Miraculina (Autor Ricardo de Faria Barros)

Hoje estou degustando uma Miraculina na alma.
É que no dia de amanhã será o chá de revelação do sexo de meu primeiro neto (a), filho(a) da Priscila.
E um maravilhoso e fervilhante sentimento Miraculina invade meu ser.
Você deve estar se perguntando o que é Miraculina.
Miraculina é uma fruta, nativa da África Ocidental, de nome científico Sideroxylon dulcificum.
Ela tem um poder miraculoso, por isso também é conhecida como a Fruta do Milagre.
Após comê-la, a mucosa das papilas gustativas fica protegidas por uma molécula formada por 191 aminoácidos de glicoproteínas.
Esta molécula converte o sabor do ácido e do amargo no mais doces dos manjares.
Enquanto a molécula está agindo o limão mais azedo se torna uma laranja mimo do céu. E o vinagre de fel mais amargo, é percebido como um delicioso licor de jabuticaba, por exemplo.
O legal é que ela não altera os níveis de acidez dos alimentos, ou sua adstringência, ela altera as lentes gustativas para protegê-las da percepção ácida e amarga dos alimentos, e por até duas horas, após masca-las.
Para mim, a Miraculina é Sentido na Vida.
E em todas as suas expressões, intensidade e complexas orquestrações de significado e de propósitos.
Quando saboreamos algo, antecipando o prazer que sentiremos, como o meu do dia de amanhã, estamos comendo a Miraculina.
Não há azedo que se intrometa nesta degustação, não há amargo que impere.
É como se a psiquê fechasse as gavetas do ácido e do amargo, para apreciar de forma mais intensa e verdadeira, a docilidade e ternura do momento presente.
Existem muitas variedades de Miraculinas emocionais.

O Amor de Afetos é uma delas. Quem ama passa a ver a vida de forma mais doce, mesmo que enfrente dias amargos e até de alguma forma ácidos. Quem ama está sempre com um mascar de miraculina na boca, vendo a vida com um olhar sorridente e poético. E como diz a canção Cheiro de Amor, interpretada por Maria Bethânia: “De repente fico rindo à tôa, sem saber o porquê...”. O Amor de afetos pode ocorrer entre pessoas que se reconhecem como parceiras na vida, do ponto de vista carnal. Pode se dar entre amigos e familiares. O amor de afeto ocorre quando a doçura do outro invade nosso viver, dando a ele um novo significado. Em instantes mágicos e especiais. 

A Esperança de Esperançar é outra variedade da Miraculina. Esperança de esperançar, e não de esperar. Quem tem esperança de concluir um projeto, se submete a quase todo e qualquer esforço para o alcance deste desafio. “Aquele que tem um porquê para viver pode suportar quase qualquer como...” (Nietzsche). E o que é a esperança senão um monte de porquês para o viver?

Quantas pessoas vocês conhecem que após o recebimento de uma trágica notícia, que os abalou profundamente, ainda assim conseguem reinventarem-se em suas vidas, e encontrarem um sentido na forma pela qual reagem às adversidades a que estão expostos.

Outra espécie de Miraculina é a Solidariedade da Compaixão.
Por mais que tua vida esteja ácida e amarga, após ajudar alguém é como se uma outra dimensão se estabelecesse em teu ser.
Os problemas não acabaram, as aflições ainda estão ali, o amargo e ácido estão presentes ainda, contudo já não ditam comportamentos.
Já não operam nas lentes do pensamento e emoções negativas, tornando-as mais positivas e otimistas. E, porque não dizer, resilientes.
Quando prestamos qualquer tipo de solidariedade de compaixão, quando nos doamos aos outros e a uma causa, esquecemo-nos de nós mesmos e nova criatura ficamos. Voltamos para casa, após aquela ação solidária, com a doçura da compaixão impregnada nas papilas gustativas de nosso viver.

Existem muitas espécies de Miraculinas emocionais, que bom!

Você deve ter as suas próprias.

Uma delas, ainda não citada, e que em meu viver sempre esteve muito presente é a coragem dos sobreviventes.
A Coragem dos Sobreviventes é aquela Miraculina que diminui a percepção de amargor e de acidez, de uma determinada situação que precisa ser enfrentada.
Em todas as odisseias humanas, nas quais houve sobreviventes, esteve presente este tipo de postura diante de uma fatalidade. E aquela coragem que incendeia a alma, que aquece o coração, que alivia toda a carga de sofrer, ao se focar no que precisa ser feito, em determinada situação concreta que se vive.
E a pessoa mete os peitos, e com uma força descomunal, mesmo operando em ambientes insalubres, pobres de respeito e de valores, a pessoa não se deixa contaminar, ou influenciar-se por este meio, sendo uma sobrevivente.
E atua com coragem. De mudar situações. De se mudar de situações. Ou de aprender a conviver com situações, digamos que imutáveis.
É preciso muita coragem dos sobreviventes para não se deixar aniquilar pelos valores que imperam nos tempos presentes.
É preciso muita coragem para ser diferente, ético e autêntico, em meio a tantas pessoas narcisistas, egoístas e autômatas dos dias atuais. A coragem dos sobreviventes é aquela coragem que nos faz continuar caminhando, em busca de dias melhores, quando todos ao lado já esmoreceram, já desanimaram.
E a coragem dá um sabor especial à vida. O sabor de “não ir por ali...”: para onde todos estão indo. O sabor de sobreviver, um dia de cada vez, um passo de cada vez. O sabor de deitar a cabeça no travesseiro e poder dormir sem lembrar-se que machucou alguém, que sonegou direitos, que violentou corações. Que doçura maior do que ter este tipo de coragem ao continuar defendendo a agenda de direitos civis e sociais, mesmo que todos digam que é tempo perdido?

Então, que bom que Deus nos deixou esta plantinha para fazermos esta analogia com nosso viver.
Se nossa vida anda um tanto amarga, ácida e de sabor insuportável talvez seja a hora de comer as Miraculinas: do Amor de Afetos, da Coragem dos Sobreviventes, da Esperança de Esperançar e da Solidariedade da Compaixão.
Agora vou ali no pomar da vida, colher umas Miraculinas, e para continuar percebendo seletivamente e valorizando a doçura da vida e do viver. Mesmo sabendo, convivendo e tendo que se adaptar às situações de amargor e acidez da vida, e da realidade, elas não serão eixo de viver. Não me tornarei uma pessoa azeda, ácida, rabugenta e cultivadora de infelicidades.

2 comentários:

  1. Que Maravilha !

    Já havia lido sobre a Miraculina, mas não sabia dessas aplicações em nossa vida emocional... Parabéns! Belo Texto!

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  2. Excelente texto. Encorajador e reanimador. Parabéns.

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