Nas ondas do amor


Volto cansado após mais uma aula. Cada vez temos que nos esforçar mais para despertar a atenção de nossos alunos. Entro no carro e imagino que ainda estou a 30 km de casa. Os carros voam, passam por mim jogando-me para além da faixa dos lerdos. Todos querem chegar logo em casa. Pensativo, dirijo devagarinho, procurando me concentrar nas voz dos locutores de rádio. Vou zapeando, procurando propagandas, programas de auditório, comentaristas e postais sonoro. Gosto de programas de rádio bem populares. Sinto vida neles. Mas, gosto mesmo é de zapear pelas emissoras, até em AMs.
Ontem não conseguir tirar de uma rádio que achei. Fiquei hipnotizado. Não tive coragem de mudar o seletor. Passava um programa interessante. De um lado da linha, um pastor. Do outro, pessoas que queriam mandar uma mensagem para os apenados da Papuda, maior Complexo Penitenciário destas bandas.
Não havia comunicação com os apenados. Imagino-os coladinhos no rádio, ansiosos por receberem uma mensagem dos seus. O pastor cronometrava o tempo rigidamente, como quem sabe o valor daquelas mensagens para quem teve a liberdade cerceada por sua culpa, sua tão grande culpa. Ele queria otmizar a participação. Tá certo.
Eram filhos, mães, mulheres, irmãs... Cada um deles tinha uns 15 segundos. E, naquele 1/4 de minuto sempre saia algo belo. Algo especial a dizerem. Durante uns 20 minutos fiquei chorando sozinho, a cada telefonema que tocava no celular do pastor, e que ele botava o áudio ao vivo no ar. Imagino o frisson nas celas, com muitos apenados sintonizados na emissora e ouvindo aqueles acalantos.
As mensagens começavam tímidas, depois iam criando emoção. O pastor incentivava a produção, conduzindo para preces. O povo o desobedecia. rsrs Confesso que não ouvi muitas preces. Mas, ouvi muitas preces, as preces maiores, as do amor, da esperança, da confiança no outro.
Escute comigo algumas das frases que não me deixaram dormir ao chegar da aula.
"Baby, eu te amo, não desista!".
"A casa está ok".
"Nossos filhos mandam lembranças".
"Escute aqui, ele aqui falando: diz alô para o papai, vai...".
"Aqui quem fala é sua mãe, tenha força e fé meu filho."
"Estive com o advogado e ele vai pedir nova audiência".
"Avisa ao José que a Fátima está boa."
"Aqui está faltando de um tudo, mas o pessoal tem ajudado."
"Não se preocupe conosco. Cuide de você."
"Estou com saudades...não tenho podido faltar o trabalho pra te ver nas quartas".


São, ou não são, verdadeira preces? Feliz de quem sente o amor.
Feliz de quem se sente amado. Não tenho dúvidas de que cada um daqueles apenados, mesmo sem poderem interagir com as ligações, sentiram-se amados, abraçados, e naquela noite, estimulados a mudarem - nem que seja pela fração do tempo em que sentiram-se privilegiados de ouvirem seus nomes, em súplicas de desejantes.


O amor pede expressões, gestos, atitudes concretas. Pede telefonemas esperançosos para um pastor numa rádio qualquer, torcendo para que um radinho de pilhas esteja encostado no ouvido de quem se ama, e sintonizado naquela emissora.


Aquelas mulheres são a expressão do amor. Chorei com elas pelos seus amados.


A humanidade está carente de demonstrações de afeto, de amor, de cuidado, de interesse genuíno pelo outro. Mas, é só prover as condições que o amor brota e se revela em formas mil.


Com licença, nessa noite o amor pede passagem! Vou ali fazer meu gesto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores