Doze Peixes e Um Gesto de Amor (Autor Ricardo de Faria Barros)

Chegamos à praia da Barra do Jucu, 40 KM de Vitória-ES, um tanto frustrados com a estada na praia anterior, na badalada Guarapari, chama de Praia do Morro.
 Naquela praia apinhavam-se umas mil pessoas que disputavam com os guardadores de guarda-sol, cada pedacinho de areia para se alojarem.
Não gostamos daquilo, daquele monte de gente dentro de uma lata de sardinha de faixa de areia de praia, e logo decidimos explorar alguma outra praia na volta.
Lembrei-me que tinha passado por uma placa que indicava a praia da Barra do Jucu. Gosto de praias de barras, geralmente formadas do encontro de um rio com o mar, produzindo um cenário muito bonito.
Pedi ao navegador, DJ e fotógrafo, o JG, que aprumasse o Waze em direção da praia, já que ficava na estrada de volta para Vitória mesmo.
Chegamos na praia e foi amor à primeira vista.  Aquela montanha rochosa que se projetava mar adentro, tornava aquele pedaço de praia quase uma rua sem saída.
Na praia, havia um monte de barquinhos de pesca, redes penduradas, crianças correndo livres, nenhum vendedor “de sombra” (ufa), e ainda ocorria um surreal leilão de peixes, à céu aberto. Fruto de uma puxada de rede, que recém houvera ocorrido.
No acesso às duas únicas barraquinhas, uma placa com um monte de latas penduradas nelas, saudava os visitantes com a expressão:  “Lixeirinhas compartilhadas. Chegou? Pegue! Já vai? Devolva!”
A ideia é que os próprios frequentadores coloquem seus lixos de praia nestas latinhas, devolvendo-as para coleta posterior. Genial!
Troquei umas ideias com os garçons que alternadamente nos atendiam, numa colaboração entre eles não tradicional, já que não dividiram a praia em setores. Quem estava disponível, e via o cliente erguendo as mãos, corria pra atender. Então fiquei sendo atendido pela Jamile, Weslei e o Baiano. Descobri com eles que se subíssemos pela encosta do morro chegaríamos uma praia só acessível de barco, e muito bonita, e que do alto do morro eu faria boas fotos. Descobri também que ainda haveria uma puxada de rede. Que consiste num barquinho que vai bem fundo, levando uma enorme rede, em cujas extremidades ficam longas cordas. O barquinho faz uma espécie de U, invertido, derrubando a rede no mar. Depois, da costa, dezenas de voluntários puxam a rede. Todos que ajudam ganham peixe e é uma festa só.
E fui ficando por ali, com olhos encantados e assombrados para a simplicidade e poesia do lugar, tão diferente da badalada praia anterior, que virou uma espécie de passarela e point comercial de beira mar.  
Tomamos nossa água de coco e fomos subir o Morro da Concha, como é chamado. De seu alto, avistamos a praia privativa, não de quem tem dinheiro, mas de quem escala o Concha, que mais parecia uma cena daquele filme a Lagoa Azul, e soltamos um Uauuu!!
Na subida, vimos o barquinho soltando a enorme rede no mar, e ficamos confiantes de que em breve veríamos a puxada da rede.
Voltamos para a barraca e pedi um peixe frito ao Baiano,  e um filé com fritas para o JG.
Quando Baiano já corria pra barraca, gritei pra ele voltar. Disse-lhe que não tinha visto arroz em nenhum prato do cardápio, mas se tivesse alguma pequena porção, que eles mesmos tinham trazido de casa, eu aceitaria um pouco dela para incrementar o almoço do JG.
 “Deixe comigo, em tentarei. E vou trazer também uma salada junto”.
Uns 30 minutos depois chega o Wesley com o peixe, e a Jamile com o filé com fritas e um arroz que de tão novinho ainda cheirava ao alho torrado junto .
Ela me diz que fez o arroz pra o JG. E meus olhos marejaram.
Com pouco chega o Baiano, com uma pequena caçarola, cheia de tomates cortadas rusticamente.
Era a salada que ele prometera. JG ama tomate, e eu também. E, aquela foi a melhor salada que comemos, embora só tivesse tomate, e o recipiente na qual foi servida, não se parecia muito com uma bandeja.
