Era papai mandando um dinheirinho pra mim.
Um tanto atônito, fiquei com o olhar fixo naquela tela por
uns instantes, me sentindo perdido, longe, saudoso e lacrimejante, tentando
entender o que ocorrera, dado que papai falecera em outubro-2021.
Então, lembrei que mamãe estava indo ao BB, sacar as cotas
partes da conta corrente e poupança de papai, como resultado do inventário, e
que aquele lançamento deveria ser o meu quinhão.
Mas, confesso-lhes que fiquei incomodado. Achava que o valor
viria da conta de mamãe, sacado por ela na boca do caixa, e depositado por ela –
como inventariante, para os filhos herdeiros, cada um com seus 16,66%.
Quisera o bom Deus que a última comunicação de papai, no
mundo terreno, quisera ser assim, ele mandando um dinheirinho para mim, e aparecendo
o seu nome em meu extrato bancário.
Outro dia escrevi um texto sobre uma criancinha que ao ser
levada para a escola, abraça a sua mãe e diz assim: “Eu queria ir com você para
o trabalho”.
Naquele texto eu disse que também tenho meus Querias.
Querias impossíveis, mas legítimos de tê-los.
O meu era mais um tempo com meu pai.
Quem já perdeu alguém que ama sabe que não adianta as
convencionais fórmulas de consolo:
- “Foi melhor para ele”.
- “Ele está no Céu”.
- “Deus deu, Deus colheu...”
- “Ele cumpriu sua jornada...”
Escutamos, com compaixão, todo mundo que nos consola com
estas frases. Que não são ditas por mal.
Mas, quem sofre com o luto da perda de uma pessoa amada,
apenas sofre.
Nada consola. Nada apaga. Nada substitui.
A saudade dela aparece ao longo do dia, em cenas variadas.
Seja em coisas do cotidiano que gostaríamos de trocar uma ideia com ela; seja
nas lembranças dos bons momentos vividos juntos.
Então, parei de lutar contra o luto de meu pai.
Agora o acolho. Deixo ele vim, converso com a dor, fantasio situações,
e ele vai ficando quietinho no fundo de minha alma.
Papai virou uma presença ausente. Está por perto e não mais me
faz sofrer. Aceito que ele se foi, e aguento o tranco de quando ele me vem à
cabeça, e me causa um buraco no coração. Daqueles de tirar o aroma, as cores e
os sons do ambiente, e que nada faz sentido naquela hora.
Assim é o luto de um amor.
Perdemos. Pronto, acabou. Não adianta ficar com metáforas,
do tipo: “ele continuará vivo...”.
Continua não!
Tá certo que sempre que lembramos de algo, trazemos-lhe ao
coração.
Mas, é bem diferente de amanhã eu acender o fogo da
churrasqueira e não ter papai por perto, escalando-se para fazer o serviço que
ele amava: botar fogo no carvão.
Amanhã estarei só, acendendo o fogo. Ele estará presente,
sim, em pensamento. Mas, não me venham com consolos banais que isto substitui.
Substitui nada!
Nem consola.
Apenas se manifesta e pronto. E eu vou acolher a saudade, a
presença dele, mesmo na ausência. Talvez chore um pouquinho, escondido do João
Gabriel (12 anos).
Às vezes me pego tendo raiva ou culpa, e também passei a
acolher estes sentimentos. Raiva de não ter ido mais vezes ficar com ele, em Campina
Grande, 2.500 km de Brasília.
Culpa de não ter dito a ele mais vezes que o amava, e o
quanto ele era importante para mim.
Então, agora não brigo mais comigo. Apenas digo pra mim
mesmo: é verdade! Tu poderia ter se esforçado e ter ido mais vezes, e também poderia
ter dito que sentia muito amor por ele.
Só digo, é verdade!
Não luto mais contra a dor da saudade, e as culpas e raivas
dela derivadas. Apenas acolho.
Perder um ente querido é como perder uma parte de nosso
corpo. Que mesmo sem ela está mais presente, na mente a sentimos como que
estivesse. Pessoas que já amputaram membros relatam isto.
É mais ou menos, guardadas as analogias e proporções, como se
sente um coração enlutado.
Então, pare de lutar contra a dor da ausência. Pare de se
agoniar com aquele amor que perdeu. Que se foi.
Apenas o acolha como parte de tua humanidade, de tua essência.
A pergunta não é: por que comigo? E sim: por que não comigo?
Paro de escrever um pouco e aceso meu extrato, para ver novamente
seu nome na minha conta, para senti-lo por perto neste Sextou.
Aceito que estou carente dele, e o escuto dizendo que se
fosse o contrário eu estaria dizendo para ele reagir.
Para botar uma roupa de sextou e dar uma voltinha de carro.
Para achar algo pra entreter a mente, deixando de fixar os tempos dos dias na
falta que o outro faz.
E papai está certo.
É preciso distrair o verbo do sofrer, achando coisas para se
entreter e retomar a vida. É preciso seguir a jangada da vida, com velas bem abertas,
aproveitando os ventos de cada amanhã, aqueles que nos projetam aos infinitos
de nós mesmos.
Mas, não é preciso seguir só.
Vem comigo papai. Fica aí na minha jangada, sendo essa presença
amiga e amorosa, incentivando-me em cada conquista. E apoiando-me a cada
derrota.
Tua presença, na ausência, é mais presente do que a de
muitos por aqui viventes.
Então, eu aceito, acolho, permito-me e renasço – num outro esboço possível, agora sem mais você!
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