Flores do Cerrado, à beira da jornada.


Fernanda faz tapioca, preparando seu café da manhã, cuidando de si mesma. Ela me diz que faço falta. Aline, arruma engradados de plástico de cerveja, cobre-os com uma tábua, e os forra com um pano florido.
Se afasta um pouco, olha para mim e dispara: “É feia, mas arrumada fica bonita”.
E começa a arrumar os pertences de feira-livre: bolo da mandioca, leite fresco tirado na madrugada, engarrafados em pets charmosas, e uns potes de farofa caseira.
Seu pai diz que a mesa vai cair dos engradados, ela fala: “Cadê seu otimismo, pai?”
Comento com sr. Darcy que vou levando pra casa um limão galego que ganhei de Dona Maria, e que ele dará três doses de cachaça.
Ele então abre um saco plástico e pega debaixo de sua banca mais uns 5 e me presenteia.
Volto pra casa e paro pra fotografar as flores do cerrado, esparramadas em cima de uma pequena barreira, no aceiro, á beira do caminho.
A tapioca acompanha-me com seu aroma pelo caminho, aroma de vida, gostinho de esperança.
Você já viu a arte que existe em fazer tapioca?
Gosto de quem sabe fazer tapioca, geralmente pessoas sensíveis e lindas - interiormente falando, pessoas estressadas e más não conseguem fazer tapioca. Essa é minha tese.
As flores de beira de estrada estão magníficas.
Sem trato algum, ali no tórrido solo, sem uma gota de água, há tempos, elas desabrocham esplendorosas.
Volto para casa com cheiro de flor, de afeto de mesas arrumadas e de tapioca.
No ponto de ônibus, vejo um jovem casal com um filho nos seus braços, fazendo uma self antes do passeio domingueiro. Há cheiro de vida por todos os lados. É só prestar atenção.
Quando sua vida estiver estragada num ponto, ou em mais de um, imagine por exemplo sua relação com o trabalho, ou com sua família, ou até com sua pareia afetiva.
Imagine uma situação em sua vida que não esteja legal, que o pesar sobre ela te acompanha até no chuveiro.
Imaginou?
Eu te digo, olhe as flores que restam à beira do caminho. Olhe o casal que faz self. Olhe o limão que Sr. Darcy me oferece. Olhe Fernanda.
Quando estamos nos sentindo com azia emocional, como quem comeu algo e não fez a digestão direito, o sonrissal é olhar a vida que ainda acontece à margem das preocupações e decepções cotidianas.
O problema é que o estresse e aflição turvam a visão. Eliminam sons, cheiros, tons, fantasias e alegrias vadias. O excesso de estresse anula a vida. Contudo, ele na medida certa ele nos faz crescer.
Costumo dizer que pra olhar a vida acontecendo ao lado, a tapioca, o pano de mesa florido da feirante, é preciso uma decisão racional.
A decisão de colocar no foco da vida também o bom, o belo e o virtuoso.
Pois, se focarmos apenas no que está nos fazendo infelizes, vamos murchando.
Fenecendo qual flor de tulipa após comprada no mercado.
Sempre que consigo olhar as beiradas da vida, mesmo com o problemas cotidianos, fico muito feliz.
Foi um árduo aprendizado, nem sempre com notas boas nessa disciplina.
Balu (o labrador) espreguica-se no gramado.
Um cheiro de feijão verde cozinhando invade meu ser. Uma amiga zapeou e disse que tem um evento acontecendo em Brasília que é minha cara.
Papai, tira a camisa e toma a primeira. Aproveitando pra provar o caldo de feijão.
JG, sob protestos, sobe para estudar.
No som xingling, Cartola diz que as rosas exalam o perfume que vem de você.
De você que pela avenida do entorno torna nossa vida melhor, de você amigo, amiga, vizinho, feirante, casal e filho no self...
Você que nos faz, apesar dos pesares, ainda nos sentir amados e gente grade.
Quanto à tapioca, boa mesmo é comida numa rede preguiçosa, com uma amiga e bela presença balançando-a, e ouvindo o disco de Xangai: Qué Qui Tu Tem Canário?
Vamos lá, você que me lê e sente-se triste.
Saia para uma feira livre, um parque, um circo, uma igreja, e leve-se para passear olhando quanta coisa bacana ainda há na vida e no viver.
Quantas pessoas passam apressadas, nervosas e com pensamento em mil problemas e nunca pararam para admirar as belas flores do cerrado?
Bem ali ao seu redor. Pode não resolver os problemas, mas que eleva o coração às coisas do alto, ah! Como eleva. E, quando vamos ao Alto nunca voltamos de lá os mesmos.
Amansamos o coração, acalmamos o agir e acalentamos soluços entrecortados de almas cansadas de si mesma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores