Não é sobre a Praia de Cumbuco-CE (Autor Ricardo de Faria Barros)

Li estarrecido que uma determinada ponte, em Natal-RN, tem sido usada para prática de suicídio. Com o aumento dos casos, voluntários passaram a se revezar naquele local, na tentativa de estabelecerem um diálogo com estas pessoas, demovendo-as desta decisão, tão trágica e sem retorno.

Para compreender melhor este fenômeno, não só do suicídio, mas também o aumento de episódios de automutilação, ansiedade, depressão e Síndrome de Burnout (exaustão emocional no trabalho) recorro a dois documentos, bem atuais.
No primeiro, o World Hapiness Report-2019, relatório publicado pela ONU, registrou o aumento de emoções negativas no mundo. Um dos indicadores deste estudo é a pesquisa sobre a propensão para a generosidade que caiu drasticamente.
No segundo, o Global Policy Report, também deste ano, recomenda-se aos governos que desenvolvam políticas para enfrentamento da depressão, além de investimentos em atividades que promovam uma educação emocional positiva.
Uma das causas-raiz, revelada nos estudos, é um aumento de episódios de adição e compulsão, inclusive em idades mais jovens, criando as condições ideais para uma epidemia de vazio existencial, que são:

- Adição: álcool, drogas e alimentos não-saudáveis.
- Compulsão: games, sexo volátil, trabalho, consumo e tecnologia.

Também faz parte destes estudos algo no mínimo interessante, uma associação do tempo dedicado ao mundo digital: games e redes sociais, com o aumento da depressão, prejuízo das interações sociais presenciais e a baixa qualidade do sono.
Diante deste cenário, o que podemos fazer?
Que respostas precisamos dar à vida, para não sermos tolhidos pelo quarteto fantástico do descontentamento:
Suicídio-automutilação; depressão; ansiedade e Burnout.
Como podemos ajudar aos nossos familiares, amigos e colegas de trabalho, ou de estudos?
Creio que qualquer que seja a resposta ela passará por uma melhor percepção seletiva positiva de nós mesmos, dos outros e da realidade.
E, precisamos resgatar a generosidade, empatia e amorosidade para com estes três entes relacionais: O Eu – O Tu – E a Vida.
Parar de correr atrás de um sentido da vida, e procurar os sentidos na vida. Em tudo que se faz, vendo-se a si mesmo, e onde está inserido, como parte de um coletivo maior.
Não podemos terceirizar a educação emocional positiva para a escola.
É urgente ampliar as fronteiras dos pensamentos e emoções, para além do caudaloso rio da negatividade no qual estamos nos afogando.
É preciso desenvolver uma maior força de vontade para com a vida e o viver. Desenvolver camadas de resiliência.
Não podemos aceitar impassíveis que todos os dias alguém se dirija à uma ponte, almejando pular para a morte.
Este assunto é nosso. Meu, teu e deles.
E é preciso reeducar as lentes do pensamento e das emoções desde a mais tenra idade.

Não esqueço o comentário de uma mocinha, proferido pra sua mãe, ao tomar um café da manhã num hotel em Fortaleza.
Eu estava na mesa ao lado, bem próximo, aguardando a hora de ministrar uma palestra, sobre longevidade feliz, e não tive como não a escutar.
A mocinha, de uns 13 anos, dizia que achou a visita do dia anterior, à praia de Cumbuco, horrorosa. E que uma amiga dela, que indicou o local, estava errada. Não havia nada de bonito ali.
E, passou uns bons minutos enumerando tudo de ruim que por lá viu.
Animada, disse a sua mãe que no dia anterior já tinha saído do hotel querendo mostrar que a amiga estava errada. E que conseguiu. (Pasmem!)
E a mãe tudo ouvia sorrindo, e até de certo modo apoiando as observações da mocinha.
Nada, nada e exclusivamente nada de bom podia se extrair daquela narrativa.
Depois de Cumbuco, animada, a jovenzinha passou a discorrer sobre o quanto Fortaleza a tinha decepcionado. A calçadinha, a chuva, o povo e até a comida do café da manhã do hotel.

Corta a cena e voltemos para nossa análise.

O que você encontrará na vida se saiu de casa querendo achar somente coisas ruins nela?
Que tipo de educação emocional aquela mamãe está passando para sua filhota? A de não ser grato. De não ser generoso na forma de olhar a vida, aos outros, e até a si mesma.
A de procurar defeitos em tudo, e de sair colecionando razões para ser infeliz: Coleciona Dores.
Pois bem, na idade adulta esta jovenzinha vai estar exposta a um monte de outas situações, até no mundo do trabalho, na qual ela precisará enfrentar.
E, se em cada uma delas, ela olhar para a vida como olhou para a praia de Cumbuco, e assemelhados, ela não vai achar sentido na vida.
E, vidas que se percebem como sem sentido são mais fáceis de serem atraídas pelo desejo de por um fim em tudo.
Então, precisamos reeducar o olhar sobre a vida e o viver. Aprender a lidar melhor com as frustrações, as perdas e os limites. Aprender que não ganharemos todas. Aprender que o mundo não gira em torno de nosso umbigo, e que ninguém na calçada vai prestar atenção quando você passar.
Excitar a doação, a mansidão, a gratidão e o perdão: portais de acesso ao sentido na vida.
Fomentando em nós um senso de pertencimento a um coletivo maior, do qual fazemos parte, e no qual podemos fazer a diferença.
Não concebendo o outro como deletável e descartável, ou apto a ser colocado na caixa de spam da indiferença.

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