Gilmar e Silvia |
Cheguei cansado, após uma maratona na madrugada, pegando os "vôos do padeiro", e ainda recuperando-me de um forte gripe que assolava a metade da população do DF.
Estava propenso a pedir desculpas ao motorista, e me dirigir ao banco de trás para tirar um cochilo.
Avistando-lhe com uma placa indicativa, dirigi-me a ele e o saudei.
- Sou o Ricardo, o da palestra na Copel.
- Sou o Gilmar, teu motorista.
Abrindo um sorriso sincero de quem gosta do que faz. Antes que eu pudesse dizer algo, ele foi logo debulhando umas letrinhas.
- Sr. Ricardo, logo ali no início da BR poderemos parar para o senhor tomar um cafezinho e se recuperar da viagem.
Uauuuu. Como dormir depois desta delicadeza no trato?
Busquei o restim de gás que ainda tinha e fui fazer uma das coisas que mais me causam alegria, catar histórias de gente. Sou colecionador de pessoas inspiradoras.
- E aí Gilmar, há muito tempo na Copel?
Daí por diante, tive acesso a uma história de vida tão bela, tão bela, que não poderia deixar somente nas minhas memórias.
Há dez anos Gilmar trabalhava como motorista, de um pool de montadoras de veículos que operava no Paraná.
Mas, sua esposa, a Silvia, botou na cabeça pra ele fazer o concurso pra motorista da Copel.
Quando ele retrucou que já tinha um bom emprego, ela disse que ele já estava inscrito no concurso, que ela fizera a inscrição dele, e que as provas seriam no próximo sábado.
Contrariado, e sem muita força pra retrucar a Silvia, ele ouviu dela que as vendas de veículos estavam em queda e que o emprego dele corria riscos.
Gilmar fez a prova e ficou entre os melhores colocados, no cadastro de reservas. Meses depois, ele estava na listagem de demitidos da montadora.
Passou a fazer uns bicos, "carregando combustível para Petrobrás", como motorista terceirizado. Passou a ganhar bem menos, e a sonhar em ser chamado.
Até que este dia aconteceu. Quando assumiu o posto, a Silvia o incentivou a fazer todos os cursos, a andar na linha, dirigir com eficácia e a ser o melhor motorista que pudesse ser, sem desmerecer ou pisar em ninguém. Gilmar seguiu à risca os conselhos, e foi galgando degraus na carreira, até integrar o seleto grupo de motoristas que conduzem os Diretores e o Presidente da Copel, pelo estado do Paraná.
Perguntei como ele conheceu a Silvia. Não sei você, mas eu gosto de um romance.
Ele contou que o motivo foi um rio. Caí na risada.
Quando eles eram adolescentes estudavam na mesma escola primária. Depois, já crescidos, ele passou a ser observado por ela, de uma casa na outra margem do rio. A casa dele era no final da rua, um beco sem saída, que tinha no rio sua barreira. A dela, era do mesmo jeito, contudo do outro lado do rio.
Enquanto ele exercitava seus bíceps, consertando ou lavando a bicicleta, na margem do rio. A Silvia da outra margem contemplava aquele "Bifão", apelido tempos depois revelado por ela, para descrevê-lo, nas desejadas manhãs de sábado, dia de lavar a bicicleta, e a alma dela. rsrs
Mas, tudo era muito platônico, e Gilmar nem sonhava que estava sendo paquerado. Concentrado que estava entre pneus, jantes e o polimento de sua magrela.
Muitos anos depois, os dois se encontram trabalhando na mesma região de Curitiba. Ela fazendo faxina num prédio comercial, ele fazendo entregas num caminhão.
E o amor, antes suspirante em olhares lânguidos da outra margem do rio, agora se faz presente entre eles.
Juntos, passaram a formar família, e o Gilmar assumiu a paternidade do bebezinho da Silvia, de menos de dois anos.
Gilmar me conta que já se vão uns 25 anos de companheirismo. E que a Silvia é a sua parceira nas trilhas turística de bicicleta que organiza.
Como assim, Gilmar?
- "É Sr. Ricardo. A Silvia me incentivou a fazer de minha paixão por bicicleta um negócio. Então comecei a montar grupos para pedalar por Curitiba e imediações, primeiro no prédio onde morávamos, depois no trabalho, e depois no evangelismo da igreja Bola de Neve da qual faço parte.
O negócio prosperou e hoje tenho uma pequena empresa a Gil Simon Bike Tour. (Veja em https://www.facebook.com/ssimondiz/) . Eu monto grupos para conhecermos lugares especiais no Paraná, muitos deles só acessíveis de bike. Por falar em lugares especiais, quer parar no Mirante da Serra da Esperança, logo ali á frente na estrada?."
Acenei com a cabeça, e o que vi foi um pedacinho de paraíso. Escavado do alto da Serra da Esperança, entre Curitiba e Guarapuava, o belo mirante faz amansar vistas cansadas, deitando-as por cima de vales, morros e pedaços de névoas brincantes, que teimam em se anovelar nas copas das Araucárias, daquelas enormes, que ficam com braços erguidos para o alto, como que em gratidão.
Voltando ao carro, ele disse que aprendeu sobre aquele lugar estudando. E que foi a Silvia quem o incentivou a estudar, assim como ela fez consigo mesma. Ela fez auxiliar de enfermagem, técnica de enfermagem, enfermagem do trabalho e não satisfeita foi fazer Direito, agora já formada e atuando.
