Vaso bom quebra, e pode colar!

Tenho tido um prazer enorme nos último dias. Desde que libertei um casal de agapornis de sua gaiola eles vieram fazer o ninho na varanda da sala TV. Contemplá-los, levando galho-a-galho pequenos ramos de um Salgueiro, plantado por mim no p
omar, é um deleite. Eles trazem os pequenos ramos para a calha do telhado da varanda. Construção de alto-risco, mas fazer o que? À tardinha eles descem da obra e vão comer na gaiola que deixei aberta, desde que os libertei. Todos os dias ponho comida ao chegar do trabalho, pelas 18:30hrs, e eles descem da calha para jantarem numa algazarra que dá gosto. Ontem os flagrei olhando o infinito, namorando, juntinhos, sobre um fio do poste em frente de casa. Depois, eles voltaram aqui para casa, para sua calha, num rasante mergulho no infinito. Fiquei pensando que não a tôa o nome deste aves vem do grego e significa um par de amor.
Para mim, esses pássaros falaram muito. Sabem dividir bons momentos, seja juntinhos olharem para o amanhã. Seja darem umas bicoradas, um namorinho dos bons. Seja voarem juntos, apoiando-se mutuamente. Sejam tocarem projetos a dois, como a construção do ninho.
Lembrei com pesar de dois relacionamentos que soube estarem em crise. Duas amigas queridas que sofrem. Sofrem pelos decepção com seus amados. Sofrem por não saberem qual decisão correta. Abandonar o ninho, ou tentar mais uma vez?
Como é difícil viver este roteiro numa relação, e tomar a decisão. Muita coisa acontece para a relação chegar a este ponto. Não há vencidos, nem vencedores, culpados, nem vítimas. Acho que em algum momento perdem-se um ao outro. Deixa-se de simplesmente gostarem de estarem juntos, olhando o horizonte, como este casal de agapornis. Aí, perde-se a vontade de encantar, de dá uns beijinhos para além do ato sexual. Aquela vontade de se fazer presença para o outro, de conquistá-lo com pequenos prazeres. Depois, cada um passa a voar para um lado. Perde-se em cumplicidade. Por fim, nada mais justifica uma construção a dois. Nem um projeto comum, à exceção da criação dos filhos.
Minhas amigas estão sofrendo. Elas amam seus amados. Embora estejam doídas, de luto com a traição descoberta. Minhas amigas vivem um pesadelo, um trauma.
Meus também amigos pisaram na bola, sabem disso, quebraram o vaso.
Pisaram no tomate. Deixaram-se conduzir pelo instinto e magoaram bastante suas parcerias. Alegam arrependimento, choram pelos cantos envergonhados. Alegam que as amam e coisa e tal. Mas parecem uma chaga viva da dor que portam, portadores que são da culpa e remorso. 
A sabedoria popular acorre logo com a solução: separa!
Ouve-se separa por todos os cantos, das amigas e amigos, de conhecidos distantes, de parentes. Até do cancioneiro popular com sua Amélia.
Parece que não resta uma solução que não purgar a dor com a ruptura.
Muita gente dando pitaco, contando suas próprias histórias. Muito papa-defunto rondando, torcendo pela desgraça do casal.
Justiceiros, família-clã, moralistas, legalistas, puritanos, contritos cristãos... Todos entram no coro, "Joga pedra no Geni". O Geni é o meliante, o safado. O que não se deve pronunciar o nome.
Poucos dão chance ao próprio casal que se entendam, ou que processem sua dor por si mesmos.
Quero subverter a ordem reinante e dizer que é possível recomeçar. Desde que o casal, após uma overdose de conversas e perdões remidos, e sob a égide do amor resistente, mesmo que combalido, ergam uma nova plataforma para seu viver.
Na qual os ensinamentos dos agapornis das fotos estejam presentes:

Olhar juntos o horizonte - cumplicidade
Namorar despretensiosamente - ternura
Voar juntos - viver aventuras
Construir ninho - investir em novos projetos juntos.

Por algum tempo será estranho. Mas, como a técnica japonesa do kintsugi ensina é possível colar vasos valiosos quebrados, com ouro fundido, ficando o resultado final mais precioso ainda.

Fica visível onde rachou. Os cortes ficam salientes.
Não tem jeito, ficarão cicatrizes.
Conviver com elas será uma arte. A confiança se acumulará novamente lentamente.
Mas, a estrutura da relação readquire sua forma.
Lança-se as bases para novos dias a dois, do tipo, só por hoje irei cativá-la, ou cativá-lo. Tal qual a filosofia dos AA.
Sua relação pode ficar até mais forte.
Mais verdadeira.
Ambos terão maior cuidado um com o outro, para não se perderem novamente.
E, você poderá voltar a constitui-se como pessoa, em sua auto-estima, em sua dignidade, dando uma chance para refazerem suas rotas, sua história.

Não por filhos. Mas por vocês mesmos.

Aliás, como bem disse Jesus na cena do apedrejamento de Maria Madalena (João 8,3-7) "Os escribas e fariseus trouxeram à sua presença uma mulher surpreendida em adultério e, fazendo-a ficar de pé no meio de todos, disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes? Isto diziam eles tentando-o, para terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo. Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra. Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra!".

Agora, se o amor de fato acabou, para ambos, aí é outra história...

4 comentários:

  1. Ricardim, caro conselheiro, você falou e disse. Bom ver que sua visão poética persiste.

    Sábado passado, mandei-lhe um email em face de sua entrevista no boletim Previ.

    Meu blog: http://domacedo.blogspot.com.br

    No mais, refestelemo-nos com muito bode com farinha!

    Grande abraço,

    Gregório (Dodó) Macedo

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  2. Meu querido, quanta honra. Não recebi o email, fucei fucei e nada. Manda de novo. Você ensinou-me tanto!!!

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  3. Incrível...emocionada....lindo!!!

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    1. Amiga, tenha certeza que se existir uma brasa de amor, ele reacenderá. Está muito fácil desistir de relacionamentos. Vale lutar por eles.

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