A presença da ausência... sobre um coração enlutado. (Por Ricardo de Faria Barros)

 


A mensagem do BB, com algo entrando em minha conta, fez um plim-plim no celular. Qual a minha surpresa, dessa vez não era de débito e sim de crédito.

Era papai mandando um dinheirinho pra mim.

Um tanto atônito, fiquei com o olhar fixo naquela tela por uns instantes, me sentindo perdido, longe, saudoso e lacrimejante, tentando entender o que ocorrera, dado que papai falecera em outubro-2021.

Então, lembrei que mamãe estava indo ao BB, sacar as cotas partes da conta corrente e poupança de papai, como resultado do inventário, e que aquele lançamento deveria ser o meu quinhão.

Mas, confesso-lhes que fiquei incomodado. Achava que o valor viria da conta de mamãe, sacado por ela na boca do caixa, e depositado por ela – como inventariante, para os filhos herdeiros, cada um com seus 16,66%.

Quisera o bom Deus que a última comunicação de papai, no mundo terreno, quisera ser assim, ele mandando um dinheirinho para mim, e aparecendo o seu nome em meu extrato bancário.

Outro dia escrevi um texto sobre uma criancinha que ao ser levada para a escola, abraça a sua mãe e diz assim: “Eu queria ir com você para o trabalho”.

Naquele texto eu disse que também tenho meus Querias. Querias impossíveis, mas legítimos de tê-los.

O meu era mais um tempo com meu pai.

Quem já perdeu alguém que ama sabe que não adianta as convencionais fórmulas de consolo:

- “Foi melhor para ele”.

- “Ele está no Céu”.

- “Deus deu, Deus colheu...”

- “Ele cumpriu sua jornada...”

Escutamos, com compaixão, todo mundo que nos consola com estas frases. Que não são ditas por mal.

Mas, quem sofre com o luto da perda de uma pessoa amada, apenas sofre.

Nada consola. Nada apaga. Nada substitui.

A saudade dela aparece ao longo do dia, em cenas variadas. Seja em coisas do cotidiano que gostaríamos de trocar uma ideia com ela; seja nas lembranças dos bons momentos vividos juntos.

Então, parei de lutar contra o luto de meu pai.

Agora o acolho. Deixo ele vim, converso com a dor, fantasio situações, e ele vai ficando quietinho no fundo de minha alma.

Papai virou uma presença ausente. Está por perto e não mais me faz sofrer. Aceito que ele se foi, e aguento o tranco de quando ele me vem à cabeça, e me causa um buraco no coração. Daqueles de tirar o aroma, as cores e os sons do ambiente, e que nada faz sentido naquela hora.

Assim é o luto de um amor.

Perdemos. Pronto, acabou. Não adianta ficar com metáforas, do tipo: “ele continuará vivo...”.

Continua não!

Tá certo que sempre que lembramos de algo, trazemos-lhe ao coração.

Mas, é bem diferente de amanhã eu acender o fogo da churrasqueira e não ter papai por perto, escalando-se para fazer o serviço que ele amava: botar fogo no carvão.

Amanhã estarei só, acendendo o fogo. Ele estará presente, sim, em pensamento. Mas, não me venham com consolos banais que isto substitui. Substitui nada!

Nem consola.

Apenas se manifesta e pronto. E eu vou acolher a saudade, a presença dele, mesmo na ausência. Talvez chore um pouquinho, escondido do João Gabriel (12 anos).

Às vezes me pego tendo raiva ou culpa, e também passei a acolher estes sentimentos. Raiva de não ter ido mais vezes ficar com ele, em Campina Grande, 2.500 km de Brasília.

Culpa de não ter dito a ele mais vezes que o amava, e o quanto ele era importante para mim.

Então, agora não brigo mais comigo. Apenas digo pra mim mesmo: é verdade! Tu poderia ter se esforçado e ter ido mais vezes, e também poderia ter dito que sentia muito amor por ele.

Só digo, é verdade!

Não luto mais contra a dor da saudade, e as culpas e raivas dela derivadas. Apenas acolho.

Perder um ente querido é como perder uma parte de nosso corpo. Que mesmo sem ela está mais presente, na mente a sentimos como que estivesse. Pessoas que já amputaram membros relatam isto.

É mais ou menos, guardadas as analogias e proporções, como se sente um coração enlutado.

Então, pare de lutar contra a dor da ausência. Pare de se agoniar com aquele amor que perdeu. Que se foi.

Apenas o acolha como parte de tua humanidade, de tua essência.

A pergunta não é: por que comigo? E sim: por que não comigo?

Paro de escrever um pouco e aceso meu extrato, para ver novamente seu nome na minha conta, para senti-lo por perto neste Sextou.

Aceito que estou carente dele, e o escuto dizendo que se fosse o contrário eu estaria dizendo para ele reagir.

Para botar uma roupa de sextou e dar uma voltinha de carro. Para achar algo pra entreter a mente, deixando de fixar os tempos dos dias na falta que o outro faz.

E papai está certo.

É preciso distrair o verbo do sofrer, achando coisas para se entreter e retomar a vida. É preciso seguir a jangada da vida, com velas bem abertas, aproveitando os ventos de cada amanhã, aqueles que nos projetam aos infinitos de nós mesmos.

Mas, não é preciso seguir só.

Vem comigo papai. Fica aí na minha jangada, sendo essa presença amiga e amorosa, incentivando-me em cada conquista. E apoiando-me a cada derrota.

Tua presença, na ausência, é mais presente do que a de muitos por aqui viventes.

Então, eu aceito, acolho, permito-me e renasço – num outro esboço possível, agora sem mais você!



Um comentário:

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores