Mamãe, eu te amo! (Autor Ricardo de Faria Barros)

Aquele dia para ela tinha que ser transformado em dois, de tantas coisas para resolver que consumiam as horas.
Era fazer pagamentos, emitir documentos, correr para fazer prova de roupa, para natal e ano novo, bem como comprar presentes natalinos faltantes. Somado a isso tudo, uma longa viagem de estudo se aproximava, tendo trabalhos para finalizar e textos para estudar até lá.
Ela chegou na sessão de coaching agitada. Eu tive até vontade de reduzir o tempo, ou adiar a sessão, para contribuir com o tempo dela.
Mas, ela não aceitou, precisava falar das alegrias, medos, esperanças e frustrações em relação à meta daquele doutorado na Espanha.
Ela falava de seu sonho de mais uma etapa do doutorado, que iria recomeçar em janeiro, com faíscas nos olhos.
Contudo, temia que a débil saúde do pai, que morava noutro estado, no qual iria passar natal e ano novo, acabasse piorando.
E, entre o pai e o doutorado, ela optaria por ficar com ele, naquele momento de sofrimento, caso necessário fosse, mandando às favas o doutorado.
Enchi os olhos de lágrimas, de tão belo gesto, de tão abençoada filha.
Como aprendo com meus pacientes de terapia ou de coaching.
Desviei o assunto do pai, voltando para a meta do doutorado. Os coachs são maestros de metas.
E, ela retornou o assunto com olhos marejados de felicidade. Pensei comigo, ela ama esse tá de doutorado.
E, quando estamos cansados, agitados e sem tempo, basta um amor chegar até nós, que ao falar dele temos todo o tempo do mundo, e relaxamos o couro da alma naquelas palavras que aos borbotões falamos do amado. Quem ama transforma meia hora num dia, quem ama transforma minutos em horas, só para estar com o amado.
Aí, o telefone dela toca na sessão.
Ela pede licença, o atende, e ao desligar me diz que era a filha, precisando dela.
E que vai passar em casa, pegar um balde, uma vassoura, um rodo, pano de chão e produtos de limpeza e vai ajudá-la.
Eu caio na gargalhada e digo-lhe, como assim?
Ela me conta que a filha se mudou ontem, e que o combinado com o inquilino do imóvel anterior, era o de entregá-lo limpo. Mas que, por ser a última semana do ano, a filha não encontrou diaristas disponíveis.
Então, apelou para a mãe, na esperança que a mãe achasse alguma.
Minha coache não pensou duas vezes, despediu-se de mim, e foi assumir a limpeza, ajudando a filha.
De tarde, eu mandei um zap para ela, tirando onda, perguntando-lhe se podia vim limpar minha sala, se sobrasse tempo.
Ela caiu na gargalhada e disse que deixou o ex-apartamento da filha um brinco, tudo limpo e cheiroso, e que tinha conseguido resolver as outras pendências, ao optar por facilitar a vida, e simplificar a agenda, deixando para depois, o que pode ficar para depois.
Não dormi naquela noite, véspera de natal, com aqueles dois gestos daquela filha. o primeiro de adiar os sonhos, caso o pai piorasse. O segundo, de esquecer dela mesma, pegar um rodo e uma vassoura, e ajudar os filhos.

Você deve estar me perguntando: Por que tu lembrou disso Ricardim? Quase dois meses depois.
É que hoje ela teve sessão comigo, e me mostrou um WhatsApp que recebeu da filha, acessando-o ao estacionar aqui na Ânimo. O texto era de quatro palavras.
"Mãe, eu te amo!"
Perguntei se tinha ocorrido algo ontem, para que a filha se expressasse daquele jeito. Ela me disse que não. Que foi algo de que ela não esperava, aquele eu te amo, pois não fizera nada de especial
Aí lembrei-lhe que ela fez sim. Ela pegou um rodo e uma vassoura e foi ajudar.
Então ela sorriu, um sorriso lua cheia, e disse que aquilo era a essência dela, como mãe, e que independente dos filhos retornarem com palavras de carinho, ela sempre estaria ali, pertinho deles, com um rodo e uma vassoura, para apoiá-los em tudo que fosse possível, sem tirar deles a capacidade deles mesmos se responsabilizarem pelas suas próprias vidas.
Uauuu!!!
Lembrei de minha mãe e pai, do quanto pegaram seus rodos e vassouras para limpar as sujeiras que eu ia deixando pela vida.
Lembrei de tantos amigos que foram solidários comigo, em momentos difíceis pelo qual eu passei (coração) e o JG (UTI Neo-Natal).
Para eles, eu queria dizer, voltando as fitas de meu viver, "eu te amo".
E, como é bom receber um "eu te amo!"
Minha paciente não sabia onde colocar tanta alegria. Olhava aquela telinha do celular como se fosse um bilhete de loteria premiado.
Esqueceu até de contar dos quinze dias que passou na Espanha, estudando, dado que o amor - expresso pela filha, literalmente trocou a agenda da sessão. O amor altera agenda e cria novas prioridades.
Receber um "eu te amo" deve ser o que mais em nós produz endorfinas. Não temos mais como ser os mesmos, após alguém nos dizer: eu te amo.
O impacto dessa frase em nós nos eleva à condição de eternos demais, para sermos mortais.
Aprendi muito nesta sessão. Aprendi que um coração disponível para ajudar, com o que tem, um rodo e uma vassoura, pode galvanizar nas paredes do coração uma marca de cuidado e atenção, para om o outro, cuja lembrança nunca será esquecida.
Aquela jovem, também aprendeu, com o exemplo da mãe, que mesmo assoberbada com suas próprias tarefas, esqueceu tudo para ajudá-la, uma lição linda. Trocou prioridades pela força do amor.
De um amor que se expressa, de um amor que se converte em práticas, saindo das piedosas intenções que não se mexem em ações.
Se só o que temos para ajudar é a nossa disponibilidade generosa, talvez seja isto mesmo o que mais a pessoa esteja precisando.
Será que eu faria aquilo? Será que deixaria minhas pendências que me alucinam numa frenética ansiedade, para ir socorrer alguém com algum serviço que sei fazer, e que posso fazer?
Quantos rodos e vassouras estão guardados em meu coração, esperando que eu dê a eles uma oportunidade de servi-los aos outros?
O que de fato, ao ingressar o amor com sua agenda própria, em nosso viver, vale a pena ser adiado, cancelado, ou simplesmente deixado pra lá, para que aquele momento seja vivido em sua completude maior.
O amor nos completa. E, só ele tem o dom de elastecer o tempo, ecoando no infinito os instantes vividos no hoje, e alterando toda a ordem e natureza das coisas.
Quando ele se faz presente, e em nós se manifesta, ele dá um novo significado às nossas vidas, e ao próprio tempo, nos tornando lendários ao ler uma frase assim: "mamãe, eu te amo!"
Agora vou ali comprar mais rodos e vassouras, para ter maior disponibilidade de apoiar pessoas, na área de serviço de meu coração!

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