Caminhe entre pétalas. (Autor Ricardo de Faria Barros)


Era noite de segunda e havia um clima de tensão na turma.
Afinal, seria a primeira das minhas nove aulas a ser dividida, com duplas de alunos, previamente selecionadas.
O texto utilizado foi o "Atitudes Florezinhas Amarelas", um dos mais acessados no meu blog, o Bode com Farinha.
Nele, falo de pessoas comuns com comportamentos incomuns. Pessoas que fazem com o simples, a beleza do complexo. Gente com posturas cotidianas de encantamentos e assombros, perante a mágica e mística de viver.
Gente que trilha seu caminho entre pétalas, como as dessa foto, e que aromatiza a vida de quem com eles convive, só pela sua presença amorosa entre nós.
E a aula foi avançando. A cada atividade, uma surpresa, e das boas, daquelas do tipo florezinhas amarelas.
Tudo feito com muito amor, entrega e generosidade.
Quando os debates começaram, coisas lindas eu ouvi, cuja as quais compartilho.
Um aluno falou de como trata os mais simples de seu trabalho. Do quanto os respeita e acolhe, interagindo com eles.
Uma outra, falou que tem sido flor amarela junto ao marido. Estimulando-o a resgatar o relacionamento com o pai dele.
E por aí seguiram os testemunhos, cada um mais lindo que o outro.
Quando já estávamos saciados, emocionalmente falando, um aluno pediu a palavra.
Ele contou que há três anos levou os pais para a primeira viagem internacional deles, numa promoção de passagens que pegou para o Uruguai.
E a viagem foi tão boa que logo quando voltaram já planejaram a próxima, para visitar Portugal.
Afinal, sua mãe é neta de portugueses e nunca foi visitar a parentada por lá.
Ele contou que no dia em que entregou o passaporte para eles, a emoção tomou conta de todos.
A mãe segurava aquele documento como se fosse uma joia rara e preciosa. E ela disse que iria bordar toalhinhas de rosto com o nome de todos seus parentes vivos e residentes em Portugal, uns 30.
E passou a bordá-las.
Mas, nem sempre as coisas saem como planejamos. Têm horas nas quais o carrossel do destino roda, e a vida se apresenta em cenas trágicas. E só nos resta pedir que seja apenas um pesadelo acordado. Mas não era.
Sua mãe sentiu dores, fez exames, e constatou-se que tinha uma séria doença, e que teria pouca chances de uma vida mais longa.
A partir daí, meu aluno passou a visitá-la mensalmente. Ele contou que em cada visita era uma despedida, pois não saberia se a veria novamente na próxima vez.
Ela mora em Belo Horizonte e ele em Brasília. Ele disse que uma forma de manter a esperança, de a encontrar viva na próxima visita era a de comprar sempre passagens para pelos menos dois meses à frente.
Sempre que ele ia visitá-la, já tinha as passagens compradas para os meses subsequentes.
E, a cada visita ele vivia a despedida. Nelas, sua mãe pedia perdão, e desculpas por coisas que achava que tinha feito, ou não feito, na infância e juventude dele, às quais ele nem se lembrava e pedia que a mãe parasse com aquilo, e dizia-lhe que a amava de montão.
Nesse trecho da aula a turma toda, inclusive eu, estava profundamente emocionada.
Que relato de vida!
Aí, ele continuou nos dizendo que de mês em mês, de despedida em despedida, ela ainda resistiu por três anos, contrariando os melhores prognósticos da doença, que lhe davam poucos meses de vida.
E que ela nunca parou de bordar as toalhinhas. Falou emocionado que o dia da partida dela coincidiu com uma de suas visitas. E que esse era o seu maior desejo, estar presente na partida da mãe.
O pai dele, no dia do enterro, falava que os bordados tinham sido em vão e que o sonho dela não pudera ser realizado pela doença.
Aí ele, abraçado ao pai, falou que em dois meses os dois iriam à Portugal, entregarem pessoalmente as toalhinhas, parente à parente, realizando o sonho dela.
E de fato foram.
Nesse momento da aula não havia mais o que falar, só sentir. Sentir a força do amor. Sentir como o amor faz-nos maiores e melhores.
Sentir como o amor nos faz caminhar entre pétalas de rosas, espalhando nosso perfume por onde passamos, em nossa jornada peregrina.
Sim, amigos e amigas que me leem, o amor vence o medo, o amor vence o ódio, o amor vence o destino mais incerto, inseguro e distante que por ventura açoite nosso coração.
O amor é a própria florzinha amarela. Ou a rara borboleta azul.
O amor desse filho, e os outros amores que ouvi nos relatos dos outros alunos - sobre suas práticas florezinhas amarelas, é um testemunho inequívoco de que a humanidade tem salvação.
Não deixe as toalhinhas bordadas, de quem ama, sem serem entregues!
Não temas o que lhe aflige nesse momento.
Prossiga caminhando entre pétalas, acreditando na força do amanhã, doando amor, exalando amor, sentindo amor, mesmo que se sinta eventualmente sem os pés no chão, ou amedrontado, como meu aluno sentiu, não deixe que o medo te imobilize. Abra-se ao amor, será ele quem te fará não desistir de tua melhor essência, de tua maior jornada, a de ser luz na vida dos outros, com os quais convive.
Tão carentes de pessoas amorosas que ao caminhar entre eles é como se caminhassem por entre pétalas perfumadas.

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