O que dizer a um coração enlutado? (Autor Ricardo de Faria Barros)


Chega uma mensagem no meu WhatsApp que me dessossega o coração:
"Um casal amigo perdeu seu primeiro filho, bem no final da gestação, o que digo a eles?" 
Sem pestanejar, disse-lhe: "Nada. Apenas os abrace, esteja presente, junto, sendo margem."
Como ser margem?
Navegadores experientes quando partem de Macapá (AP) até Ikitos (maior ilha da Amazônia Peruana), aproximam-se da margem sempre ao menor sinal de perigo. Seja neblina, sejam as tempestades. Navegando junto à margem, eles conseguem segurança e apoio para seguirem à frente sem perderem-se entrando em algum afluente.  

Seja margem para quem sofre com o coração enlutado. Seja terra firme. Esteja presente, como uma boa margem.  Deixe que aquele barco, chamado Pessoa Enlutada, em ti descanse da fatalidade da vida e do viver.
Não adiantará falar muita coisa, do tipo que falamos para consolar pessoas que perderam aqueles que amam.
A dor é tremenda, e é só deles. Por mais que sejamos solidários e empáticos, ainda assim não conseguiremos viver o que eles sentem. 
"Se ela me deixou. A dor é minha só. Não é de mais ninguém..."   Diz a canção, com sabedoria de um poeta.

Amigos enlutados precisam de cuidados paliativos emocionais.  
Faz parte destes cuidados ser margem para com eles.  

Como ser margem? 

Se oferecendo para assumir pequenas rotinas do lar. Coisas como botar água para os animas podem ser esquecidas nestes dias, ou o pagamento de contas a vencer. Ou até a própria alimentação do casal enlutado. São coisinhas que os amigos podem fazer nesta hora e que darão uma sensação aos enlutados de que pessoas se importam com eles. 

Seja, visitando-os com frequência, mesmo sem falar nada, só sendo ombro. Seja, convidando-lhes  para participarem de algum serviço religioso de apoio, caso creiam.  Ou até você mesmo conduzindo uma reza na casa deles, um terço, um Pai Nosso... ou uma noite de clamor.

Ser margem também é ouvi-los à exaustão, mesmo que repitam pela centésima vez que estavam com o enxoval pronto. 

É se oferecer pra ir junto tocar providências burocráticas, algumas bem dolorosas para o enfrentamento sozinho.

É mobilizar uma vaquinha entre amigos, caso exista necessidade de cobertura financeira de despesas de última hora.

É oferecer a própria casa para eles passarem uns dias.

É permitir que eles chorem bastante. E que perto dos amigos eles não precisem botar uma máscara de "está tudo ok, nós estamos bem", podendo ficar tristes, calados e num cantinho da sala; mas mesmo assim amados e valorizados por terem ido ao evento para o qual foram chamados. 

Não se deve apressar o processamento do luto. Cada um tem seu tempo próprio. Cada um voltará para o leito do "Rio Amazônia, em direção à Ikitos", de seu próprio jeito, e no momento que a alma sequiosa, após uma madrugada orvalhada de esperança, amanhecer brotando rebentos de uma nova vida, após o choque da dor. 
Eu desconfio destes lutos fast-food que vemos na mídia.  Desconfio de quem uma semana depois já toca a vida como se nada lhe ocorrera. Para mim, é uma forma de negar a dor, de se desconectar de si mesmo, e que mais à frente vai explodir em sequelas emocionais.  
Este vale de lágrimas, este cálice de fel, precisa ser atravessado e tomado. 
Então, evite perguntar-lhes assim: "Como vocês estão?".  Nunca faça este tipo de pergunta.  
Nem tampouco compare o que ocorreu com outros casos similares. 
Ou, tente velhas fórmulas que meio que justificam a perda dessa forma: "Quem sabe ele não foi livrado de coisas ruins no futuro?".  Horrível!
Nada disso vai gerar algum tipo de consolo.
Agora, se quiser falar de seus próprios lutos, da dor que sentiu também, quando contigo ocorreu algo similar, aí está certo. 
Isto ajudará a criar um ambiente de confiança. E a pessoas saberão que não estão sozinhas. 
Mas, mesmo assim, nem tudo que funcionou para você, funcionará para eles. 

Portanto, seja margem. E, já será muito, numa época que todo mundo só quer ser rio caudaloso, cada um cuidando de seu fluir em turbulentas águas. 

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