Não importa, ela tinha um sabor especial.  Entendedores entenderão.
Paguei um picolé pro JG, e pedi mais 3 picolés que levei para os simpáticos garçons. Era o mínimo que eu podia fazer, em retribuição.
Aí o espetáculo da puxada de rede começou. Um verdadeiro trabalho em equipe, com dois grupos de puxadores, cada um com umas 12 pessoas, que trabalhavam de forma sintonizada, fechando a rede e a puxando com força do mar.
Percebi que ficavam algumas pessoas em pé, próximo ao mar, e que elas iam reversando os que estavam localizados na ponta da corda, a que se conecta com a rede, dado que ali o esforço é muito grande pra um homem só aguentar por muito tempo.
A chegada da rede é uma cena indescritível de bela. E, ali mesmo, o pescado vai sendo dividido entre os trabalhadores da puxada, umas 24 pessoas, e com o dono da rede e barco, o pescador-capitalista.  Mas, todo mundo ganha seu peixe, quem puxa a corda, desde o início, leva peixe bom pra casa, e uns 5 quilos.
Mas, até pra quem só aparece na hora que o serviço fica mais fácil também ganha seu peixe. E até crianças e pessoas idosas catam os peixes de menor valor, tipo mini-sardinhas, que vão ficando espalhadas pela praia. Na puxada da rede todos são incluídos.  
O pescador Tiago, um dos líderes das equipes, aproximou-se de mim e explicou que aquela era a última do dia.  E que eles dão até 3 lances por dias, dependendo do vento e das marés.  Ele percebeu que éramos turista, talvez pelas fotos rsrs, e nos deu mais dicas do lugar. Nos convidando pra Descida do Mastro, festa de Samba de Congo, em louvor a São Benedito, que ocorrerá no domingo. Na despedida, ofereceu a hospitalidade da casa dele, para o caso de queremos pernoitar no domingo, após a festa.
Volto pra barraca, e JG para o mar. A esta altura ele já tinha se enturmado com um monte de filhos de pescadores, que juntos pegavam jacaré. A tarde vem caindo, tomamos uma gostosa ducha, daqueles chuveirões gratuitos de beira mar civilizada, e pedimos a conta.
Pedi que Wesley bote numa quentinha o resto do filé com fritas. Dará uma boa janta.
Logo depois, ele chega com as iguarias acondicionadas num saco plástico. E diz, na maior simplicidade e serenidade, que eles não têm quentinhas de isopor, mas que improvisou naquele saquinho.
Pensei comigo, e qual o problema? Tiras de filé fritas e batatas não vão estragar em mais 60 minutos de direção.  E valeu demais o gesto dele, solucionando meu problema.
Aí chega o Baiano com uma sacola plástica e diz assim: “É para o senhor levar, são doze peixes, do tipo pescadinha”.
Marejei novamente as pupilas da alma. Agradeci o gesto, pedi uma foto pra documentar a cena, disse-lhe que estava em hotel e não havia como levá-las para Brasília.  
E dirigi 60 minutos com o sabor daquele gesto que emoldurava meu ser de tanto amor que recebi, daqueles simples garçons, que sabem fazer a diferença, sendo o melhor para o mundo que possam ser, e não querendo ser os melhores do mundo.
Eles foram gratos com o que tinham. Ganharam picolés, devolveram com peixes.
Peixinho fresco, pescado na frente do estabelecimento deles.  Coisa boa.  
Mas, eles me deram mais que peixes. Eles deram uma aula de gratidão.  Uma aula de humanidade.
E de cuidado com o próximo e empatia com um pai querendo dá almoço pra um filho.
Quais doze peixes ofereceremos ao nosso próximo?
Como senti e expressar de forma mais concreta a gratidão? 
O que faremos para surpreender pessoas, para ir além do combinado, do convencional, encantando-as?
Como demonstraremos melhor o nosso respeito amor para com o outro?
Wesley, Baiano e Jamile sabem estas respostas, e as fornecem com os frutos de seu próprio trabalho.

Ps. Eles não cobraram pelo arroz e salada de tomates. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores