Não era apenas um pastel e um Ki-Suco. (Autor Ricardo de Faria Barros)

A pauta seguia faceira, numa manhã de deserto no Distrito Federal, e lá para as bandas de São Sebastião.  Acabara de sair do corte do cabelo, por R$ 12,00 na máquina 2.0, e com direito a aparo da barba-noel e uma boa prosa.

A meta agora era levar o carro para lavar.  Saí zanzando, sem compromisso com algum, até que lava-jato de esquina chamou-me a atenção com placa nele afixada: "Promoção para Uber".

Pensei, é irmão ajudando irmão, numa sinergia perfeita.

Então, é neste que vou parar.

Esperando o trato o carro, devidamente acomodado em tamborete de falso equilíbrio, adentra o recinto um jovem vendedor ambulante. Montado em sua bike, oferece pastel e suco por R$ 1,00. Os lavadores do carro estabelecem prosa amiga com ele, que pelo visto os têm como clientes.

Aproveito e compro um pastel e experimento o suco. Delícia para ambos, com destaque para o suco de Ki-Suco que há uns 40 anos não provava novamente.

Financiei dois para os lavadores, e puxei o banquinho para perto do vendedor, admirando sua bicicleta.

Era uma daquelas bicicletas da marca Monark, das antigas, e totalmente original.

O vendedor falava dela com orgulho, "é puro ferro, nunca quebrou, e aguenta peso", dizia sorridente.

Perguntei-lhe seu nome, ao que me respondeu, Everaldo.

A partir daí fui enchendo-me de vida com a história de vida do Everaldo.

Ele tinha sido aprendiz de cozinheiro, em restaurante de Brasília, e lá aprendeu "no olho" a como tratar com carinho as carnes, e logo tornou-se um mestre-açougueiro. Um craque em abrir um boi inteiro, retalhando-o em cortes apropriados.

Saiu do restaurante, e achou emprego perto de sua casa, sendo o responsável pelos cortes das carnes que um mercado comprava no atacado.

Everaldo tinha um papo fluído e sem nenhuma pressa. Nem ele, nem eu. Perguntei-lhe quantos pasteis ainda havia para vender, ele falou que uns 8. Que já vendera mais do que a meta da manhã, ou seja, 92.   Nesta hora chegou um de seus clientes, e comprou cinco, para mecânicos de uma oficina à frente. Arrematei os 3 restantes para levar para Sr. Valdecir, o qual visitaria ao sair dali.

Everaldo me contou que estava precisando melhorar a renda, e que um dia pensou em fazer comida pra vender na frente do mercado. Mas, não podia ser nada que o mercado oferecia. Tinha que ser algo que não concorresse com o patrão.

Pensou nos pastéis e sucos. Mas, faltava-lhe o dinheiro pra começar. Tinha gasto todo o salário do mês, e aquele sonho ficaria para depois.

Não sabia ele, que os sonhos são o plural de uma vida singular. E, quem os têm, nunca estará vazio.

Contudo, sonho a sonho, mês a mês, e a coisa não melhorava, e não sobrava nada. Ele temia gastar o pouco dinheiro que tinha, e não conseguir colocar os produtos, ficando no prejuízo.

Um dia, ao terminar de cortar as carnes de um boi que o patrão adquirira, ele foi convidado para ir noutro estabelecimento, fora de sua jornada, e ajudá-lo a retalhar um boi. 

Mesmo sendo fora do horário, e sem ganhar nada em troca pelo serviço adicional, ele topou na hora.

Varou a madrugada retalhando o boi, ao final o patrão perguntou quanto ele queria pelo serviço extra. Ele, humildemente, falou que receberia qualquer coisa. Que não fez por obrigação, mas que queria ajudá-lo.

O patrão abriu a carteira e deu duas notas pra ele. Uma de 50 e outra de 20.

Everaldo sorriu, e pensou consigo, agora meu sonho vai acontecer.

No outro dia, comprou massa de pastel, queijo e carne moída, e Ki-Suco (rsrsrs).

Acordou de madrugada, a segunda noite sem dormir, e foi preparar os pastéis. Com o material fez logo cem. Arrumou com um vizinho uma caixa de isopor, atrepou-a na bicicleta, botou os sucos em garrafas pets. E saiu bem cedo fazendo a rota em direção ao Mercado, onde só tinha boi para retalhar lá pelas 11h.

Surpreso, viu que o povo comia um, e logo pedia outro. Gostaram do tempero do Everaldo. Em frente ao mercado deixou a bike, com um cartaz anunciando o produto, e logo os 100 pastéis foram vendidos. Como tinha uma espécie de horário flexível, pois dependia dos bois que chegavam, muitos deles à noite, aproveitou a tarde para fazer outra fornada, e vendeu tudo outra vez. 

Cada cem pasteis vendidos tirava os 70 de custos, e ainda sobrava uns 20, já reservando 10 para o gás.

Passou a ganhar 40 por dia, 20 em cada turno, e melhorou de vida.

Logo os clientes fiéis, em sua maioria das oficinas da região, perguntaram-lhe se ele não tinha quentinhas.

Então, ele passou a fazê-las, a um preço de R$ 8,00, mas com ingredientes bem escolhidos e tempero no capricho.

Ele me falou, sorrindo, que o que dá sabor é panela pequena.  Que aprendeu a cozinhar e que se sente um verdadeiro Chef, Chef Everaldo. E que comida feita em panelões industriais é difícil de pegar o tempero. Por isso a dele é tão boa, ele faz pequenas quantidades e trata a cada uma delas com muito carinho, e põe amor na mão que tempera.

Suas quentinhas não dão para ninguém, logo vendem. Todo mundo gosta de preço justo e qualidade superior, não é?

Ele mostra as fotos delas, dos cortes de carne, e dos pasteis. Sua expressão ao mostrar as fotos é de orgulho. De um trabalhador orgulhoso com os frutos de seu trabalho. 

Conta que o sonho dele é abrir um ponto, para vender jantinhas à noite, espetinhos, caldos... E,  nos finais de semana, feijoada. Diz que faz um feijoada invejável, daquelas de comer ajoelhado, agradecendo a Deus.

Olha no relógio, e comenta: xiii!!!, já são dez horas, é hora de fazer as quentinhas.

"O dia promete, e hoje ainda tem um boi para retalhar à noite", diz sorrindo, de bem com a vida, e com olhos faiscantes, enebriados com as possibilidades de alterar o carrossel do destino de sua Vida Severina.

Vai Everaldo, abre teu ponto de espetinhos de gatos e caldos.

Vai Everaldo, e supera teus condicionantes e circunstâncias da vida e do viver.

Vai Everaldo, segue nos inspirando a também fazer nossos próprios pasteis, alterando os cursos de nossa vida e do viver, e para melhor.  

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Obs: Abaixo o contato do Chef Everaldo, para quem quiser encomendar pastéis, caldos, feijoada, churrasco, ou apenas pra quem quiser mandar uma mensagem pra ele de incentivo.  Em breve, os convidarei para uma vaquinha para comprarmos o carrinho de churrasco de gato dele. Colocarei por aqui. Antes, vou pergunta-lhe de que ele precisa para o ponto.  Chef Everaldo 061 981470981

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