Cartas ao JG - Não esqueça de se lembrar.




Sabe filho, hoje você está estudando a noção de tempo. Sua mãe toma-lhe a lição para a prova de história, do Segundo Fundamental que será amanhã.
Você passa aperto com ela, tendo dificuldades de acertar quando algo que dizemos é passado, presente ou futuro.
"JG, você vai ganhar uma bicicleta quando fizer 7 anos, qual o tempo?
- Presente!
Que presente menino, ralha sua mãe. E eu fico rindo sozinho da sala de TV. Mas que é presente é.
"JG, você foi a praia em janeiro. Qual o tempo?"
- Futuro!
Que futuro menino! enlouquece tua mãe.
Ahh! Meu filho, o tempo passado é tão difícil.
Como nos ensina, e como nos esquecemos dele.
Uma das coisas que mais sinto falta é de minha memória. Se eu soubesse que iria perder, boa parte dela, eu guardaria mais coisas para ao vê-las facilitar o acesso a ela.
Guardaria minha história.
Recolheria alguns brinquedos de teus irmãos, engarrafaria o aroma de minha rua, e tiraria mais fotos, mesmo sendo caro à época, escondendo-as como quem esconde tesouros. Gravaria num velho toca-cassete as risadas de minha mãe, ou as broncas de Nininha nos chamando para tomar banho.
Anotaria o telefone ou endereço de meus vizinhos, amigos, alunos... E os perfumes de mulher... Colocaria em vidrinhos.
Não jogaria fora nenhum bilhete de amor, nem carta de bem-me-quer. Só as contas.
Aprenda a noção de passado. Não para ficar no saudosismo, preso a ele. Mas para poder ser grato ao que passou, sem viver num eterno: "Serei feliz quando, Serei melhor quando...Serei maior quando".
Você nunca será feliz usando a palavra “quando”. Será feliz usando a palavra, “agora”.
O que passou pode ser guardado, em seus bons momentos, nas retinas de nosso coração.
O que não foi tão bom, paciência, o tempo encarregar-se-á de dissolver com o solvente da indiferença.
Mas, repito-lhe, faça compotas emocionais das coisas boas que está vivendo, pois amanhã será passado, e rememorá-las vai te fazer bem. Te dar ânimo.
Hoje tive acesso a um banco de memórias. E vibrei. Até chorei mansinho, teu pai anda emotivo.
Quando minhas memórias eclodem, em borbotões, fico muito emocionado.
E foi de uma forma tão inocente. Alguém mandou no WhatsApp uma foto antiga de propaganda de um remédio, do tipo cura tudo. Entrei no site, por curiosidade, e achei minha primeira radiola. E chorei.
Teu pai casou aos 21 e de maneira muito rápida. Da notícia que minha namorada estava grávida, para o casamento, foram 10 dias.
Meus pais não deixaram faltar nada. Montaram casa, com tudo novinho. Gastaram até o último cifrão de suas poupanças operárias , e compraram até o berço de teu irmão mais velho, o Tiago, hoje com 30 anos.
Os primeiros meses foram tão difíceis. Desempregado, eles me davam o dinheirinho para feira semanal, para que eu não me sentisse humilhado, em ter que almoçar na casa deles, ou de meus sogros.
Aquele dinheiro contado foi ouro. Comprava tudo que estava na promoção, inclusive fígado bovino. Nunca comi tanto fígado na vida.
Seis meses depois, consegui meu primeiro emprego como homem casado. Era no Banco Nacional do Norte – Banorte. Lembro que quando recebi o primeiro salário saí caminhando feliz da vida, pela rua Marques do Herval ,e passei em frente a uma loja de móveis.
Na porta, tinha uma radiola para vender. Essa Sonata da foto. Foi amor à primeira vista. Numa casa precisamos de música. Ainda sobrou uma pequena quantia e resolvi presentear minha esposa com um conjunto de varanda. Quatro cadeiras de madeiras branquinhas, tal qual ripas, e um centro. Pronto estava feito o lar.
Agora tinha música e um conjunto de varanda. Agora tinha vida.
Saí todo orgulhoso. Sentia que eu poderia retomar minha vida, mesmo que sendo comprando uma sonata e um conjunto de cadeiras de varanda.
Lembro-me que apresentei o Contracheque do Banorte, para que eles dividissem, no carnê, em 3 vezes.
Não havia cartão de crédito. E o fato de voltar na loja para pagar o carnê era uma sacada e tanto para que comprássemos mais coisas.
No sábado, chegou a surpresa em casa. Minha ex-mulher, radiante, nem acreditou no que via. Agora ela podia ficar com o JG na varanda, sem ser sentada no chão.
E, eu já sabendo que iria chegar meus primeiros bens, de meu suor, comprei um caro disco do Som Bateu. Discos eram caros. Não era coisa de pobre. Lembro-me como se fosse hoje meu orgulho ao colocá-lo na vitrola Sonata, sentar-me na adeira, com Tiago no colo, e bridar à vida com uma caninha misturada com Coca-Cola e limão.
Saber de onde viemos nos fortalece para melhor enfrentar os tempos presentes, e melhor planejar as jogadas para o tempo futuro.
Por isso, filho meu, aprenda o tempo passado. Não só para a prova. Mas para saber de onde veio, o que te fez feliz, o que em ti possibilitou crescimento, o quanto coisas boas aconteceram contigo para as quais precisa ser eternamente grato e nunca, nunca, mais nunca mesmo esquecê-las.
Não renegue tua história, tua origem, tua jornada. Sempre veja tua vida numa perspectiva de crescimento, mesmo que em alguns momentos você pensará que está voltando para trás.
Digo-lhe, são só alguns passos, logo você voltará a avançar.
Fecho os olhos e vejo Joane, minha primeira esposa, dizendo-me que é hora de desligar a vitrola e vir almoçar na cozinha, que hoje é “galinha à cabidela”.
Desconfiando, pergunto-lhe quem nos visitou, afinal só compro fígado.
Ela, toda faceira, responde que matou uma das galinhas do vizinho: “uma daquelas que pulavam o muro, comiam toda a sua horta e você ficava bravo”.
Isso está no tempo passado, mas que agora, conjugando o verbo recordar, me dá uma alegria tamanha. Nunca comi com tanto medo e prazer uma galinha!
Evoco naquelas cadeira e na Sonata um “Elepê” de Clara Nunes, quase sinto-me sentado nelas e escutando o escuto Tiago balbuciar: “papa”.
Não se perca nunca de você mesmo, não deixe que ninguém apague você do filme de sua vida.
Balu vai partir. Eu partirei. Mas, em nossas memórias – impregnadas em você, sempre poderá nos visitar. Ninguém morre nas boas lembranças que deixou.
E aí nos visitará. E, sempre que estiver com o coração amedrontado lembrará de nós como teus bravos cavaleiros, aqueles que não temiam as noites de escuridão e trovoadas.

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