Onde Mora o Teu Queria? (Por Ricardo de Faria Barros)




O dia amanhecera esfuziante, numa peleja do sol com as brumas, daquela que nos atrai para a cama, para contemplá-la languidamente.  E ver quem vai ganhar esta disputa, a luz, ou o resto de noite embaçada e molhada.

Mas, o Toddy, o meu Shitzu, sempre me lembra que é preciso levá-lo fazer as necessidades lá fora, e que já estou atrasado.

Então, sigo meu roteiro com ele.

Neste trajeto, sempre passo por uma escola infantil, e adoro escutar a algazarra das crianças ali chegando. Algumas, até acenam para o Toddy, que desconfiado como é, só olha pra mim sem saber como reagir àquele carinho por trás das grades.

Contudo, hoje, algo ocorreu diferente.

Não sei se foi o horário que saí, já um pouco mais tarde, beirando as 8h, mas uma cena marcou.

Uma criança vinha abraçada com a sua mamãe, em direção à portaria da escola, e falava chorando, e em voz alta, dizendo assim:

“Eu queria ir para o trabalho com você...”

A mãe nem responde, passa por mim e o Toddy, com a face tomada pela emoção. E o jovenzinho, de uns 4 anos, repete a frase, com conjugação e ênfases perfeitas, mesmo entrecortada por soluços:

“Eu queria ir para o trabalho com você...”

Aquele jovenzinho passou metade da existência dele vendo a mamãe trabalhar em casa. Com certeza, ela deve ter voltado para o trabalho presencial. E, não está sendo fácil para ele a readaptação, assim como também para quem cria animais, que se acostumaram com seus donos em casa, por dois anos.

Aquela criança tocou-me profundamente.

No seu lamento, ela sabe que não é possível, porque não usou o verbo no Presente: “Eu quero!”, fazendo uma birrenta cena.

Ela usou o pretérito imperfeito, do indicativo, e não o presente.

E, não era birra. Era uma súplica, um desejo profundo, um querer. Que a tadinha sabia que precisaria adiar, até a volta da sua mamãe para lhe pegar.

Quem tem um querer não morre jamais. Um querer nos mantém acesos. Nos coloca em rumo de algo, algo que queremos: “eu queria ir para o trabalho com você”.

E, nos ensina a adiar satisfações. Nem tudo que queremos é para agora, mas isto não invalida o querer. Nem o desqualifica. Nos impõe limites, para entender que não podemos tudo que queremos.

Quem tem um querer, tem um porquê viver.

Quem tem um querer, de algo bom que ocorreu, ou que quer que ocorra, tem o prazer na pauta, tem o sentido do desejo bem potente. E isto nos mobiliza, estimula e nos faz correr atrás, ou valorizar as coisas boas.

Aquele menininho tinha uma boa experiência da mamãe no trabalho, e queria ela novamente, que significava ela por perto dele. E como é bom isto.

Gostaria de ter abraçado aquela criança. Um abraço solidário, de quem também tem um monte de Querias.

Eu queria mais um tempo com meu pai.

Eu queria que minha cidade natal fosse mais perto.

Eu queria poder voltar à infância de meus filhos, e ter feito mais registros deles.

Jovenzinho, obrigado por me lembrar de meus Querias.

Pois, quem tem um monte de “Querias”, aprende a defender os “Eu Quero”.

E, é nos EU QUERO que vida acontece.

Nos Eu Quero, estão as coisas pelas quais lutamos, defendemos e nos esforçamos para que ocorram, mudem, e se façam presentes em nosso viver. Está a força!

Cultive sementes dos campos do Eu Quero.

E acolha as do Reino do Eu Queria. Entendendo que nem tudo que queremos é possível, mas que mesmo assim, não somos proibidos de querê-las.

No querer, habita a energia que transforma vidas, situações e ambientes, movendo o carrossel do destino.

O que você se abraça com tua mãe, ou pai, e diz que queria e que não é possível que aconteça?

Que tal acolher este sentimento de perda, de frustração? Que remodelar esta expectativa? Que tal lidar melhor com a frustração de satisfações desejadas?

Num "Eu Queria" habita o limite, a certeza que não podemos tudo, embora digamos o que era que queríamos. Talvez umas das sabedorias da vida seja a de transformar, pela nossa ação consciente, alguns Eu Queria, em Eu Quero. E alguns Eu Quero, em Eu Queria. Acolher e aguentar o tranco de desejos impossíveis. E correr atrás dos sonhos, para além das intenções. Se mexendo com foco, disciplina e esforço para que venham a ocorrer.

E onde mora o teu querer possível, consciente e libertador?

Aquele querer que te faz único, que te leva a perseguir desafios, metas, objetivos ainda tem lugar em teu ser, ou está desistindo dele?

Lembre-se que são eles, os quereres, os motores que fazem girar, para outro lado, além da apatia e inércia, o carrossel do destino.

Toddy queria passear mais um pouco, mas terá que adiar este querer, afinal eu precisava produzir este texto.

Um comentário:

  1. Eu queria, Tu queres, Ele quer. O poder do querer é imenso e nos dar esperança que podemos ir em busca de nossos sonhos. Parabéns pelo excelente texto.

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