Sangramentos na Saúde Mental


Recentemente, promovi uma enquete para aferir, de doze situações problemas, que drenam a energia emocional quais mais estão pesando na vida das pessoas.

Fazendo um ponto de corte em 50% delas, ou seja, verificando as seis mais votadas, algumas coisas chamam a atenção.

Ansiedade: A primeira delas, é a questão da ansiedade para com os riscos do amanhã. Creio que isto se deve ao que esta Pandemia tem deixado de sequelas em nossa percepção de futuro. Ninguém está em seu melhor normal, e fica sempre girando em nossa cabeça uma ameaça invisível que quando vamos achando que acabou, começa tudo novamente. E, com isto, não temos como construir planos para o amanhã. Nem um prosaico carnaval, ou Semana Santa, escapam desta insegurança. É como se ao começarmos a fazer projetos, chegará uma nova sigla grega pra nos agoniar: Delta... Ômicron... qual será a próxima. Também paira em nossas mentes, além das ameaças biológicas, existem as do meio ambiente. Como a  destruição dos recursos naturais. Além disto, a Humanidade tornou-se mais agressiva e muito intolerante. Acompanhe os jornais, de qualquer parte do mundo, e veja a barbárie se manifestando em cenas de insensibilidade social, e isto apavora. É como se estivéssemos sós, na multidão. E que algo de ruim estivesse escondido, na próxima esquina, preste a nos atacar. Então, estamos todos mais ansiosos com o futuro. E isto consome muita energia emocional.

Finanças: A preocupação com as contas aparece como a segunda mais votada. Quem tem mais de 40 lembra do que era o Brasil da inflação galopante e teme muito que aquilo lá volte. E, independentemente da idade, todos sentem no bolso que a inflação voltou: combustíveis, carne, taxas de juros nas alturas e preços de tudo acompanhando. Então, meio que todo mundo tá com a corda no pescoço. E quem tem financiamentos, ou empréstimos atrelados à indexação da inflação tá penando. Aliado a isto, houve uma sensível redução da oferta de novos postos de trabalho e redução no poder aquisitivo. Então, quem diz que dinheiro não traz felicidade, não leu a pesquisa que afirma isto direito. E não é bem isto que aquela célebre pesquisa descobriu. O dinheiro, quando não mais supre as necessidades de uma vida digna e com qualidade, pode ser uma fonte de insatisfação e infelicidade sim. E muito!

Insatisfação Laboral: Não acredito que tenha sido o trabalho que mudou, dos anos 80 pra cá. Acredito que quem mudou fomos nós. Que passamos a não mais idolatrar o trabalho, e a querer um significado maior daquelas horas que a ele dedicamos. Então, não se trata só do aumento da pressão por metas, equipes menores e prazos mais curtos. Isto estressa e consome o juízo. Mas, creio que no fundo o que mudou mesmo foi a nossa percepção sobre as horas ao trabalho dedicadas, e o quanto elas precisam de propósito. Antigamente a pessoa dizia que o trabalho era um fardo, e ficava carregando aquele fardo a vida toda, resignada. Hoje, temos a compreensão que de não se pode fazer isto com a própria vida: ao adiar para um dia no futuro, a felicidade. Então, creio que a insatisfação laboral tem muita relação com este novo ser humano que está nascendo, que não mais quer adiar uma promessa de felicidade futura.

Conflitos Laborais: Confesso que não esperava que este vetor de infelicidade estivesse tão bem pontuado. E isto me chama muito à atenção. E são conflitos tanto na relação da liderança, com os liderados. Como, entre os próprios liderados. Não que eu seja inocente para achar que estes conflitos não existiam. O que me marcou foi a posição de destaque deste nível de sofrimento. O que nos leva a refletir se o ambiente de trabalho não está reproduzindo um modelo de sociedade, menos inclusivo, menos tolerante e muito mais agressivo do que dantes. Imagine a sofrência que é trabalhar 8 horas do dia ao lado de pessoas mal resolvidas, emocionalmente falando, e com uma chefia com pouca inteligência emocional. É o inferno aqui na Terra. E, isto causa muitos riscos à saúde mental. Fica o alerta para nossas áreas de desenvolvimento de pessoas continuarem os investimentos em treinamentos com esta finalidade.

