Cartas ao JG - Celebrando o quase lá!




Ao longe, escutava você estudar com sua mãe para a última prova que teria: a de Judô.
Durante a semana, acompanhei tua frustração em não ter “passado de faixa”, na primeira avaliação que fez. Nela, você não soube o nome de algumas palavras do dialeto judô.
Sua preocupação era grande, e sua mãe pacientemente tomava-lhe a lição.
E tome palavras estranhas sendo repetidas à exaustão para que você as assimilassem, do tipo dos nomes das peças do traje (“Obi, Eri”..); os numerais ( “Iti, Ni”...) e como se chamam alguns dos movimentos que pratica (“Zai, Fusegui”...).
Fiquei rindo à tôa com tanta dedicação, de ambos: mãe e filho, para superar esse desafio.
A prova era na segunda, quem iria te buscar era eu.
Cheguei apreensivo.
Vi que saia uns alunos com o Quimono na mão, e você nada de sair.
Uns sentaram-se ao meu lado. Perguntei-lhes se tinha visto você. Responderam que você ia bem na avaliação.
De repente você aparece e me pergunta se eu posso ir contigo em Águas Claras-DF comprar uma nova faixa: Branca-Cinza.
Você está radiante. Eu, desconfiado. Aproveito que você vai se despedir de uma a amiguinha, e pergunto a um grandão que estava ao meu lado: “Tem mesmo Branco-Cinza, ou foi para consolá-lo que o professor assim agiu? ”
O grandão diz que tem: “ pelo conhecimento e técnica ele já é faixa Cinza. Mas, pela idade é Branca ainda. ”
Fiz cara de entendido e soltei um: ahhh!!!
JG voltou para casa eufórico. E aquilo me contagiou. Mas tarde entrei num site de Judô e descobri que existem gradações de faixa para os pequenos, que são função do tempo de faixa anterior e da idade, do tipo:
Cinza-Azul (de 7 para 8 anos); Azul-Amarelo (de 8 para 9 anos); Amarelo-Laranja (de 9 anos para dez anos)
Filho, que sabedoria milenar prendi com tua mudança de faixa!
Aprendi que nem sempre já conseguimos ser o primeiro, vencer algo e pular de fase, mas que o importante é o “viés de alta”, ou tendência, que ao se acreditar e investir mais um pouco, no teu caso de idade, atingirá o objetivo e receberá como prêmio a faixa Cinza.
Que lição!
Sabe filho, durante muitas coisas em teu viver lembre-se do dia em que ganhou a faixa Branca-Cinza!
Lembre-se, repito, e guarde esse dia com carinho!
Como seríamos melhores como pais, professores, gerentes e líderes se acreditássemos que entre o sim e o não existe o mais ou menos.
E que, muitas das vezes o mais ou menos está excelente, uma vez que indica um caminho de possibilidades que já se está descortinando.
Veja filho, você nem é faixa Branca, nem Cinza, é Branca e Cinza.
É um pouco das duas.
Queremos nessa busca frenética por resultados sempre o pódio.
Vamos nos educando para desprezar tudo que não seja o 10. A medalha de ouro.
Desprezamos assim as alegrias provisórias, pequenas, não completas em tudo que esperávamos dela. As bonitezas das brevidades da vida.
Criamos uma enorme expectativa sobre nós mesmos, os outros e a vida; e para estarmos bem ansiamos que elas sejam plenamente atingidas.
Desaprendemos a vibrar e celebrar o “quase”. Veja o exemplo abaixo, de quem um dia me procurou chateado pela reforma do apartamento ter atrasado. Essa pessoa estava visivelmente aborrecida. O natal seria com poeira de obra em seu lar.
A construção dela não terminou em 2015. Aí, como em muitas coisas em nosso viver, para as quais a construção ainda não terminou, ficamos nervosos, e chateados com a “casa empoeirada”. E aí, cegamos de desgosto. Perdendo a oportunidade de celebrar o que já foi feito, e “esperançar” o que ainda falta fazer. Foca-se no que falta. E não no que ainda sobra.
Chamo a isto, filho meu, de contabilizar perdas.
Ficamos craques nisso.
Vamos aprendendo a modelar nosso cérebro, e suas respostas emocionais, a uma vida de expectativas superdimensionada.
E, dia a dia, vamos alimentando padrões de comportamento que virarão hábitos. Hábitos infelizes, que depois de criados, regularam o modelo de funcionamento de nosso ser, programando-o à infelicidade.
Existe saída?
Sim, filho meu. O pensamento e ação sobre o mundo do tipo Faixa Branca-Cinza é uma delas.
Esse pensamento acredita no potencial, no vir-a-ser, nutre esperanças vadias nos quintais de nosso coração.
Esse agir sobre o mundo não desiste quando não vence, prepara-se melhor para os próximos desafios e comemora o que ainda conseguiu.
Não é uma postura alienada. Antes disso, trata-se de uma postura revolucionária: quer atitude mais revolucionária do que a de alegrar-se com o que já tem; e confiar – operando para tal, em na construção de um futuro melhor?
Como seria bom se pais, professores, gestores e líderes, de todos os tipos, reconhecessem em seus funcionários desempenhos Branco-Cinza, ao invés de dizer a eles que ainda não estão reparados para a Faixa Cinza.
Quantas coisas boas quem migra do branco para o cinza já conquistou que vale a gradação!
Vale o reconhecimento do caminho, muito mais importante do que o do alvo.
Nessa sociedade que idolatra o consumo, a marca, a ostentação, cujas marcas são o vazio existencial, a ambição desmedida e o individualismo exacerbado, o Judô nos ensina muito.
Ensina-nos a não receber uma penalidade máxima, o HANSOKU-MAKE, da vida.
Penalidade emocional que recebemos por termos desaprendido a conviver, comungar, respeitar e a contribuir para um coletivo comum mais ético, fraterno e justo.
No qual, entre o Branco e o Cinza, há o Branco-Cinza.
Agora vou comprar tua faixa.
Será minha faixa também como teu pai. É que não me sinto tirando 10 como teu pai. E vinha ficando triste.
Mas, agora alegro-me. Estou com viés de alta para mudar para faixa Cinza.
É só investir mais tempo.
Mas, já sou faixa Branca-Cinza como pai. Já mudei da Branca.
Viva!!!

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