Que Sociedade Estamos Criando para Nossos Filhos? (Ricardo de Faria Barros)


As reportagens acima são deste ano. E, no seu conjunto, retratam uma sociedade doente, doente de si mesma. Cada vez mais cheia de seus próprios direitos, e pouco tolerante com os direitos dos outros. Uma sociedade perversa com o tido como diferente e alienada, na construção de relações sociais, mediadas pelo diálogo.

Entrevistadas, estas pessoas dirão que só estão defendendo o direito delas. Ao dormir, ao não falar, ao ir e vir, conforme abaixo, vejam:.

As moradoras da praia de Cabo Branco, foram à Câmara dos Vereadores, reclamar que o projeto de acesso dos cadeirantes até a praia iria desvalorizar seus apartamentos, pela alteração do fluxo de trânsito de veículos no local, dificultando o acesso aos seus imóveis.

O Uber explora o filão de pessoas que gostam de se protegerem dos outros, cultivando endeusadas individualidades, um tanto narcisistas e egoístas. Pessoas com a Síndrome da Intolerância à Gente, muito comum nos dias atuais.

A vizinha que denunciou o choro de crianças, alegou que o barulho matinal e frequente, tem tirado seu sono e fere as leis do silêncio do condomínio, sendo passível de notificação.

Visto da perspectiva deles, há uma racionalidade em seus propósitos.  O problema é que a teia social de coletividade, a noção do todo, é pautada pela premissa da urbanidade.

Então, à racionalidade deve ser moderada pela urbanidade. Que são práticas sociais que expressam afabilidade, civilidade e cortesia entre os povos que habitam um mesmo ecossistema social.

Uma sociedade em que todos têm direitos, e que eles se sobrepõem aos dos outros, é uma sociedade fadada a morrer, e de solidão.

Nunca esqueci um post de amigo que viajava de avião com o seu bebê de 6 meses. Eles estavam indo ver os parentes em Recife. Então, ele distribuiu uns 20 chocolates, envoltos num bilhete que dizia assim:

 "Aceitem este chocolate como forma de  minimizar os transtornos com o barulho do horo de nosso filho".

Fiquei pasmo com isto. Que sociedade é esta que pra viajar com crianças, que choram pela pressão do ar em seus ouvidos, precisamos comprar chocolates e fazer bilhetes?

Que sociedade é esta que denuncia um post de uma mãe, feito ao amamentar seu filho, por considerarem que ela expôs o peito em local público, "desrespeitando os puros olhares" dos transeuntes.   Que sociedade é esta que ver um peito que erotiza, no lugar de um peito que alimenta?

Estamos ficando muito chatos. Chatos demais.  Cheios de não me toques, cheios de nossos próprios direitos.

Com pouco espaço para a tolerância, flexibilidade, para a aceitação de algo que ocorre no momento, e que não é para sempre.

Estamos sempre armados, e o meio digital amplificou esta agressividade.

As pessoas encontram suas bolhas digitais de intransigência e se retroalimentam com elas, além de receberem, naqueles espaços,  apoio e reconhecimento pelo "seu jeito de ser, fazer e acontecer" perante a vida.

"Mandou bem, se fosse eu denunciaria também estas crianças choronas. Não tem mãe não?"
"Tem mais é que ficar calado mesmo, não pago pra ouvir motorista de lero lero".
"Fez muito bem em proteger teu imóvel. Logo eles ampliam este projeto e tomam todas as nossas áreas públicas com estes cadeirantes".

Urge voltarmos a cultivar a urbanidade, irmã gêmea da empatia.

Deixar aquele motorista de ônibus passar primeiro, afinal ele transporta muita gente.
Esperar a pessoa que vem correndo pra pegar o elevador, e fingimos não ver ao acionar o botão de subir.
Dar o lugar na fila, pra quem está com mais pressa.
Não estacionar em vagas reservadas para outros públicos.
Tornar visível e tratar bem as pessoas que nos servem.

A lista é imensa.

Uma das melhores fórmulas de se ampliar a urbanidade é com aquela pergunta, e se fosse eu que estivesse no lugar dele?

E se fosse eu que teria uma alegria ao mergulhar no mar, após um acidente que me deixou de cadeiras de rodas?

E se fossem meus filhos, chorando por alguma doença, ou birra incontrolável?

E, se fosse eu o motorista que precisasse do diálogo com seus clientes, para se sentir diferente de um piloto automático, um autômato, que passará longas horas em trânsito pesado pelo dia afora.

Mas, para se fazer esta pergunta: "E Se fosse Comigo?" é preciso ter uma forma de sabedoria que considera o outro em sua própria dignidade e necessidades.

E, talvez aí, seja pedir muito nos tempos atuais!

Tempos em que estamos sendo educados, e em todas as instituições, para o culto ao nosso Eu.

Seja em Programas de Coaching, seja na Teologia da Prosperidade, seja em ofurôs corporativos, seja em livros de auto-ajuda que vendem como água.

"Você merece."
"Você vai ganhar, basta acreditar".
"Você é o cara"
"Você pode."
"A natureza conspira para você."
"Logo vão descobrir você e irá então arrebentar."

Não merecemos tudo que queremos.
Não vamos ganhar nada, só por acreditarmos. E, perder faz parte da vida.
Não somos o cara. Somos mais um dos caras.
Não podemos tudo que queremos.
A natureza não conspira para satisfazer nossos quereres. Ela tem mais o que fazer.
Não vamos arrebentar logo. Nem nos descobrirão. No máximo, vamos subir uns degraus, não sem nos arrebentarmos é de esforço, foco e investimento em priorizações.

É preciso deixar de ser arrogante e besta na vida e o viver.  Caso contrário, seremos uma sociedade de solitários, pois ninguém consegue fazer e manter amizades com pessoas que só pensam nelas, que só elas importam e têm direitos.

Todo mundo cheio de razões, e vazio de sentido na vida e felicidade.

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