Cartas ao JG - Não Saia da Pista! (Autor Ricardo de Faria Barros, pai do João Gabriel, 8 anos)


Estávamos zanzando no shopping, naquela tarde de sábado, quando tu avistou uma pista de patinação e teus olhos faiscaram.
Perguntei se tu queria ir. Tu me olhou, entre empolgado com a novidade, e assustado com os tombos que via de quem nela se aventurava, mas deixou-se conduzir pelo espírito que nos motiva a fazer algo novo, a desafiar nossos limites.
E tu foi, e por uma hora, deve ter levado uns trinta bons tombos.  Algumas pessoas que olhavam os aprendizes de esquiadores caindo, riam de tu.
Mas, tu as ignoravam, solenemente.
Sem se deixar abater por aqueles risos, que mangavam da queda dos outros, tu se levantava, segurando-se nas barras laterais, e começava novamente a patina no circuito retangular.
Sempre que passava por mim parava, todo orgulhoso, e me perguntava se eu tinha visto o que tu tinha feito.
Nunca me perguntou se eu tinha visto tuas quedas.
Sempre se eu tinha visto que tu conseguira fazer a curva, sozinho, sem segurar nas barras, ou que tinha conseguido uma volta inteira, sem cair.
Eu aprovava teus esforços e o incentivava a continuar desafiando limites, e superando-se a si mesmo.
Numa de tuas quedas, o pequeno Mateus te deu a mão. 
Foi uma cena linda. O Mateus já tinha mais horas de vôos e de quedas, e embora menor que você, ele parou para lhe socorrer.
Depois, você deu a mão a ele e ambos passaram a patinar de mãos dadas, como velhos amigos.
E seu equilíbrio melhorou muito. Como precisamos de Mateus em nosso viver!
Aí teve uma hora que foi o Mateus que levou um tombo feio, numa pirueta que ele fez para te mostrar com era. E lá foi tu, dar a mão ao Mateus, e ambos caíram no chão e ficaram sorrindo, tirando o excesso de gelo que grudava nas roupas e luvas.
Eu olhava para aquilo tudo embevecido.
Tu estava dando uma aula sobre a arte de viver.
Que na vida é bem assim mesmo. 
Não tem almoço grátis.
Que temos que nos esforçar, ter disciplina, treinar, e aprender a cair e a levantar, e muitas vezes.
E não desistir do jogo, antes do apito final.
Tu tinha 60 minutos de pista, e usou todos, sem desistir pelo meio do caminho. 
Sabe filho, durante tua vida mais adulta, pois que agora tu só tem 8 anos, esta pista de patinação vai aparecer em mutias situações que enfrentará.
Daquelas que um misto de vontade enfrentar, e o medo de não ter êxito, ou se machucar, estarão presentes.
Para enfrentá-las, faça como fez nesta tua primeira vez numa pista de patinação.
Não desistindo de teu sonho de patinar.
Vai ter coisas chatas que lhe acontecerão, tal qual os tombos que levou. Vai ficar uns tempos de molho, desorientado com o que houve, vai olhar para os lados, até envergonhado, ou sentindo-se culpado, ou impotente. 
Nestas horas, tenha calma. Vá se reerguendo devagarinho. Busque apoio. Não banque o fortão, de querer resolver tudo da vida sozinho. Busque ajuda, tal qual aquelas barras de ferro que nelas segurava, ao lado da pista.
Vai ter acontecimentos que vão querer que tu abandone o jogo, antes de terminar o tempo contratado. Vão soprar na tua cabeça de que tu não é capaz, que não dará certo, que tu é isso, ou aquilo, e que é melhor desistir. Besteira. Tu ainda tem mais minutos para tentar novamente.  Já pensou se tivesse desistido nos primeiros 30 minutos? Ou ficado chorando caído no chão? Dizendo que não conseguiria?
Caminhe mais um pouco, mais uma légua, sempre que quiser desistir de algo. Lembre-se da pista de patinação que tu tinha 60 minutos. Então, não desista nos 30 minutos. Vá até o final do tempo de teu viver. 

