Brasil, nunca mais Esmolé!


Uma das cenas que vez ou outra voltam à minha mente, e olhe que meu cérebro é amnésico, é a de batidas de palmas na porta de meu lar, vindas da calçada, quando de minha infância e juventude, uns 35 anos atrás.
Eu escuto aquelas palmas até hoje.
Às palmas, sucedia-se um grito em forma de lamento:
"Ô de casa, uma esmolinha por amor de Deus”.
Nessa hora, mamãe ou Nininha, mandava o moleque que estava mais próximo ir buscar a lata do pedinte.
Àquela época chamávamos eles de "Esmolé".
Eu saia para calçada, e aqueles olhos que se negavam a me olhar entregavam-me uma lata: de doce, de manteiga, de queijo, e, em algumas vezes, até de tinta.
Os menos miseráveis tinha mais de um tipo de lata, nos quais iam separando os alimentos por tipo.
Mas, em muitas vezes, a lata ficava com tudo misturado dentro, mais parecendo um sopão.
Algumas delas já cheirando forte.
Minha mãe, ou Nininha, pacientemente colocavam os restos das refeições ainda aproveitáveis – acomodando-as na lata, ou em sacos plásticos, para não se misturarem ao que ali já continha, caso já viessem com algo.
A lata era tampada, e eu corria para entregá-la novamente.
Alguns desse pedintes traziam seus filhos, de minha idade, e eu ao vê-los ficava mais triste ainda.
Isso era comum nas ruas do bairro da Prata, em Campina Grande-PB, nos idos nos anos 70.
Eles, com o resto de dignidade que ainda tinham, negavam-se a comer na calçada, num prato feito. O objetivo era levar para casa, certamente para alimentar mais alguns e guardar as sobras.
Que grandeza, na miséria!
Aquilo repetia-se todos os dias, e como numa romaria cadenciada, um passava, depois outro... depois.
E, e noite adentro, palmas novamente.
Mamãe ia juntando o que dava para doar e distribuía entre tantas latas.
Mas, o que mais me doía era quando da cozinha lá de casa, ouvia a resposta ao pedido de: “uma esmolinha por amor de Deus”.
- Perdoe, passe outra hora... não tem mais nada.
Em algumas vezes, ouvia após as palmas: "não é ninguém não, é um Esmolé."
Não era assim nominado por maldade, era uma simplicidade em descrever o invisível, o indescritível.
Nunca me conformei com a exclusão daqueles molambos em forma de gente.
Durante toda a minha juventude e “adultescência”, sonhei e lutei para que um dia eu não escutasse mais aquelas palmas.
Décadas depois, esses dias chegaram. Já não escuto, quando visito a casa de meus pais, o lamento: “Uma esmolinha por amor de Deus”.
Espero que esses tempos de trevas que nosso país viveu – de um verdadeiro Apartheid econômico e social - com a falsa promessa de esperar o bolo crescer para depois distribuir, não voltem jamais!

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