Recordações (Por Ricardo de Faria Barros)

Chegando da virada do ano novo que passei em Campina Grande, e férias em João Pessoa-PB, abro meu apartamento de Brasília e sinto uma lufada de ninho invadindo meu ser. Não há lugar no mundo que desperte esta sensação ao dele se adentrar, que o nosso lar.

Tudo me é familiar e me fala.
Saúdo minhas plantas, que cansadas de tanta espera, apenas batem suas pétalas esturricadas. Mesmo deixando uma pessoa para molhá-las, nãos as molhou como quem se ama, com constância, atenção e zelo. Quem ama entende de que falo.
As orquídeas deram duas hastes, se a seca não as matou por dentro, teremos uma safra de belas flores.
O pobre do bambu está todo tristonho, e despenado, já que perdeu todas as folhas.
Na ânsia de sobreviver, sem fartura de água, optou por tentar salvar suas raízes, livrando-se das folhas. Como se vivera um outono precoce. Tadinho.
Os bebedouros de pássaros estão vazios. Eles devem ter passado por maus momentos, pois que já estavam viciados naquela aguinha de frutose, de uma cor violácea.
Para as bandas das praias as coisas andam estranhas.
O som da parada é de uma tal de Jenifer. Durante um dia de praia, ou boteco, você escutará esta música no mínimo dez vezes. Pense numa Jenifer famosa!
Um fenômeno deste verão são as aquelas caixinhas portáteis que mataram qualquer possibilidade de um papo na mesa de bar, ou onde quer que o cara a leve.
Se antes eram aqueles carros, com verdadeiras torres de som no porta-malas, agora são as insanas caixas de som portátil, que de portáteis não têm nada, uma vez que somos obrigado a ouvir mil ritmos diferentes, cada um embaixo de uma sobrinha de praia, ou mesa de bar.
Não basta que o cara escute com sua turma. Ele precisa mostrar para os vizinhos o que está ouvindo.
Algumas das músicas que ecoam destas caixas têm refrões impublicáveis, e olhe que estou longe de ser moralista.
Outro fenômeno são os celulares câmeras fotográficas. A beira-mar virou passarela, e em todo lugar tem gente fazendo mil piruetas, para registrar o melhor ângulo do corpo. Alguns mais empolgados na sensualização acabam levando um caldo do mar, o que gera mais motivo pra novas fotos. Tudo virou registro visual.
Tive pena de um monte de criancinhas, em seus barreiros de água, feitos com areia de mar, cujos pais estavam mais interessados nas redes sociais, do que em construir a última versão do castelo de areia com o seu filho. O cara-pai, a moça-mãe, levam o celular para dentro do barreiro de água e ficam conectados em mil coisas no mundo digital, perdendo em conexão com o filhote.
Antes que me esqueça, os bom-dias ao caminhar estão mais raros. O povo tudo relaxado, turistando e caminhando em área segura, e negando bom-dias.
Estamos criando muros coletivos. Todo mundo num espaço público, mas incapazes de interagir uns com os outros, em prosaicas respostas a um bom-dia.
Quem me dava mesmo um sonoro bom dia, em resposta ao meu, era a dona Fátima, catadora de papelão e latinhas de praia. A desta foto da crônica. Acorda com dona Fátima era muito bom. Todos os dias saia pra comprar o pão bem cedinho, após ver o sol nascer, que pelo Nordeste é pelas 5h30. Então, no caminho para a padaria, sempre cruzava com Dona Fátima vindo em sentido contrário. E aí aí era festa.
Comentava do apurado da catação até àquela hora, do sol, do tempo, dos netos dela, da vida desta septuagenária que sempre estava com um sorriso no rosto, mesmo na dura lida de completar a renda da família vendendo recicláveis. Sempre comprava algo pra ela e os netos na padaria. Mas, o pretexto não era doar algo pra ela. Era passar mais uns minutos ouvindo-a sobre a lida do bem viver, ouvi-la contando toda orgulhosa que quando chega em casa, pelo meio dia, os netos já fizeram o almoço pra ela.
E presta? Pergunto-lhe.
Ela me responde: "depende da fome".
E ambos caímos na risada.
O telefone toca, é mamãe lá da Paraíba preocupada com o que vou comer. Depois de acalmá-la mostrando a validade de uma comida congelada, papai pega o fone e pergunta se o vôo teve turbulência.
Deixo-vos com o coração bem saudoso, ele com seus 81 anos e ela com seus 80. Ainda fizemos bons passeios, nos dias que a perna de mamãe amanhecia melhor.
Ela ficava preocupava, nos dias que não ia, pois dizia que estava atrapalhando.
Atrapalhava nada de nada. Nestes dias eu e papai fazíamos um programa à frente de casa mesmo, numa praia próxima, de modo que todos nós estávamos juntos novamente no almoço, e a casa voltava a falar amor.
Não tenho mais nenhuma ansiedade de conhecer coisas novas, sair com amigos, participar de atividades culturais, quando estou curtindo meus pais.
Para mim, o maior programa ainda é colocá-los dentro do carro e sair buscando uma praia mansinha e acessível para que possamos nos divertir ao nosso modo. E voltando cedo.
Paro de teclar, olho para a sala, e percebo as coisas largadas. Restos de bagagem por todo canto, um garfo em cima da radiola, um copo perto das plantas. E o que faz aquela camisa largada no chão?
Abro um sorrisão e penso, amanhã, ou quem sabe depois, farei uma faxina.
Estou no meu lar, feliz 2019 Ricardim!

Um comentário:

  1. Bom dia!
    Adorei as suas recordações.
    O melhor foram as referências feitas aos seus Pais.
    As lagrimal foram inevitaveis, sem dúvida, saudades dos meus Pais que não mais habitam o plano terreno.
    O toque hilário foi a radiola.
    Quer saber tudo perfeito.
    Decolando agora de BH pra Brasília, na certeza de que meu dia será maravilhoso, após visitar a sua página.
    Tenha um abençoado dia.
    😘

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