A riqueza do simples (Autor Ricardo de Faria Barros)

A vida pede assombros complexos, vivenciado na natureza do simples.
Cheguei morto de cansado no Othon BH, o hotel no qual iria palestrar no dia seguinte. Vinha de um circuito de três palestras seguidas, sendo uma em SP e duas no RJ.
No trajeto ao hotel, fui agraciado em pegar um motorista de Uber, um verdadeiro filósofo da vida, que me ensinava, quilômetro a quilômetro, sobre a arte de ser feliz.
Aquilo me fez muito bem, e teve efeito restaurador, ele me contava que quebrou com o comércio de tecidos, há três anos, e que após pagar todas as dívidas, e ficar quase sem anda, resolveu investir na carreira de Uber. Tem dois anos que exerce esta profissão que, segundo ele, devolveu-lhe a vontade de viver. Contou-me que cada chamada que concretiza, cada avaliação positiva que recebe, é como um tijolinho a mais na obra de seu recomeço, após os 50 anos. Uauu!!
Eu reservei o hotel pelo Booking, escolhendo ficar no local do evento porque a diária estava boa, e em promoção. Não me afeiçoou a chiquezas.
Ao entrar no apartamento 1415, nem acreditei, era maior que o meu de Sobradinho. Detive-me uns minutos apreciando a bela vista do Parque Municipal de BH, e de suas montanhas ao longe. No parque casais enamorados remavam em prosaicos barquinhos, no lago central, dando ao final do dia um toque de romantismo. E aquilo me deu uma paz tremenda. Pensei comigo, vou remar ali.
Entrei no banheiro e soltei um Uauuu!!! Tem banheira. Preparei um banho morno e fiquei ali relaxando e feliz. Fiquei pensando em quantas banheiras de hotel, nas minhas viagens como educador do BB, eu não aproveitei? Ligava o chuveiro e tomava banho, sem me permitir àquele prazer. Tudo em mim era correria e ansiedade.
Depois daquele banho delicioso, subi para ver a vista lá do 25 andar, coisa que na minha vida apressada e desatenta, de outrora, eu não fazia, nem me dava ao direto de perceber que havia aquela possibilidade.
A percepção governa a realidade. Sem estar 100% presente, á maravilha de viver, as coisas boas acabam passando despercebidas, ou sem serem devidamente valorizadas.
Do 25 andar, pedi uma deliciosa caipirinha de frutas vermelhas, enquanto mirava o pôr do sol, trás dos morros de MG, um deleite para vistas cansadas.
À noite peguei um Uber para o Bar Aos Inconfidentes, que tinha rodízio de petiscos. No local, hoje funciona uma hamburgueria. Desisti dali e pedi outro Uber, agora para o Boteco da Savassi. A motorista que me pegou perguntou-me se eu estava mesmo indo para Macapá. rsrs
E, desfeito do susto, ela sugeriu que eu ficasse na pracinha da Savassi.
Desanimar jamais, não era noite ainda dia de voltar para hotel.
Ali chegando subi por uma rua que é uma profusão de bares, muitos com música ao vivo. Pedi como tira-gosto num deles umas costelas na lata, coisa boa demais. De comer ajoelhado, agradecendo a Deus.
De outro, uns 30 metros á frente, saia uma música da melhor qualidade, tipo O Grande Encontro, ou bons sambas das antigas.
Chamei o garçom, pedi que ele botasse minhas costelas numa quentinha, fechei a conta, e de quentinha em mão, estacionei à frente do músico, do outro boteco.
E a noite foi de boa música, com direito a comida mexicana, que era o tema do bar. Logo fiz amizade com o músico, aplaudindo-o e pedindo música. Senti no rosto dele a gratidão, pelo prestigio de sua arte, dado que os presentes lhe condenavam ao antônimo do amor, a indiferença, seja pelo papo entre eles, ou por terem ficados cegos de celular, com seus olhos e faces iluminados por aquela luz que desconecta tudo de todos, e todos de tudo, no mundo real.
No dia seguinte, escolhi ficar numa mesa ao ar livre, na varanda do local do café, mirando minha alma na borda infinita das árvores do Parque Municipal. 90% dos demais preferiram o salão fechado e climatizado. Mas, era 8hrs da manhã, e nada melhor do que o sol e ar frescos para nos reinicializar. Senti dós das mais de 8 mesas com guarda-sóis não ocupadas, e dos que se apinhavam no salão fechado, disputando cadeiras em mesas tão cheias de pessoas e tão sós de gente.
