Só um voltou...

O dia convidava à vida. Botei meu tênis, mais pelo tempo do que por exercícios, e fui pra feira. De longe avistei Dona Chica e sua Kombi cheia de plantas.
Ao me aproximar, vi que um cliente conversava com ela. 
O tom da conversa era pastoral, não tinha como não escutá-los, enquanto admirava as plantas que ela trouxera.
Ela, justificava-se para ele, o porquê de estar triste, véspera do dia das mulheres.
Quanto a ele, tentava animá-la com as palavras que lhes vinham à mente.
Dois amigos ajudando-se, numa manhã de sol tão bela.
Logo ele despediu-se e ela veio me dá atenção.
Disse-lhe que estava escolhendo umas flores para o dia das mulheres.
Ela olhou-me um olhar de súplica. Disse-me o quanto ficava triste nas duas datas que se seguem: dia das mulheres e das mães.
Parei toda a pressa do mundo pra escutá-la. É que encaixo a ida à feira livre no sábado, antes do futebol do JG que começa às 9hrs.
Ela contou-me que teve três filhos. Duas moças e um rapaz. E que [sinto a presença de Márcio (+68) de onde teclo, ele partiu dia 26/12, éramos amigos e nossa última conversa foi exatamente onde agora estou. Obrigado Márcio, pela luz que deixou e nos irradia]
Deixando a divagação espiritual, Dona Chica contou-me que criou os filhos com muita dificuldade e deu condições deles tocarem a vida sozinhos. Pagou estudo caro para as filhas “até no exterior”. Deu um caminhão para o filho trabalhar de frete. E comprou duas áreas para as filhas tocarem negócios próprios de plantas, projetando para o futuro a independência das mesmas.
Hoje, sente-se sozinha e abandonada pelos filhos. Percebe-se vítima de ingratidão. O marido já faleceu. Ela diz que sofre quando fala com as filhas e sente frieza, e acha que as filhas têm vergonha dela ser uma feirante.
Disse-me que ultimamente nem atende mais aos telefonemas das meninas. Não quer sofrer e prefere não falar com elas.
Olho para Dona Chica e rememoro tantas pessoas com as quais cruzei e que adoeceram de desamor, sofrem de coração partido.
Pessoas que terceirizaram sua força de viver para os outros. Que esperam dos outros reconhecimento, atenção, cuidado e carinho, e porque não dizer até respeito, e quando não os tem satisfeitos, com as expectativas em relação a eles nutridas, sofrem. Sofrem muito.

De namorados, maridos, chefe, colegas de trabalho, pastores/padres, amigos, irmãos...

Respirei fundo, fitei-lhe nos olhos e disse-lhe: Dona Chica, vou lhe contar umas histórias que tem mais de 2.000 anos.
Um dia Jesus curou dez leprosos. Sabe quantos voltaram para agradecê-lo? Apenas um.
Outro dia, Jesus contou uma parábola de um filho que estava perdido e voltou pra casa dos pais. Sabe qual foi a reação do irmão, ao ver a alegria do reencontro? De indiferença e mágoa com o pai. Ele não gostou da reconciliação de seu pai.
Dona Chica, a ingratidão faz parte da história da humanidade. Esperar que os outros nos agradeçam pelo que fizemos, nos reconheçam em nossas ações para com eles, nos devolvam um pouco do que a eles doamos, é um passo para a intoxicação emocional.

E, nem sempre fazem isso por serem maus. 
Fazem por não terem aprendido a ser diferentes, mais amorosos.

