# Filtros Emocionais



          

Eu estava com um problema em meu quintal.

Toda a água da chuva que nele caía - por causa do declive do terreno - escorria para o lote do vizinho. Como ele está construindo, tratei logo de encanar minhas águas fluviais fazendo com que as mesmas fossem cair na outra rua.

Gastei uma nota em tubos e conexões, mas, fiz a minha parte na união entre vizinhos. Podia ter deixado pra lá, ele que cuidasse em canalizá-las, conforme manda os normativos sobre águas entre vizinhos. Mas, entre a moral e a ética, fiquei com a ética.

E, quando um não quer, dois não brigam.

Fiz a obra, e a contemplei nesse final de semana. Todo orgulhoso da engenharia e funcionalidade do projeto finalizado. Minhas águas fluviais passarão por baixo da terra, faceando o muro do vizinho, e encanadas em tubos enormes de 150mm, por uns 40 metros até encontrarem-se com a caixa coletora de águas fluviais da outra rua.

Porém, algo faltava no projeto.

Descobri esse algo, quando JG levou uns cocorotes por ter jogado um monte de tranqueiras dentro da minha caixa coletora.

Era pau, pedra, resto de ossos e brinquedos.

Olhei para aquela sujeira e imaginei que com o tempo, de tantas folhas secas que as águas levariam para o fundo do poço, os canos acabariam ficando entupidos. Sem querer o João Gabriel (o JG) salvou meu projeto. É que faltava algo para que aquela caixa não ficasse entupida, até mesmo com pouco uso.

Então, lembrei-me de algumas aulas de Eng. Civil, que mal e porcamente assistira na adolescência, e projetei um filtro rústico. Primeiro as pedras maiores, do tipo brita 2. Depois a brita 1, depois areia grossa e por último areia fina.

Aquilo seria suficiente para filtrar as folhas, galhos, brinquedos e peraltices do JG? Tudo isso no caminho das águas, e que fatalmente seriam carregados para o fundo da caixa coletora, dificultando o fluxo das águas.

Aquele buraco é o nosso coração.

Todos os dias um rio de águas o invade. Faz parte de nosso viver. Muitas delas vêm com detritos, com impurezas, com agressões. Precisamos de filtros para as emoções que descarregam em nossos corações.

Lembro-me de ter ficado todo animado ao abrir uma mercadoria que comprei nesses sites da China e que levam uns 60 dias para chegarem aqui. Já tava até dando por perdida. Era um lindo vestido preto, com strass brilhantes.

Presenteei minha mulher com ele. Ela olhou-me com uma cara de "o que é isso"?

E soltou um: "Eu é que não vou usar esse vestido de periguete!".
Senti a fisgada. Senti a podridão social querendo invadir meu coração. Entupir minha caixa emocional.

E, ativei a primeira camada do filtro, a primeira barreira emocional. A primeira camada de defesa emocional, a do filtro ou blindagem, e a do Humor. Que corresponde na analogia à areia fina.

Ela impediu que aquele dissabor entrasse em meu coração. O filtro Areia Fina é o do humor, é o de não levar-se tão a sério, ou desconsiderar a opinião do outro sobre nós mesmos. É o relevar.
Fiquei pensando: "Você daria uma periguete linda, com esse vestido, numa noite de amor!".
Só pensei! Tenho 10% de juízo. Ainda...
No dia seguinte, falei do fora que tomei para minhas amigas no trabalho e rimos à beça.
O outro filtro é o da Areia Grossa. A coisa ruim que recebemos consegue passar pela areia fina, mas é detido pela areia grossa.

Estava esperando a hora de ser atendido, na ante-sala da Diretoria e elogiei os olhos pintados de uma das nossas telefonistas.

Fiz em tom alto, no meio de outras colegas de trabalho que também ali estavam.

Não cochichei um galanteio no ouvido dela. Fiz para todos ouvirem que ela estava bonita, com aquele rímel nos olhos. Ela acenou sorrindo e agradeceu ser reconhecida.

Ao meu lado, uma amiga disse-me: "Comporte-se. Se eu fosse tua esposa não gostaria disso." Fiquei sem graça. Eu não estava cantando a telefonista. Fora apenas um elogio fraterno. Mas, fui mal compreendido.

Ativei a segunda camada, a da Areia Grossa, e consegui deter o soco afetivo usando a Empatia. A Empatia filtra toxinas emocionais moldando nosso agir, nosso olhar, o nosso escutar ao mundo do outro. Procurando as suas razões, e não as nossas. Sem achar que ele ganhou a briga. Que ele nos venceu.

Acolhemos o ponto de vista do outro sem nos sentirmos derrotados.

Procurei colocar-me dentro do ponto de vista dela, por mais estranho que me parecesse, e encontrar razões sobre a sua perspectiva, não precisava convencê-la de nada. Só acolher seu feedback e tentar extrair dele algum ensinamento.

Mordendo a língua, de constrangido com o comentário, falei-lhe que não se tratava do que ela estava pensando. Que costumo elogiar a beleza, sem segundas intenções. Que a isso chamo de sinceridade, ou autenticidade.

Pronto! Não precisei derrotá-la, agredi-la, encerrar nossa amizade, tratá-la mal. Coloquei meu ponto de vista, acolhi o dela, e bola pra frente.

A empatia é um poderoso filtro para deter que tranqueiras emocionais venham a entupir as artérias de nosso coração, numa espécie de esclerose afetiva.

