Pense num aperreio! (Autor Ricardo de Faria Barros)


A aula começaria 20h30min, e uma hora antes eu já estava no local e nervoso.
Iria ter minha primeira aula de dança, ao ritmo de forró. Havia trinta anos que esperava por esse momento.
E, nos propósitos de aposentadoria desenhei essa agenda. Aposentadoria pede metas, pede agendas. 
E agora, um ano depois, estava sendo realizado. 
Uma garotada malhada habitava aquele ecossistema.
Procurei uns cabelos grisalhos, ou gente mais normal e gordinha, e não achei.
Aliás, achei um, que quando eu ameacei fazer contato, vi que na verdade ele tinha ido buscar a filha, que saia de uma aula de Street Dance.
No horário combinado, o professor chega na recepção e chama os alunos. A mocinha da recepção aponta para mim e diz que eu farei aula experimental. O professor meio que dá nos ombros, e deve ter pensando, mais um para me dar trabalho, dizendo um seco "me siga".
Eu queria era palavras de carinho, tipo preliminares. rsrs
Para meu azar, a turma era composta apenas de um casal de irmãos, que estava com três aulas à minha frente, e eu - o novato da noite.
Fiquei num canto quieto, não sabia bem o que era esse troço de aula experimental.
O professor notou minha timidez e me trouxe pra roda.
Então, ele soltou uma pergunta, meio que notando que não tinha me socializado, nem se apresentado:

"Qual seu nível de conhecimento de Forró? Sem conhecimento, iniciante, amador, ou quer aperfeiçoar?"

- Avançado

Aí ele soltou um: ahh, então tá bom.
E eu continuei: avançado de ruim.
cacacaca
Todos sorriram e o ambiente ficou melhor pra meu lado.
Então, ele deixou o casal de irmãos treinando, ao som de um pé de serra. E veio até mim.
Fiquei logo nervoso. Será que ele iria me chamar pra dançar?
Não era isso. Ufa.
Ele me colocou em frente de um espelho, e pediu que eu repetisse à exaustão uma série de passos que ele fazia.

"Pé esquerdo pra frente, pisando uma barata com a ponta dos dedos, pé direito pra trás, como se tocasse numa parede, com a ponta dos dedos. Junta, e segue na lateral: passo para esquerda, junta, esquerda, junta, direita, junta, direita, junta, agora pra frente, matando a barata, e segue..."

Eu suava frio. E era muita informação pra decorar. O casal de irmãos tirava onda de meu desconforto, olhando-me de soslaio. 
Acho que me dei mal. Achava que teriam outros alunos, para distribuir o nervoso e a atenção entre eles. E éramos só 3, e dois bem melhores que eu. 
Mas, eu bem que me esforçava. Contudo, em muitas vezes confundia esquerda com direita, ou frente com trás. E aí danou-se!
Escrevo com a esquerda. 
Então, a direita para os outros, pode ser para mim a esquerda.
Entende?  Lógico que não, só quem é esquerdo sabe o que falo. "Vira para a esquerda", e queremos virar para direita. rsrs 
E tome repetição, eu me olhava naquele imenso espelho, e queria era correr dali. Foram os 60 minutos mais longos de minha vida. Suava frio, aperreado, toda vez que o professor chegava perto de mim, para aferir meus passinhos de elefante aprendiz,  de tablado de picadeiro, no choque mesmo.

E tome bronca. "Você não está matando a barata, com a ponta do pé esquerdo. Bote o peso na direita. Não vire o dorso. Não mexa os quadris para os lados. Está abrindo muito na lateral".
Pensei comigo, como não mexer o quadril?  Pode isso Arnaldo?
E aquele espelhão me intimidava. Projetava nele minha ignorância, ampliada ao extremo. aiaiai
E se olhar muito pra ele, aí é que erra mesmo. E se não olhar, erra também.  Nunca admirei tanto os dançarinos como ontem.  Aí o professor chegou mais uma vez. E vinha com olhares languidos para mim.
aiaiai 
Aí ele me deu as mãos e disse, dance comigo. Agora fodeu mesmo, pensei!
E lá estava eu, enlaçado por aquele marmanjo e bailando ao som de Flávio José.
Matou aquela música Tareco e Mariola, pois vou associar à bafo de macho no cangote. Eca.
Depois de umas 4 piruetas, ele chamou a moça e trocou de pares.

