão social em que vivem não permite.
Gostei do nome da canção: Envolvimento. No fundo, é isso que queremos para nós mesmos, não é?
Que as pessoas se envolvam conosco. Que ninguém nos corte ao contar uma história. E, ainda melhor, que demostre interesse pela mesma.
Nesses tempos de tantas coisas fast-food, parece que até os relacionamentos perdem capital de envolvimento.
Envolver-se seria o efeito colateral do interesse, da conexão e do diálogo entre seres
Não nos envolvemos com o outro sem a empatia. É impossível. E não falo em pseudo-interesses, almejando algo em troca. Falo no interesse gratuito, de se permitir que o outro ocupe um dos cômodos de nosso viver, acolhendo-o em suas narrativas e histórias de vida. Por mais estranhas que pareçam ao nosso mundo, como Loma e Boruto pareceram ao meu.
Engraçado que o que falo para vocês e para mim, trazendo meus filhos, uma palestrante do Ted Talks, a Celeste Headlee coloca em alto e bom tom, ao versar sobre as dez regras para conversar melhor.
E, todas elas podem se resumir em: se interesse pelo assunto, se conecte ao outro, estabeleça uma linguagem afetiva acolhedora da narrativa de vida dele (diálogo).
A Celeste é considera uma das maiores âncoras dos EUA e sabe o que fala.
Quando escrevia este texto, pela manhã, a campainha toca e é o Adalfran, meu amigo e porteiro do prédio, que veio me visitar trazendo uma costumeira garrafinha de café. Eu tomo café, ele água geladinha, numa troca de afetos matinal, de enorme valia para mim, e acredito para ele.
Ele me conta que o seu cavalo-pangaré, o Paul, vai se mudar de rancho hoje à noite.
Como era que eu fazia antigamente ao ouvir tal narração dele?
"Paul vai se mudar de rancho hoje à noite".
- Legal. Viu que o tempo abriu?
E agora, como tenho aprendido na escola da vida. Exercitando o interesse, a conexão e o diálogo empático afetivo:
"Paul vai se mudar de rancho hoje à noite".
- Eita, e como ele será transportado?
Num reboque de um amigo meu.
- E custou caro esse frete?
Nada , meu amigo fez de graça.
- E por que o Paul vai se mudar?
Porque o novo sítio tem umas baias melhores e mais pasto e lugar para ele correr.
- E fica mais perto ou mais longe daqui?
Fica mais longe, só verei agora uma vez por semana.
- E tu vai aguentar de saudade?
Se é para o bem dele eu aguento.
- E quando vamos lá ver o Paul?
Pode ser domingo à tardinha?
- Podemos ir sim.
Para se interessar com o outro tem que jogar frescobol com a palavra dele, devolvendo-a redonda, fazendo mais perguntas, para melhor entender o que aquilo que ele nos diz representa e significa para ele.
Experimente em suas próximas conversações, antes de já sair emitindo juízo de valor, ou de engatar uma marcha e desconsiderar o que ouviu, já emendando um outro assunto, interessar-se pelo que ouve.
Perguntando mais um pouco acerca daquilo.
E aí, um milagre acontecerá no próximo encontro. Haverá um link possível, uma conexão autêntica para um bom inicio de conversa.
No meu caso, com o JG: E aí filho, conseguiu a série do Boruto.
Com Priscila, mais alguma novidade da saga da Loma?
Com Adalfran, amanhã cedo, e como foi o transporte do Paul, ele chegou inteiro?
Tem muita gente dando palestra de oratória, e poucas de escutatória. Alguém para nos escutar anda tão raro. Creio que alguns relacionamentos afetivos estão com prazo de validade vencidos, não por falta de sexo, mas sim por falta de interesse, um pelo outro. Por falta de escuta amorosa.
E, só escuta verdadeiramente, que pelo outro se interessa e a ele se conecta de corpo e alma.
Isso vale também para a relação entre gerentes e seus liderados. Quantos líderes não ousam se permitirem a escutar seus liderados, até na linguagem não verbal deles. Sua funcionária volta de uma licença maternidade, ele a cumprimenta, ela fala que está com saudade da cria, e ele emenda: "deixa de besteira, logo você se acostuma, tem muito trabalho te esperando, e aí nem vai se lembrar do bebê." O relato acima não é ficção, infelizmente.
Bolas fora como essa acontecem aos montes, por não nos esforçarmos para entender o mundo do outro, ao por ele se interessar, em qualquer nível e tipo de relação.
Entre professores e seus alunos.
Entre amigos.
Entre entre pais e filhos
Entre colegas de trabalho.
Entre familiares.
E, chego a dizer, até na relação entre os membros de uma determinada agremiação religiosa, pode estar faltando interesse uns pelos outros.
Isso virou uma praga dos tempos ditos modernos: velozes, agressivos e superficiais demais.
Então, a reflexão de hoje nos ensina a nos reconectarmos com as pessoas. E o segredo está no interesse pelo mundo e vida delas. E os melhores interesses são os mais simples, tipo o de saber se a mãe de seu namorado está melhor, ou sugerir algo para ela enriquecer o trajeto turístico que faz com os primos. Interesses cotidianos, simples, bem ali pertinho de todos nós. É só parar para se interessar.
O interesse é a chave para acessar a riqueza e encantamento do mundo do outro em nosso viver.
Tornando-o nosso também, ampliando as fronteiras de nosso ser.
Interessar-se pelo outro é como quem pega uma onda juntos, tal qual como minha filha e o JG. Envolver-se, é ainda mais radical, é como fez o Hugo, meu genro, que mesmo sem uma prancha, não deixou de participar com eles, vindo de jacaré, dentro da onda. (Veja foto que ilustra essa crônica.)
Escutatória, ter ouvintes dispostos a interagir sem causar dor são raros.
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