Não espere ser feliz somente quando suas filhas demostrarem que lhe ama.
Não delegue a ninguém a sua existência nesse mundo.
Acolha as pessoas como são.
Isso não significa que a senhora não tem razões para sofrer. Tem sim.
Mas vou te provocar agora. Olhe para sua Kombi.
O que ver nelas?
“Vejo minhas plantas”.
Bem, outros que não gostam de plantas sabem o que podem ver?
“Não”.
Uma tranqueirada danada, sacos de estrume com a boca abera derramados no chão, uma Kombi que mal se levanta das pernas - quase arrastando o lastro no chão, falta de água para beber, de um banheiro, ausência de placas sinalizadoras, de balcão para atendimento, de cadeiras, de máquina de cartão, de saco decente para levar as mudas, de uma sombra para facilitar as escolhas e até da tabela de preços.
A vida é exatamente assim. As coisas vão nos acontecendo e vamos deixando de ver as plantas ao redor, as flores, o mistério da vida desabrochando e nascendo de frágeis sementes.
Passamos a procurar razões para ser infeliz. Razões para resmungar, murmurar e ficar rabugento.
O pior é que todas as razões têm razão.
Atribuímos muitas expectativas ao outro, nos relacionamentos, e é um passo para a morte. Vamos ser magoados. Ah! se vamos!
Na vida, como disse uma amiga, temos que pisar leves. Ser menos exigentes, carentes e ausentes de nós mesmos.
Olhando-se por esse prisma. É como o cliente que queria conforto ao comprar suas plantas e não encontrou.
Se a senhora do alto de seus 72 procurar razões para ser infeliz, na relação com seus filhos, achará e um monte delas.
Pare com isso!
Deixe de se intoxicar com emoções negativas. Deixe de ter pena de si mesma, de sair para todos proclamando sua infelicidade.
Nesse tempo, que para mim durou uma eternidade, ela [Pera aí Márcio que já conversaremos]
Marejou olhos e ergueu o esqueleto, como quem leva um soco ao contrário.
Vou lhe ensinar um segredo: somos o que pensamos.
Repense sua vida e tenha menos expectativas sobre os outros.
Como: treine comigo.
“Como sou feliz, tive três filhos. Tantas pessoas não conseguiram.
“Como sou feliz, pude criar e dar vida digna a três filhos, quantas pessoas não conseguiram.”
“Como sou feliz, com meus 72 anos ainda tenho disposição para trabalhar e me sentir produtiva. Quantas pessoas não conseguiram.”
“Como sou feliz, tenho um monte de clientes amigos que param tudo que estavam fazendo ficam por meia hora proseando comigo. Quanto outros comerciantes não têm relação com seus clientes de amizade.”
Viu dona Chica?
Reprograme seus pensamentos, incluindo pensamentos positivos, no seu viver.
Repreenda as emoções tóxicas mais agressivas e danosas ao ser humano: culpa, inveja e mágoa.
Sê feliz consigo mesma, sendo bênção para os outros. Faz um jardim dentro de ti. Não é o do vizinho que é mais belo, é o teu que está descuidado esperando por alguém que lhe dê sentido. Mas, só quem poderá dar sentido a ele é você mesma.
Ame-se mulher! Deixe de besteira. Goste de si mesma e viva a vida que vale a pena. Tome sorvete, banho de chuva, suba em árvore, conheça novas pessoas e lugares, dance, cante, louve, ajude, plante, e cozinhe.
Se outros quiserem vir juntos, excelente, caso não: ótimo também!
Nunca coloque o sentido no outro. Nunca.
Afinal, Ele mesmo falou que a condição para o ir ao encontro do outro está em nós
“Ame ao próximo, como a ti mesmo”.
Atenda o telefone de suas filhas. Acolha e aceite o amor que elas podem lhe dar.
Fui no carro, peguei um exemplar de meu primeiro livro, dei-lhe de presente do dia das mulheres e prescrevi, como leitura obrigatória, o texto Florezinhas Amarelas.
Ela adorou o presente, afinal de cultivar flores entende, só esqueceu momentaneamente de fazê-lo no seu coração.
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Sr Márcio, sabe quem chegou aqui o Sr. Waldyr. E ele vai pegar uma abóbora pra gente. Disse que o milharal deu umas espigas enormes e ainda comeu dois cozidos de feijão.


Florezinhas Amarelas
http://bodecomfarinha.blogspot.com.br/2011/12/atitudes-florezinhas-amarelas.html

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