Estas situações vão exigir renúncias, esforços, novos aprendizados, e podem até criar machucados em teu ser. Mas, repito-lhe, prossiga!
Encare-as como encarou aquela pista de patinação.
Não escute os que ficaram rindo de ti. Os que vão querer te diminuir, ou que ficarão rindo de teus tombos, sem oferecerem uma mão sequer, nem tampouco um olhar de compaixão, fruto da empatia.
Não deixe que eles morem em teu coração, imobilizando-o para continuar.
Faça como fez, dê um solene desprezo aos risos de teus tombos, bata o gelo que ficou impregnado em teu corpo, e recomece.
Talvez o aprendizado maior da vida é a forma pela qual nós damos respostas á ela, e não dela esperamos respostas.
Ou seja, a forma pela qual nos reerguemos após situações inesperadas de perda, frustração, decepção chatas, ou até a nós dirigidas, e que nos machucaram, é o que faz a diferença entre uma pessoa de coragem, e um covarde.
Não desista nunca de teus ideais, objetivos, metas e sonhos. Não terceirize sua pista de patinação, para que outro patine por ti, e em teu lugar.
Tu verás que do nada aparecerão os Mateus que poderão te ajudar a enfrentar melhor as dificuldades que aparecerão.
Muitos, por já terem passado por situações semelhantes, e terem aprendido a patinar melhor, sobre elas.
Outros, apenas por serem teus amigos, e contigo se solidarizarem, ajudando-lhe a se erguer e voltar pra pista.
Não saia da pista. Não desista, ao levar dezenas de tombos. Logo, logo, dobrando a esquina do futuro, vai acontecer de tu conseguir dar duas voltas inteiras, sem segurar nas barras de apoio, e sem cair. 
É só perseverar, continuar aprendendo, exercitando, criando resiliências, que só a vida pode de fato produzir. Resiliência é um negócio que só se desenvolve nas situações tipo "primeira vez em pista de patinação". 
Mas, quando vamos passando por situações desafiadoras, e vamos enfrentando-as, ficamos com uma tenacidade bacana, para encarar outras, a partir da experiência anterior acumulada.
Ou seja, o que não te matará, te fortalecerá.

Situações como assumir uma nova função, trabalhar numa equipe cheia de traíras, ser liderado por um líder autocrático, ter dado cabeçadas no amor, ter tomado prejuízo nos negócios pessoais, ser avaliado injustamente, não ser reconhecido, ser injustamente desqualificado numa promoção, se decepcionar com algum amigo, ter as contas sempre no vermelho, sofrer alguma perda significativa, ou ter que migrar para conseguir um lugar ao sol, são algumas das situações que pedirão um investimento no desenvolvimento da competência de cair, bater o gelo, e continuar.
Situações que pedem respostas, e não justificativas.
A monitora chega perto de ti, informa que o tempo acabou. Tu me olha com um olhar de quero mais.
Tu se despede do Mateus com um abraço de irmãos de pista.
Daqueles que quem viu de longe, não teve como não se emocionar.
Não paguei mais uma hora para ti. Tu precisa aprender sobre os limites do desejo, do querer e do ter.
Combinei te trazer noutro dia, mais a frente.
E você soltou essa frase, tão linda.
"Aí poderemos pegar a Bianca (sua prima de 6 anos) e eu ensino pra ela como é..."
Meus olhos viraram uma piscina, e lembrei que tu estava querendo retribuir, com um coração cheio de gratidão, o que o Mateus fez por ti.
Então pensei, mais que uma aula de patinação, o JG teve mesmo foi uma aula de vida. 
Daquela vida boa que se tem quando um amigo nos dá a mão, para que nos ergamos novamente, sem cansar de fazer isto, a cada queda nossa.

2 comentários:

  1. É maravilhoso passar por tantas fases da vida junto aos filhos!!! Só ótimas lembranças!! Aprendizado para o resto da vida!

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  2. Mais um texto fantástico, com lições valiosas sobre a vida e o viver!

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