O Peladão da Ponte JK


Todos os dias passo por este homem nu, na calçada de uma avenida próxima à terceira ponte do Lago, a JK.
Por ali circulam milhares de veículos dia, e todos cruzam com o peladão e seu bilau descaradamente à mostra.
O peladão faz parte da exposição de Antony Gormley – Corpos Presentes, que são esculturas feitas a partir do corpo dele, expostas aqui em Brasília no Centro Cultural Banco do Brasil.
Curiosamente, todos os dias o peladão acorda vestido com algo. Divirto-me procurando adivinhar qual a vestimenta do dia.
Já botaram nele touca de Papai Noel, boné, calcinha, cueca, sutiã, camisa de clube esportivo, camisa do BB.
Quando não botam nada, cobrem o pinto do bem dotado Antony.
Hoje a criatividade dos salva-peladão teve um toque de moda inglesa, colocou-lhe um chapéu vistoso, do tipo cartola, e o peladão ficou tal qual um lorde inglês.
Então, não me contive e fui tirar esta foto. Perto dele, senti um pouco do que ele deve sentir ao ficar exposto a olhares maledicentes, a hipocrisias, a falsos puritanismos, ou moralismos de todas as formas.
Senti pena dele. Desnudo.
Não é um desnudo ligado a alguma tribo natureza. Para os quais há sempre um olhar complacente e até de empatia.
É um desnudo por artimanha de seu criador, que para provocar-nos à reflexão, assim o concebeu.
Pensei que assim acontece quando vamos perdendo os elementos que nos estruturam como pessoa e nos dão identidade. Tal qual a nós próprios, antes de mães caridosas acorrerem com fraldas e cueiros, folhas de parreira modernosas.
Todos mais cedo ou mais tarde podemos ter vergonha, medo da exposição e temor.
Precisamos de vestimentas para nos constituir como pessoa.
Elas protegem do frio, da vergonha, do medo da exposição de nosso corpo ao léu e de que algo aconteça com nossas partes mais íntimas.
Em qualquer que seja a civilização, lá estará presente a moda, a nos revelar e a criar identidades tribais.
Ao peladão de ferro, coitado, resta esperar que algum solidário transeunte lhe salve do vexame.
Cada um desses, à sua maneira, empresta-lhes um pouco de honra e dignidade.
A moda é apenas uma linguagem, uma linguagem que nos torna alguém. O fato de está nu é uma provocação a todos os que se sentem assim, nus, marginais, expostos.
Sua expressão desnuda remete a um homem à procura.
Um Homem sem roupa. Aquele eroticamente despido – de falo imponente, sobre olhares de ira dos que se sentem atingidos pela sua postura ereta.
Lembrei-me de pessoas que sofreram esta “desnudação” pública e que sofreram. Um que foi denunciado por uns andarilhos que guardavam carro num supermercado de que tinha aliciado um menor. Outro que foi denunciado por uma mulher com quem vivia de ter molestado sua filha, querendo auferir ganhos em contendas judiciais.
Nos dois casos, após investigações, apurou-se que ele fora vítima de armações.
Mas aí já era.
A velocidade da calúnia, da notícia ruim, do boato mundo cão, só perde, e por muito pouco, da velocidade da luz.
Ambos ficaram desnudos. Aos olhos dos outros perderam a dignidade e honra essência de que se constituem os Homens de bem.
Aos olhos de si mesmos, embora saibam o que de fato fizeram, ficaram magoados, deprimidos, isolados, e entristecidos com a forma pela qual foram tratados, abordados, e até agredidos subjetivamente.
Ando me sentindo como o peladão.
Recentemente fiz uma carta aos funcionários que acompanho num programa de treinamento de 12 meses.
Escrevi-lhes um e-mail-epistolar, particular, íntimo e amoroso, quase paternal.
Este fora escrito dentro de um determinado contexto de referência, a partir de feedbacks recebidos do próprio grupo, e com base num arranjo relacional instituído ao longo de 12 meses.
Havia o pretexto, o contexto e o texto. Sou o gestor de um grupo em formação e é legítimo que me dirija a este grupo. Infelizmente pessoas fora deste contexto tiveram acesso ao texto, desconhecendo o pretexto, e o interpretaram à luz de suas próprias realidades, distorcendo o seu sentido. Ou extraindo partes do mesmo, para tratá-los ao sabor de sua ira.
A partir daí, a palavra mais doce que ouvi foi de fascista. A Carta do Ricardim virou top-five dos assuntos discutidos em redes sociais, e em recintos do local no qual trabalho.
Pessoas que não me conhecem começaram a achincalhar meu nome, ou tecer comentários ofensivos à minha honra, numa violência digital que beira ao assédio.
Aos poucos que me pediram explicações não me furtei em dá-las, mas, estes foram poucos.
A horda gosta de sangue. E passou a me atacar como se eu a ela lhe tivesse se dirigido, ou as citado expressamente.
Para quem tem na ética um valor. Na honra e dignidade um patrimônio, único bem de assalariados sério - torna-se o alvo de impropérios públicos machuca.
Mais do que perder o afeto, a confiança, o respeito de quem interpretou o texto como uma subliminar mensagem contra seu grupo ou posição ideológica, doe o não poder defender-se a contento pela velocidade virulenta dos ataques.
O que era para ser uma carta de amor, de um gestor que se coloca como pai para os ingressos no seu local de trabalho, acabou por se tornar um manifesto contra o trabalhador. Uma pena!