Contou-me que como gostava muito de levar o pessoal para pedalar de bike por sítios históricos, e lugares bonitos da natureza, ela o incentivou a fazer Turismo. Gilmar já está quase concluindo o curso. E será o mais novo turismólogo do Brasil.
Paramos para almoçar e perguntei como andava a vida do filhote e se tinha netos.
Quando falou do filho, o Augusto, os olhos relampejaram de emoção. Quando falou do Joaquim, seu único neto, dos olhos saíram raios de felicidade.
Contou a saga do Augusto, que após terminar um curso na área de tecnologia da informação, não vinha satisfeito com o rendimento do trabalho. Augusto conversou com os pais e disse que iria mudar de ramo. Que faria um curso de barbeiro. Os pais logo o apoiaram.
Mas, ao terminar o curso, quem disse que ele tinha dinheiro para investir nos equipamentos e aluguel de um ponto.
Então, a Sílvia lembrou que um antigo barbeiro do Sindicato dos Metalúrgicos não trabalhava mais, e quem sabe ele tinha ainda a cadeira.
O casal foi lá e conversando com o Sr. Joaquim, o antigo barbeiro do Sindicato, descobriram que não somente ele tinha a cadeira, como era uma daquelas de antigos salões, caríssimas, e que ele iria "vendê-la" para eles, envolvido de forma empática com a história do Augusto, por 10% do valor de mercado, quase uma doação, saindo por R$ 200,00.
O casal foi lá e conversando com o Sr. Joaquim, o antigo barbeiro do Sindicato, descobriram que não somente ele tinha a cadeira, como era uma daquelas de antigos salões, caríssimas, e que ele iria "vendê-la" para eles, envolvido de forma empática com a história do Augusto, por 10% do valor de mercado, quase uma doação, saindo por R$ 200,00.
O casal botou a cadeira no carro e colocaram-na na cozinha da casa onde moravam. Disseram então ao filho, que cadeira e local ele já tinha para cortar o cabelo e fazer a barba de seus clientes.
E o Augusto, vibrando de alegria, começou a arregimentar cobaias na rua, entre amigos e familiares, e o povo da igreja Bola de Neve. Para ir treinando, na cabeça de amigos, só com e por Deus na causa. rsrs
E não é que deu certo!
O perfeito corte do Augusto foi passando de boca em boca, logo a cozinha ficara apertada e ele alugou, na raça e na fé, uma sala próxima a um shopping de Curitiba. Não deu outra, os clientes atravessavam a rua e iam cortar com ele, na sua primeira barbearia, a "Vonbarbarov". Veja em: (https://www.facebook.com/barbeariavonbarbarov/?tn-str=k*F)
Hoje já são cinco Vons que existem em Curitiba, sendo local até de curso para novos barbeiros. Mas, o maior orgulho é do filho ser um evangelista e levar a palavra de Jesus a muitas pessoas que estão sem luz.
O Joaquim é seu xodó, tem 2 anos, e adora cantar com o avô.
Quando comecei a palestra, cujo tema era empatia, falei que empatia é um profundo gesto de amor. Pois é por amor que nos interessamos, nos conectamos, apoiamos e nos irmanamos ao outro. Conseguindo, tal qual milagre, perceber e sentir um pouco de sua vida, do lugar e forma com a qual ele a nós se revela.
E agradeci ao Gilmar, que timidamente sentava-se numa das últimas filas, daquele auditório com mais de 170 pessoas.
Encerrando a palestra, falei que em 1990 fora descoberto os neurônios-espelho. Áreas de nosso cérebro que se acendem em sinapses, quando temos acesso a histórias de vida dos outros - tristes ou alegres, desde que captadas de forma intensa e verdadeira. E que, este acendimento gera um hormônio chamado de oxitocina, que é o catalizador das relações sociais.
Ou seja, ter empatia não só nos torna melhores, como seres humanos, como ainda assim nos fornece, e "de grátis" uma farta dose do hormônio das vinculações sociais.
Encerrando a palestra, fizemos uma dinâmica com velas, pedindo que eles quando chegassem em casa, acendessem uma vela, ali entregue, para quem é luz para eles.
Ou seja, ter empatia não só nos torna melhores, como seres humanos, como ainda assim nos fornece, e "de grátis" uma farta dose do hormônio das vinculações sociais.
Encerrando a palestra, fizemos uma dinâmica com velas, pedindo que eles quando chegassem em casa, acendessem uma vela, ali entregue, para quem é luz para eles.
Agora à tarde, escrevendo esta crônica, recebo do Gilmar o momento em que ele acende a vela para a Silvia, quando retornou ao lar.
Para quem você acederá uma vela de gratidão hoje? Quem é teu neurônio-espelho em forma de gente, aquela pessoa que quando aparece faz brilhar em ti a melhor luz?
Tenho muitas pessoas-vela, que me fazem brilhar. Mas, a uma em especial eu dedico esta crônica, a minha Brisa Aracati. Aquela que mesmo quando tudo está um breu, lá pelos novelos de meu pensar, ou pesar, quando eu a vejo, fagulhas de luz explodem e iluminam o meu existir. E, o dia amanhece novamente!
Não lembro quem um dia escreveu que “histórias e memórias são duas margens de um mesmo rio, que é o nosso tempo interior”. Aí me aparece você como uma nova, tudo a seu tempo numa beira de rio, numa bicicleta, onde dois corações pulsando fazem da vida uma folha em branco onde é possível tudo desenhar. Mais uma dessas histórias que, mesmo numa região gelada nessa época do ano, reaquecem o que de melhor existe dentro de nós. Parabéns, Ricardo!
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