Ela olhou pra mim, do alto de sua desenvoltura, como quem diz, "e será logo eu a cobaia dele"?
Ouvindo os pensamentos da moçoila, nunca me senti tão rejeitado. Queria os braços do professor novamente. rsrs
E começou o forró e eu tinha que repetir os passos do espelho, agora com a moça. Não precisa dizer que errei várias vezes. Eu nem olhava para ela, tamanha vergonha. Fiquei da cor do pimentão, várias vezes, dava pra fazer moqueca com minha face rubras.
E ela me dizia, em tom de quem não está gostando de treinar mais eu: "É você quem me leva, indique com a mão direita o próximo movimento."  Agora lascou Maria, Inês e Preá. Como indicar se nem eu sei, pensei.  cacaca
E tome aperreio. Aí o professor tirou a música, chamou todos para o centro da roda, disse que eu estava indo muito bem.
Filho da puta mentiroso. E liberou a todos nós. Pedi desculpas a mocinha, que sorrindo disse que "não foi nada".
Cacaca  Então foi.
Cheguei em casa e me vi repetindo os passos olhando para o espelho do quarto. Acordei hoje com aquele: é 1, é 2, é 3, é 4, e para os lados, é 5, junta, é 6 junta....

Simulei com uma vassoura e me achei o cara.   rsrs

Uma sensação de felicidade invadiu meu ser. A felicidade de se propor a aprender algo que há muito tempo sonhava. Eu sou de Campina Grande-PB, terra do São João, e não saber dançar forró é imperdoável. Sofro bullying desde pequeno. 

Então, aos 53, tá na hora de aprender. Nunca é tarde pra aprender algo. E acho que a velhice se dá quando desistimos de "curiosiar" a vida, suscitando uma profusão de novos quereres, aprenderes e experiências a que nos permitiremos.

Na próxima aula, vou tomar uma  chopp antes, para ficar mais mole o cabeção.

Confesso-lhe que inteligência físico-espacial não é meu forte. Tenho uma perna esquerda que cisma que é direita.  E decorar uma série simples de passos para mim é uma tortura. Quando ele chega no passo seis eu já esqueci do dois. rsrs

Mas, enfrentar os medos, e o abismo do desconhecido, com todos as limitações e dificuldades nele inserido,  é fundamental para aprender algo e crescer.

Crescer dói, e não se chega na janelinha de nenhum lugar da vida, sem esforço. 

Vou aprender sim. Mesmo que repita por meses uma série, que para outros em uma semana já dominaram. Eles são eles, eu sou eu.
Tenho meu próprio ritmo e capacidade de aprendizado desse tipo de inteligência que lhes confesso que sou fraco demais. Prefiro mil casos de terapia para encaminhar, prefiro até montar móveis, seguindo aqueles roteiros que ninguém entende. Do que lidar com meu pouco jeito de fazer evoluções com o corpo. Mas, num desisto fácil quando cismo em aprender algo.

Oxente, isso será fichinha. Depois vou aprender a velejar. Ah se vou! 

Vou continuar, não desistirei. Acho muito bonito quem sabe dançar. E creio que a dança pode melhorar os relacionamentos,  a intimidade do casal. A dança é uma linguagem de muita cumplicidade e atenção para com o outro, para com o par, e quero isso para minha vida. 

Eu vou aprender a dançar. Do meu jeito, no meu ritmo, cada dia um pouquinho mais. Se não valer pela dança, vale pelas risadas sobre mim mesmo, e meu corpão desajeitado. Será mais fácil do que fazer dieta e sair do sedentarismo. 
E vale muito sentir esse frisson do "não sei, mas vou aprender".
Vale pela socialização, vale por se sentir vivo em querer fazer e viver algo diferente. Afinal, como diz o poeta, "tudo vale a pena, quando a alma não é pequena". Fernando Pessoa   

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