Cartas ao JG - Não eram apenas cards. (Por Ricardo de Faria Barros, pai do João Gabriel, 8 anos)


Sabe amado filho, hoje falamos muito sobre umas cartinhas que estou lhe presenteando, vez por outra, que estão na foto dessa crônica. São cards simples, de 1,99, mas que você ama. temos cenas você ficou tão contente quando te peguei no colégio.

E a cena, com esses cards que ilustram essa crônica, se deu em três atos.

Ato 1 - A monitora que veio te trazer, à saída da escola e me entregar, acabou por passar um sabão em mim. E na tua frente. E tu ficou morto de vergonha, e eu querendo mandá-la à La Merdê, mas não posso ensinar-lhe a ser rude. Então, aguentei o tranco, com cara de "querida!".

Ela reclamou que tu levou os cards para a escola, e que não podia levá-los, nem brinquedos algum.
Eu nem acreditei no que ouvia, mas relaxei, aliás relaxamos.
Olhei para ti, pisquei o olho, te abracei, e dei as costas para a monitora, deixando-a falando sozinha.

Foi meu gesto de subversão à ordem e natureza das coisas, no atual mundo pedagógico infantil.

Que mundo é este que estamos criando que crianças de 7-8 anos não podem levar brinquedos para a
escola?

Que mundo é este que nós pais, e sisudos educadores, estamos criando para nossos tão jovens filhos que lhes privam de brincar?

Com agendas atoladas de tarefas, com "projetos para casa", com revisões e mais revisões para provas semanais, no teu caso, às quartas.

Nos dias que antecedem essa quarta de prova, inclusive nos sagrados finais de semana, tu ainda estuda umas 4 horas, fazendo revisões e soletrando decorebas.

Nas segundas e quintas tu faz o Kumon, após as aulas, que em nosso entender ia desenvolver tua lógica e senso de organização. De fato, está fazendo milagres, mas a que custo?

Pergunto eu, olhando para esse estonteante pôr do sol do DF.

Qual o custo para a saúde emocional adulta que pagaremos, por permitir por uma educação infantil tão puxada, desde a tenra idade?

Qual espaço tu tem para ser o JG?

Para sorrir, fazer nada, brincar, socializar-se e aprender a fantasiar a existência?

Um problema ocular que tu teve, já sanado com óculos, fez-nos procurar uma renomada psicopedagoga e psicanalista em Brasilia, Dra. Ione Silva.

Ela fez um contundente desabafo. As crianças estão ficando velhas antes do tempo, e pulando fases importantíssimas para seu desenvolvimento sócio-afetivo, a do brincar, do imaginar, do fantasiar sua existência.

Pois a tecnologia, as agendas cheias de compromissos, pretensamente tidas por "brincadeiras", mas que são assumidos sem prazer, pela forma como elas funcionam, exigindo dos pequenos uma disciplina e rigor que tiram todo o encanto do brincar: de jogar futebol, de aprender um instrumento, de praticar um esporte, ou cantar num jogral.

As práticas do mundo corporativo chegam á infância entupindo-lhes de metas, objetivos, planejamentos estratégicos e coisas do ramo, até nos espaços do "brincar", nos badalados turnos integrais.

Voltamos para o carro, abraçados, e tu me perguntou se eu comprei cartas novas. cacaca

Não é que tinha levado, mais 3 pacotes.  Tu fez festa com elas, esquecendo-se da monitora carrancuda, como se tirasse na loteria.

Ficou tao feliz ao abri-las que nem liguei o motor do carro, para degustar daquele teu momento.

Que tempos bons os que com simples cartas de 1,99 nos alegramos como se nada mais tivesse valor!!!

Como é bom se alegrar com as coisinhas simples da vida e do viver! Como um cafezinho que tomei, a pouco, na guarita com o caseiro Adalfran, que de forma tão simpática ofereceu-me o apetitoso líquido.

Lógico que parei, degustei, e saudei a vida e à amizade.

Seguimos viagem pra tua casa. Uns 30 KM.   Fazia calor e o ar-condicionado estava ligado, no som antigas canções de mes tempos de faculdade.

Lá de trás tu ia narrando-me quem era quem nas cartas que conseguiu.

Próximo da chegada, uns 5 km,  o trânsito melhora bastante e atrevo-me a abrir os vidros, para tomar o ar fresco de fim de tarde.

Eis que um vento transverso entra pelos vidros traseiros do carro e carregam tuas cartas, que estavam sentadas no banco, olhando-te jogar no meu celular.

Tu grita de desespero!  Eu peço para que se acalme,  é impossível parar naquela estradinha vicinal sem acostamento, pois os carros que não terão como desviar do meu.

Você se emociona. Eu me emociono. E faço-lhe juras eternas de compra-lhes novamente as cartas, e as repor.

Aí você me pergunta se conseguirá as mesmas, falo que não, mas que com certeza serão melhores, pois terão o gosto do amanhã, e o amanhã será sempre melhor, é preciso acreditar.

E como ele mostrou capacidade de amar aquelas cartas, ele vai amar as outras. Afinal, é disse que se faz uma boa vida, de amar, sofrer, chorar, sorrir, brincar e recomeçar, sempre!

Ele fica mais confortado, já esperando a surpresa de abrir os oito novos pacotinhos de figurinhas.

Então, deixei-lhe em casa e rodei 50 KM, até Sobradinho-DF, para comprar-lhes novos cards, esses da foto.

Afinal, qual pai não fica feliz em vez os filhos dormirem mais aliviados, foi isso que te proporcionei nessa noite.

É isso que todos os dias o meu Tiago, a minha Priscila e o meu Rodrigo azem para comigo. Só estou retribuindo.

Durma em paz meu filhos, teus novos cards estão na cabeceira de tua cama.

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