Estes dias estão sendo difíceis. Ando pelos corredores achando que alguém vem me atacar, mesmo que com palavras. Cabisbaixo, triste e angustiado pelos rumos que as coisas tomaram e com ansiedade para com o futuro que poderão tomar.

Para quem tem vergonha na cara, isto incomoda.

Por isso solidarizei-me com quem botou esta cartola no peladão.

Sem querer restituem-lhe um pouco de sua honra, dão a ele certo glamour. Assim como o que tentou cobrir suas partes pudicas, ou aquele que vestiu com um simulacro de um fraque.
Assim são as pessoas que se aproximam das vítimas de calúnias, imprecações e violência moral e lhes prestam apoio.
Ultimamente tive muitas delas.
Sou um felizardo, um abençoado por Deus.
Delas recebi cartolas, fraques, botas, calças, meias, cuecas, estou quase refeito exteriormente.
Estas vestimentas vieram a mim revestidas de um abraço, de um e-mail, um telefonema.
E, veste a veste, gesto a gesto, empatia a empatia, a dignidade e honra vão se moldando novamente, tal qual os adereços que colocam diariamente no peladão da Ponte JK.

Um empresta seus remédios, outro suas preces, outro liga para seu médico, outro se coloca a disposição para esclarecer mal-entendidos, outro manda um SMS.
Já outro lhe diz que lhe ama, outro sai em sua defesa publicamente. Outros ligam e perguntam se precisa de algo.

Vi agora como estes pequenos gestos, para quem viveu este tipo de estresse, favorece ao retorno do ser a si mesmo. Ajudam a religar o GPS interior que nestas ocasiões fica zureta.
Emprestam almas a um cansado-zumbi vagante.

Dão condições favoráveis para que ele se vista em seu interior. Reconfigure-se pleno de sentido. Minimizando o estresse pós-traumático.
Aos amigos e amigas obrigado.
Agora só preciso de um tempo para me vestir, lá no interior.

E, agora é comigo e com Aquele lá de cima.

Para os que trilham na verdade e justiça, o amor os liberta.

Os tece com as linhas e tecidos do melhor e exímio Alfaiate, o bom Deus.

Só Ele sabe preencher com rasgos de eternidade, os vazios deixados no interior de quem sofre.

Uma canção gospel me falou muito nestes últimos dias, chamada Deus do Impossível:

“Quando tudo diz que não
Sua voz me encoraja a prosseguir
Quando tudo diz que não
Ou parece que o mar não vai se abrir
Sei que não estou só
E o que dizes sobre mim
Não pode se frustar
Venha em meu favor
E cumpra em mim Teu querer
Deus do impossível
Não desistiu de mim
Sua destra me sustenta
E me faz prevalecer”

Por algum tempo pessoas que sofrem estes tipos de ataques difamatórios adquire um sobrenome indigesto. Fulano do Menino do Estacionamento; Sicrano, do Incesto... Ricardim, Aquele da Carta.

Conviver com este sobrenome, por uns tempos, suga a energia da pessoa.
E, quando vai se esquecendo e tocando a vida, sempre aparece alguém para requentar a história, pede detalhes e lá vem tudo novamente.

De agora em diante, não deixarei mais Homens desnudos ao meu redor.
Serei o primeiro a colocar-lhe uma cartola inglesa, para emprestar-lhe um pouco de honra e dignidade, enquanto se refaz da exposição pública que o entristeceu.
Direi, acredito em sua índole, conte comigo para ser mais um dos elos na corrente virtuosa para sua restauração.  A corrente do bem.

3 comentários:

  1. ...POSTURA DE UM VERDADEIRO HOMEM DO BEM!!!!!FORÇA!!!

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  2. Aprendi de um grande pastor que a tristeza para os que creem só dura uma noite e que devemos nos alegrar no Senhor. Portanto, registro... Deus no controle!

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  3. Excelente Ricardim! Belas palavras. Acredite que Muitos te apóiam

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