O humor, a empatia...

A terceira camada, ou barreira, é o Amor Próprio.

Lembro-me que, quando algumas pessoas me diziam o quanto se sentiam apequenadas pelos preconceitos com seus sotaques e locais de nascença, o quanto aquilo me soava estranho.

Não deixo esse tipo de coisa entrar no poço de meu coração. E lembrei-me da Brita 1 (espécie de pedra miúda, usada para fazer concreto) ela faz a terceira camada de proteção.

Que me importa se alguns caçoam de meu sotaque paraibano? Ou, quando pejorativamente, me chamam: Ô Paraíba!

Que me importa? Amor próprio é terceira camada que filtra agressões insanas que recebemos pela nossa raça, opção sexual, credo, ou diferenças de todos os tipos.

Gosto de meu sotaque, de minha barriga, de meu dente torto (que um dia quis consertar e depois deixei pra lá), gosto até de meu cabelo rareando.

Gosto de meu estado, cidade. Mas, gosto de todos os outros também. Não sou exclusivista. Gosto de todo canto e lugar, desde que nele tenha gente.

A última camada purificadora de nosso ser – a quarta - é a da brita 2: a da Amorosidade. Que é traduzida em gestos, comportamentos, pensamentos e expressões de esperança, otimismo, gentileza, delicadeza, fraternidade, mansidão, bondade, doação, compaixão e misericórdia.

A quarta camada é aquela que quando tudo dá errado, quando a agressão emocional que sofremos consegue atravessar as três camadas de valores que protegem a nossa sanidade mental: o humor, a empatia e atua e barra o agente invasor.

Hoje me reuni com meus funcionários e falei dessa camada.

Do quanto precisamos botar amor como elemento estruturante em tudo que fazemos. Um amor completo que nos torna humano demais.

No dia a dia das organizações, principalmente em áreas com forte interface com clientes - internos ou externos, as pessoas tendem a ficarem frias, metódicas, sem envolvimento afetivo, no piloto automático. De tanto levarem bordoadas dos clientes, vão se fechando. Perdendo o filtro da quarta camada, o do amor. E deixando que tudo que sofrem de desamor, ódio, acusações, calúnias, vá entrando em seus corações.

O pior é que esse lixo venenoso que nele adentra vai nos moldando à imagem e semelhança do meio no qual vivemos. E, sem perceber, vamos ficando ruins, severos demais, tiranos demais. Os clientes passam a ser objeto de piadas, de bravatas, de contendas devolutivas que nele damos.

Nos relacionamentos, essa camada quando falha, faz adentrar tudo que não presta no outro e em nós causa impacto.

Passamos a ser tão exigentes com o outro, e até conosco mesmo, que inviabilizamos nosso crescimento existencial, entrando numa espécie de letargia do ser. Tudo passa a ser motivo de discórdia, de pavio curto, de estranhamento. Não filtramos com a Brita 2 aquilo que nos agride, aprisiona, machuca e oprime.

A caixa do coração vai se entupindo de tudo que não presta e o fluxo de nosso bem viver, os canos que levam o afeto, não conseguem mais escoar de tanta lama.

Perdemos a pureza das fontes cristalinas. Vamos nos encharcando de tanto ódio, ressentimentos, perdões nunca dados, nunca recebidos, mágoas, culpas, vinganças e pequenez humana. Ficamos tal qual a caixa de águas fluviais, após os lixos jogados nela por JG, entupidos emocionalmente.

Sem conseguirmos mais fluir em nossas vidas os rios da paz, do otimismo, da solidariedade e da esperança.

Vamos nos escondendo atrás de processos, regulamentos, normas de qualquer tipo para dizer não que pode, não posso, ou simplesmente desconsiderar o outro que em nós, procura uma saída.

Todos os dias, na enxurrada de nossas vidas, temos um monte de coisas estragadas adentrando nossos corações. Podemos erguer barreiras fitossanitárias emocionais em nossos corações, processando melhor os sentimentos que nele adentram. Ajudar a purificá-los, desintoxicá-los e rejuvenescê-los com águas limpas, nas suas quatro camadas de filtro: areia fina (humor); areia grossa (empatia), brita I (amor próprio) e a brita II (amor).

Não sem razão as pedras grandes deverão ser colocadas primeiro. As pedras grandes são oriundas de nossos atos de amor para com a família, o trabalho, a fé, os amigos e as pessoas que nos rodeiam. A quarta camada é aquela que, quando tudo falhar, ela segura nossas pontas e não nos deixam apodrecer. E não deixa juntar água impura, fétida, no lastro ou fundo de nossos corações. É a da amorosidade do agir, do sentir e do expressar.



4 comentários:

  1. Amigo Ricardim, que texto maravilhoso!!! Adorei... entrou fundo em meu coração! Estou aprendendo usar esses filtros dia a dia, exatamente assim. O humor é muito eficiente, a empatia nem se fala, amor-próprio é a chave e a amorosidade... ahhh essa é a base de tudo!!! Ótimo texto, obrigada por compartilhar seus dons conosco!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Amiga, você me emociona. Pessoa sensível que é, teu elogio enche minha alma de júbilo.

      Excluir
  2. Adorei cada detalhe. Aliás sou pessoa dos detalhes e vejo neles o maior sentido da vida. Lindo texto!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Minha amiga, como é bom receber um retorno sobre os filhos que produzimos. Muito obrigado.

      Excluir

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores