Dinheiro Achado em Calçada (Autor Ricardo de Faria Barros)

- Bom dia Dona Expedita, guarde meu bolo de macaxeira viu? Na volta do mercado pego e quem sabe pago. rsrs.

Com esta frase, saudei pela manhã a Dona Expedita que comercializa seus bolos na calçada do Carrefour, na quadra 402-403, Asa Sul, aqui em Brasília.

Voltando das comprinhas, parei para a costumeira prosa. Dona Expedita estava super feliz.

Era por volta das 10hrs e já tinha vendido todos os bolos. E começava o apurado para a prestação do próximo mês.

- Oxente, que prestação é esta?

Aí, ela toda sorridente, falou que foi das compras que fez para o aniversário de 15 anos de sua neta.

Ela entrou com o aluguel das mesas, o fotógrafo e os salgados, e que só faltam duas prestações para quitar a dívida.

E que tira as prestações da receita com a venda dos bolos.
Expedita estava radiante por ter conseguido pagar os 632 reais ontem, mesmo que tenha pedido emprestado ao seu genro, os 30 reais que faltavam.
Mas que, "logo que eu chegue em Samambaia, eu pagarei a ele, com o apurado que terei dos bolo de hoje".
Aí, disse-lhe, então me dá mais um, para ajudar nos 30.
Contou-me que quando veio de Recife-PE para Brasília, há três anos, viu que tudo aqui era muito caro e que teria que ajudar nas despesas com a casa de sua filha, para onde veio morar.
A renda de um salário mínimo precisava de complementação, e ela era jovem ainda 72 anos, e tinha muita disposição para o trabalho.
Então, sonhou com a antiga patroa de Recife ensinando-lhe a fazer bolos: de rolo, de macaxeira e de milho.
Ao acordar, suspirou baixinho, e uma nuvem de lástima invadiu seu viver.
Ela não tinha nenhum recurso, naquele dia, para comprar mantimentos e fazer bolos, e tentar vendê-los pelas calçadas da vida do DF.
Todo dinheiro tinha sido investido no plano de saúde, remédios, e na ajuda das despesas de onde mora.
Naquela manhã, havia uma prestação para pagar na Polyele, de uma sandália que comprara.
Ela saiu de casa com aquele dinheiro contado, preso num clips junto à conta.
No caminho, pediu orientação a Deus de como sair daquele atoleiro e aumentar a renda.
Então, ao descer do ônibus, largado entre o lixo da calçada, boiando numa poça de água na sarjeta, havia uma nota de 50 reais. Toda esbagaçada, suja e molhada.
Suspirou mais uma vez, agora de gratidão e esperança, iria recuperar aquela nota.
Agradeceu o recado de Deus e enxugou e limpou a nota com esmero.
Animada, após pagar as sandálias, correu para comprar os mantimentos para o bolo de seus primeiros bolos.
Iria fazer uma receita que aprendeu com sua patroa, quando ainda morava em Recife.
Um bolo de macaxeira com lascas de coco ralado.

[pausa] Pense num bolo bom, multiplique por dois!

E, assim se deu o início da carreira de dona Expedita de micro, infinitamente micro-empresária.
Ela não tem tabuleiro, não tem um carro onde coloque no porta-malas, vive ansiosa com medo do guarda do Carrefour a expulsar da calçada, ou dos "home do Governo".
Traz seus bolos num daqueles carrinhos de feira, com duas rodas e um cestinho. E, todos os dias, volta pra casa com uns 50 reais de apurado líquido. Após vender seus vinte e cinco bolos, por 5 reais cada. Ela está "tirando" um salário mínimo, com os bolos, e agora tem um dinheirinho para investir num carrinho "tipo de isopor", e com rodinhas, pra trazer uns pudins.
Disse-me que aprendeu a andar de metrô. Antes tinha medo de se atrapalhar. E que a vida ficou melhor ainda, pois pode está em casa pelas 13hrs, almoçar com a neta, e fazer os bolos na parte da tarde, sem varar mais as madrugadas.
São assim os sonhos de dona Expedita, simples, profundamente humanos, sonhos de uma mulher que não deixou o desânimo sobre ela se abater.
Sonhava com o deslumbre da neta, em seus 15 anos, e realizou com o que tinha. Sonhava em poder pagar as prestações do empréstimo que fez, e está pagando.
Sonha em poder pagar suas contas, todo fim de mês.
Sonha em ajudar mais a sua filha.
Sonha com um segundo carrinho, para oferecer outros produtos.
Sonha em ser menos importunada pelos homens da lei, para que possa anunciar seus bolos sem medo.
Nesta sociedade, tão individualista e agressiva na qual vivemos, cruzar com uma dona Expedita faz um bem danado à alma.
Esta sim, é uma guerreira.