Como a palestra seria 10h30min fui passear no Parque, hoje habitado por moradores de rua que dele fazem ponto para dormirem. Mas, eles não mexem conosco. Eles não aprontam onde dormem, fique certo disso, e é dado da própria PM.
O local de locação dos barcos só abria 9hrs, e para mim já ficaria tarde. Então, aproveitei para caminhar entre árvores centenárias. No caminho encontrei o Mestre Gercínio, que conduziria ali umas Oficinas de Capoeira. Gercínio é Angoleiro, do grupo do mestre João.
Ele me explicava sobre os sons do berimbau, sobre a sabedoria da capoeira, com tanta amorosidade, que era como se de seu olhar pudesse contemplar um oceano azul de paz. Ele integra um projeto social que já tirou muita gente de vidas vazias, ou que estavam presos às drogas, ao lhes ensinarem a arte de jogar capoeira, e toda a filosofia e sabedoria que existe naquela arte. Deixei-lhe pesaroso, pois a hora da palestra estava próxima. Correndo para o hotel, ainda parei num lambe-lambe, e fiz uma foto. Afinal foto em lambe-lambe é para os poucos. O fotógrafo chama-se sr. Bento, 30 anos de parque, que também queria conversar sobre sua arte, mas meu tempo rugia.
No caminho ao hotel, passei pela pastelaria Pastelândia e vi um anúncio dizendo: Pastel de Arroz, Feijão, Carne, Queijo, Jiló e Couve, por R$ 6,00.
Uauu, pensei. Tenho que comer este pastel.
A palestra foi maravilha, e terminei pelas 13hrs, exausto. Subi ao quarto, pus uma bermuda, desci e segui em direção ao pastel.
E foi uma delícia aquela exótica, mas bote exótica nisso, iguaria em forma de pastel. Num é que estava muito bom!
As garçonetes disseram que foi invenção do dono, e que tem uns 2 anos que aquele pastel virou uma espécie de jantinha, e que é exclusividade da Pastelândia, da Afonso Pena, ao lado do Othon.
Devidamente alimentado, fui para o lago do Parque e paguei mais R$ 6,00 por 30 min de remada.
Senti-me o próprio navegador intrépido, ao remar por aquele belo lago.
Entre um remo e outro, vi ao longe o um construtor de barquinhos, trabalhando à margem do lago.
Ao descer dirigi-me a ele, para reconhece-lo pela qualidade dos barquinhos, sua a estabilidade e boa navegabilidade, pelo visto um dos que ele construíra.
E era.
Descobri que aquele senhor se chamava Ivanilton, que há 40 anos fabricava os barquinhos de remo, usados para locação no lago central do Parque Municipal de BH. Aí, ele me deu uma aula sobre o tipo de madeira, os ângulos necessários ao caldo dos barcos, e o capricho da etapa final de calafetagem e pintura. E de seu encanto ao ver os barquinhos, por ele fabricados, sendo navegado pelos clientes, e em perfeição. Contou-me que têm duas filhas que moram em Sidnei, e que é um apaixonado pela carpintaria naval.
Uauu, que delícia de prosa. O relógio aproximava-se das 14h30, era hora de fecha a conta e partir.
Quantas coisas boas e simples estão acessíveis ao nosso viver e por elas passamos despercebidos?
Quantas pessoas com histórias de vida lindas que por elas passamos em nem nos damos conta, ou a lançamos nossos preconceitos, como para com os jogadores de capoeira, por exemplo.
É preciso reeducar o olhar para apreciar o simples, para curtir o agora, em todo seu potencial de encanto que existe.
A ouvir o inaudível, a ver o invisível, a tocar no intocado, a sentir o silêncio contemplativo e belo da vida, ali presente em cada esquina
É preciso desaprender muita coisa, é preciso se desconectar de muita coisa, para que de fato exista espaço em nosso viver par o que realmente importa, delicia e dá sentido à vida e ao viver. E também é preciso carregar menos tralhas, pesos e pesares, em forma de gente, emoções e pensamentos.

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