Dores de Brasil: Este indicador entrou no final de uma sondagem qualitativa que fiz, antes de produzir os doze itens da enquete. Este foi mais um que muito me chamou a atenção, a sua posição na enquete. Não estamos felizes com este Brasil que está aí. E, nem vou pontuar as causas-raiz desta infelicidade, pois que as mesmas compõem um verdadeiro caleidoscópio de diferentes matizes. Contudo, creio que os extremismos políticos, num Fla x Flu que nunca acaba, tira a paciência de todo mundo. Não há um projeto de nação coletivo. E, quem pense um pouquinho, para além das bolhas ideológicas onde habita, perceberá que este país está muito longe de se tornar uma Nação. E está carente de transformação social nos vários projetos de Estado, em qualquer que seja a Nação: moradia, trabalho, educação, saúde, economia, mobilidade e segurança pública.

Desgastes Amorosos: Como manter uma relação a dois saudável, sem deixar que ela seja impactada pelos 5 fatores acima descritos? Não é fácil. Creio que a Pandemia também teve sua dose de contribuição, nos desgastes das relações amorosas afetivas. E não sou dos que romantizam a vida a dois. Há períodos de esfriamento, há períodos de silêncio e rupturas. Mas, talvez o que esteja saltando os olhos é o fruto de dois anos de Pandemia na vida a dois, como as tensões derivadas de tudo relacionado com esta doença. Também houve alterações nas dinâmicas dos lares, com aumento da disputas de espaços, interesses e negociações de conflitos derivados de toda uma vida que precisou ser adaptada. Além do que as pessoas fizeram contato com suas emoções mais profundas, pelo contato frequente com o luto e o medo, e isto faz com que não se aceite – como antes se aceitava, algumas vivências a dois, esperando que o tempo as resolva por si mesmo. Não há tempo!

E,  talvez tenha sido este o principal legado que os dias quarentênicos deixaram em nós. A percepção da finitude do tempo. 

Esta enquete pode ser repetida, de forma mais científica, com a segregação dos resultados por região, sexo, idade, renda e outros dados. Mas, não foi nosso objetivo. A ideia era obter uma foto geral, da influência de doze narrativas de sofrimento - verbalizadas no contexto das reflexões proferidas pelos participantes das mais de 20 turmas do Curso Gestão das Emoções e Saúde Mental, por mim conduzidas, tanto na gestão pública como na privada. 

Tal qual uma colcha de retalhos, podemos dizer que os itens mais votados, abaixo listados, e que drenam a saúde mental,  revelam preocupações relevantes e profundamente humanas:

  • Para com o amanhã;
  • Para com o custeio (R$) do presente;
  • Para com os Sentidos do Trabalho;
  • Para com o ambiente relacional profissional
  • Para com o Brasil;
  • Para com a vida a dois.

Como a maior parte destas situações-vampiros emocionais são estruturais, com pouca transformação no curto prazo, ou pouca área de responsabilização pessoal, para sua eficaz resolução, o que a enquete sugere é que precisamos, todas e todos, fortalecer nosso autocuidado emocional. Criando resiliências, melhorando nossas capacidades e recursos pessoais internos - para acolhimento do que não se pode mudar, e coragem para o que depender de nós transformar. É preciso que cada um busque seus paliativos emocionais, coisas para relaxar a mente, para se desligar um pouco deste mundo de ocorrências difíceis, buscando momentos de paz, em meio às guerras. Existem bons paliativos: atividades físicas, meditação, práticas da espiritualidade, dedicar-se às causas sociais, engajar-se em coisinhas que quando faz sente prazer e paz, consumir muita cultura, e cultivar um monte de bons amigos. Estes itens, não excludentes de outros que tenha, são cada vez mais imprescindíveis ao cuidado com a saúde mental e bem-estar emocional positivo. 

2 comentários:

  1. Muito interessante. São mazelas desses nossos tempos. Acho importante essa abordagem em busca de identificá-las e, com isso, buscarmos os remédios para a alma, capazes de amenizá-las em prol da de cada um de nós e da coletividade. Parabéns pelo trabalho.

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  2. Muito interessante o trabalho! Parabéns!
    Afortunadamente, consegui até agora escapar de todos os pontos da hemorragia mental, menos de um: a ansiedade. Essa me devora de forma cruel, impiedosa, roubando a paz do presente e a esperança em horas melhores. Mais que isso: sabe-se que tudo é impermanente (inclusive os impérios), menos a ansiedade, que carregamos nas costas do berço ao leito de morte.
    Benditos sejam os animais irracionais cuja perspectiva de futuro quase sempre se limita à próxima cópula que vai garantir a perpetuidade da espécie, ainda que não saibam porque vale a pena seguir adiante.

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