Era noite de sexta, aula de Comunicação, e a Marta conduzia sua sessão de narrativas de vida.
Animada, usava seus 5 minutos, para narrar algo marcante.
Ela contou-nos que no ano passado fora passar 15 dias no Uzbequistão, para fazer a Rota da Seda e conhecer a cidade de Boukhara.
Seus olhos brilhavam ao relatar sobre as bonitas edificações e paisagens que por lá conheceu, e das aventuras dos deslocamentos, entre vários aeroportos, estações ferroviárias e rodoviárias, até chegar aos destinos finais.
E, do quanto aprendeu com a viagem, de como é possível conhecer lugares legais sem levar muitas malas, gastando pouco, e ainda fazendo um monte de amizades pelo caminho, inclusive com pessoas do Brasil que estavam fazendo experiências sabáticas no exterior.
Que consistem em dar uma pausa no trabalho e se permitir a uma viagem em busca de si mesmo, de preferência enfrentando o desconhecido noutro país.
A lição aprendida, que encerrou sua apresentação, foi a de que o segredo da felicidade está na simplicidade de viver: seja no vestir, no conviver, no comer, se hospedar ou se deslocar.
De fato, se é uma coisa que esta geração nos ensina é a de fazer no hoje, e com o possível, algo muito legal.
Eles não têm medo de saírem por aí mochilando, conhecendo lugares únicos, e desafiando seus próprios limites. Desde que valha a pena a jornada, eles irão para lá.
Não se importam com luxo, restaurantes badalados, ou malas abarrotadas de roupas bonitas, daquelas para visitar lugares estilosos. Se tiver alguma coisa legal para conhecerem, está valendo o sacrifício. Eles curtem a experiência da viagem.
Eles não se obrigam a vestir uma roupa que não lhes cabem mais. Show!
Quantas coisas em nossa vida este jeito mochilar de ser nos ensina! Com menos malas, mais leve, mais livre, com mais autonomia e coragem de ser quem se é, não tentando ser o que querem que sejamos.
É preciso fazer a jornada da vida como quem mochila para o Uzbequistão.
É preciso peregrinar em busca de nosso Uzbequistão interior, trilhando a jornada da alma.
Ousar, com a mesma coragem da jovem Marta, acessar áreas desconhecidas de nossa existir, acessar nossos medos, nossas vivências difíceis, extraindo desta viagem ao interior do Ser aprendizados essenciais para uma vida plena, com sentido e feliz.
É preciso conhecer nosso Uzbequistão, para melhor valorizar e aproveitar todo o potencial humano de nossa existência. Deixando de lado, ou pra trás, ou até não mais priorizando ou destacando, aquilo, ou quem, nos faz mal.
Para chegar ao Uzbequistão da alma é preciso coragem de recomeçar, quantas vezes necessários seja. Coragem de se reconectar, reinicializar, quantas vezes preciso for.
Coragem de romper com prisões reais ou imaginárias, saltando no vazio de infinito à frente.
Coragem de dobrar aquela curva, permitindo-se ao mirar de novos horizontes.
Esta coragem exige uma atitude Marta de ser. Daquelas de mente e coração abertos para a novidade de viver, e de assombro com os encantamentos de cada estação, nas paradas da vida.
Atitude receptiva e acolhedora frente a novas culturas e pessoas
Carregando menos tranqueiras emocionais em nossas malas interiores.
Carregando menos problemas das outras pessoas. Carregando menos as próprias outras pessoas em nosso viver.
Deixando de querer ser uma unanimidade.
Deixando para esta viagem de levar as culpas eternas. ou as mágoas encardidas, daquelas que tiram o gosto de tudo, causando desgosto.
A vida anda pedindo um pouco mais de leveza e simplicidade.
Anda pedindo menos tempo-pixel e mais tempo-pele.
Inspirado pela Marta, voltei pra casa lembrando-me uma experiência legal que que vivi, recentemente, e a custo zero.
Outro dia, peguei o carro e fui em direção a uma das raras produtoras de vinho do Cerrado, para as bandas de Cocalzinho de Goiais. O objetivo era conhecer a vinícola Girassol, com sua cachoeira do mesmo nome. A ida a este local exige o estilo Marta-Mochileira. Parte do acesso não é asfaltado. E, ao lá se chegar, será preciso descer uns 200 degraus até acessar a queda d´água, descendo pela escarpa de uma montanha rochosa. Antes de descer, parei no prosaico restaurante rural do local para encomendar um dos três tipos de almoço: galinha, peixe ou vaca. E tudo precisa ser pedido com tempo, para poder ser feito, exclusivamente para você.
É ou não é uma experiência? Trouxe na bagagem, além da bela queda d´água, flores e uma borboleta azul, o papo gostoso com a cozinheira que fez o delicioso pirão de galinha, e o que tive com o marido dela, que explicou as propriedades dos licores que vende: Cagaita, Jenipapo e Uva. Comprei um de cada, afinal de contas, são raríssimos (rsrsrs), e com o selo do vinhedo Girassol.
Este texto não é sobre o Uzbequistão, ou a Girassol, embora falei deles como uma metáfora sobre viagens na jornada de nós mesmos.
É preciso parar para contemplar o presente, ousando enamorar-se com encanto, e novamente, tal qual quando éramos tão jovens, das coisas simples, possíveis e acessíveis em nosso viver, que nem sempre são mais valorizadas, por estarmos envenenados de ansiedades mil, preocupações dois mil, e pensamentos e emoções negativas, três ml.
É preciso tirar das malas tudo que não nos pertence mais e que dificultará nossa caminhada.
Tirar toda forma de orgulho ou arrogância do ser.
Tirar pra fora todo tipo de preconceito e desrespeito no conviver com o outro.
Tirar toda as peles que em nós foram se moldando e que não se constituem a nossa melhor essência, nem dizem respeito ao nosso Eu Maior.
Na intransferível viagem à jornada da alma, vale mais levar na bagagem a humildade, a compaixão, a empatia, a amorosidade, a ternura, a coragem, a tolerância, a simplicidade, o otimismo e a esperança. Do que, o orgulho, a prepotência, o medo, a mesquinhez, a brutalidade, a autossuficiência, o desamor, a desesperança, a apatia, a inveja e a opressão.
É urgente carregar menos malas, em forma de gente, ou de emoções-comportamentos tóxicos, para uma vida de mais autonomia e feliz!
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