Com esta pergunta, a mim proferida, convidei-lhe para sentar à minha mesa.
Era um domingo de sol, tinha levado a radiola portátil e uns vinis para ouvir no Libanus, tradicional bar aqui de Brasília, já com 30 anos de candango. O som baixinho de Martinho da Vila era suficiente para nós dois nos deliciarmos, e podermos conversar.
Ele era um dos vendedores ambulantes, que frequentam os bares do DF, vendendo a revista Traços. Uma iniciativa super bacana, que divulga a vida de moradores de rua, e a arte contemporânea que rola na cidade, com parte da renda destinada ao custeio de projetos sociais junto a estes moradores, inclusive deles mesmos.
Sentou-se e me fitou, esperando minha resposta.
Sorridente, disse-lhe que tempo algum. Aí, ele abriu um sorriso maroto, e disse: "Acertou!"
Bem ainda não sei se acertei, e ele só queria me agradar. Só sei que fez sentido para mim.
Tem como colocar nas métricas de um relógio o tempo da espera?
Jamais!
A mãe que espera o filho nascer, não espera nove meses. Espera por séculos aquele encontro.
O jovem que esperou por dois anos ser chamado para um concurso, esperou por dois anos? Nada disso, foram duas décadas.
Um casal que vive os afetos de amores à distancia, quando se encontram, por míseras duas horas, são duas horas, ou dois segundos, a percepção da frugalidade e rapidez da eternidade do que ali ocorreu?
Bobinho somos nós de querer entender o tempo usando para isso relógios.
Relógios apenas marcam o tempo das coisas. Não medem o tempo das poesias, das buscas, das culpas, das esperas, das graças e desgraças.
Na mesa ao lado, dois músicos se encontram. Um ainda se levantando da perfomance que fez durante a madrugada. Outro, preparando-se para mais tarde fazer a sua.
É um encontro atemporal. Nós os flagramos, enamorados pelos instrumentos que carregavam.
Do nada, começam a tocar baixinho. Não há musica no Libanus, e faz parte da tradição da casa não ter. Eles pediram autorização para cantarem só entre si, no local embaixo das árvores, no britão, e em profunda comunhão com o espaço-tempo. Seguem, um no Tam Tam, instrumento de percussão, outro no violão.
Desligo a vitrola para prestigiá-los. Os músicos começam com Candeia, com uma de suas músicas imortalizada por Cartola, "Preciso me Encontrar".
"Deixe-me ir
Preciso andarVou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Sorrir pra não chorar
Meu agora amigo, o Francisco, o que vendia as revistas Traços, diz que é a música da vida dele.
E que também se encontrou, mas que levou tempo, e que teve mutia gente que lhe ajudou, para as quais é eternamente grato.
Pede que eu abra a revista, que tem uma reportagem com ele, feita por José Rezende.
Na caixa alta da matéria, um de seus relatos: "Minha história é um pouco triste. Teve coisas boas também, porque a gente não nasce só pra sofrer desgosto, mas também pra ter alguma felicidade na vida."
Hoje folheei a revista para ler a história do Chico. E que história! De uma vida que tinha tudo pra já ter sido abortada pela violência, pelo submundo do crime, pelo lugar social do risco social, que leva tudo e todos para lugar nenhum.
Mas, Chico sabia que podia subverter o pior dos tempos, o tempo predestinado. Poderia refazer-se, e buscar suas "algumas felicidades na vida".
E assim o fez, ajudado, como ele muito bem falou, por algumas pessoas-anjo que nele acreditaram.
Um dos maiores estudiosos da autoeficácia, capacidade que temos de acreditar que com nossos próprios recursos: materiais, emocionais, cognitivos podemos fazer acontecer, o Antonio Bandura (1977) é categórico ao afirmar que uma das formas de se incentivar a autoeficácia são as palavras que recebemos de alguém, um alguém que nos inspira, que diz a nós mesmos que nos podemos ser mais do que somos, fazer mais do que somos. e superar nossos próprios condicionantes.
Uauu!!
Volto ao tempo, ao Chico, aos músicos, ao Preciso me Encontrar, e celebro a importância das pessoas que nos fazem o tempo parar, para escutá-las e segui-las.
Pessoas que nós dizem: Vai lá e faz, você é capaz, eu confio em você!
Disseram isto para o Chico, e transformaram sua vida.
Podemos dizer isto aos nossos liderados, podemos dizer isto aos nossos filhos, aos nossos parceiros afetivos e amigos.
Podemos ser estímulo, apoio, ponte, incentivo e orientação.
Podemos, fazer o tempo parar, acolhendo o outro em nosso viver, motivando e mobilizando-o ao Ser +. Talvez a maior atitude que possamos ter, em tempos de tanta pequenez emocional, seja dizer a alguém, Eu Acredito em Você!
Aproximo-me dos músicos, pego uma garrafa para acompanhá-los, Chico se despede e segue para outras mesas, precisa bater sua meta de vendas.
Peço uma música para ele, para nós, Corre e Olhe o Céu, do mestre Cartola, que fala do tempo.
"Vida. Te sinto mais bela.
E fico na espera.
Me sinto tão só.
Mas o tempo que passa.
Em dor maior.
Bem maior.
Linda. No que se apresenta.
O triste se ausenta.
Fez-se a alegria.
Corre e olha o céu.
Que o sol vem trazer.
Bom dia."
O tempo que passa, em dó maior, um bem maior. Grande Cartola, disse tudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é uma honra.