Uma mulher que não terceirizou seu existir. Que segue, valente lugar-tenente, desfiando as dificuldades do tempo presente.
Que aprendeu a alegrar-se com o que tem. E ainda assim, mesmo com pouco, poder proporcionar uma alegria à sua neta, e ajudar nas despesas da filha.
Que não se limita a um carrinho de bolo, ao querer ter o segundo, perseguindo este novo objetivo com afinco, e a cada manhã,
Que cumprimenta os transeuntes, que passam pela calçada em direção ao mercado, com um sorrisão no rosto, e a cada um deles deseja uma excelente manhã.
E ela assim o faz, mesmo que muitos passem por ela apressados, e a tenha como invisível, mesmo após um sonoro bom dia.
Expedita dá o que tem de melhor a quem por ela passa.
Despedi-me com um "até a quarta".
Aí, ela me perguntou porque só na quarta. Expliquei que é quando venho às compras para abastecer a dispensa com coisinhas que o meu filho, o JG (9 anos), gosta.
Então, ela me falou que vai me ensinar a fazer um salgado de forno que as crianças amam.

Uauuu, que linda! Ah! Mas, aí já será outra crônica.

Andamos tão indiferentes com a vida, tão ingratos, que não damos valor ao que temos. Não sabemos o que é todos os dias ralar um monte de coco e macaxeira.
Trabalho pesado. E depois cozinhá-las e comercializá-las, no corpo-a-corpo, sem ter nem onde sentar. E, sempre com um sorriso nos lábios, e com uma ternura para com todos cuja descrição não cabe num amontoado de letrinhas.
Quantos cinquenta reais existem em nosso viver? Largados numa poça de água, ali onde nem mais damos conta que ele existe? Nem mais percebemos a bênção dele em nosso viver.
Estão à beira da calçada de nossa vida, e com ele podemos nos reinventar, resistir, ser mais resilientes e esperançosos, do verbo esperançar e não do verbo esperar, no sentido de procurar nossas melhoras.
E, se para Dona Expedita a chance de fazer uns bolos, e melhorar de vida, foi aquela nota, quem sabe nossas chances não estão pertinho de nós, escondidas na sarjeta de nossa vida, que não mais as reconhecemos como importantes, por as termos sempre a mão.

- Podem ser nossos pensamentos e emoções positivas, que nos dão ânimo para o viver.
- Pode ser nossa saúde.
- Pode ser nossa família.
- Podem ser nossos amigos.
- Pode ser nosso trabalho.
- Podem ser nossa fé e comunidade espiritual.
- Podem ser nossos estudos e conhecimentos.
- Pode ser nossa parceira (o) afetivo amoroso.
- Podem ser nossos filhos e pais.
- Pode ser nossa experiência de vida.
- Pode ser nosso lar.
- Pode ser nossa liberdade de ir e vir.

São as tuas, e as minhas, notas de cinquenta. Vamos aproveitá-las para evoluir e deixar este mundo melhor do que achamos. Sendo o melhor que possamos ser para ao mundo, e não do mundo.

Quantas capacidades temos que são extremamente importantes para empreendermos nossos projetos de melhoria, tanto no aspecto de vida pessoal, quanto no profissional?
Vamos lá, é hora de se reinventar com o que ainda lhe resta, e não ficar chorando, e sem reação, ao contabilizar somente o que lhe falta.

Expedita deixa aquela calçada iluminada, todas as manhãs.
Expedita encontrou seu jeito de fazer a diferença, enquanto trabalha, ao se interessar pela vida de seus clientes e ao desejar-lhes sempre, e de forma calorosa, um bom dia.
Expedita não tem tempo, nem intenção, de ficar catando tristezas, pelos cantos de sua "Vida Severina".
Expedita, vive o momento presente, sabendo dar valor e bem investir o dinheiro achado em calçada.

E, quanto de dinheiro achado em calçada nossa vida está cheia, só que não mais prestamos atenção a ele, nem o valorizamos como tal.
Até que um dia ele nos venha a ter em falta.
É tempo de não se deixar adoecer pela onda de desânimo, desencanto e desesperança reinante. É tempo de subverter a natureza das coisas, e ousar construir as pequenas e vadias felicidades: aquelas possíveis, urgentes, necessárias e conscientes.
É preciso, mais que nunca, estar presente e aberto, todos os dias, à mística, mágica e maravilhosa vontade de viver.
É ela que todos os dias sussurra em nossos ouvidos: coragem, prossiga, tende bom ânimo, afinal,  "longe é um lugar que não existe" quando se tem esperança e amor no coração. 

Quer melhor receita pra uma longevidade feliz?

Do que a de também fazer bolos, como os que deram sentido à vida de Dona Expedita, no sentido figurado?






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