Era uma vez um povo que nas noites frias reunia-se ao redor das fogueiras, feitas com os restos de de suas vidas.
Muito ficavam horas ali, perfilados, sem murmurarem queixumes, sem falarem do tempo, sem comentarem sobre o último que partiu, ou repararem os que por ali chegavam.
Apenas se aqueciam, deixando seu ser perambular, entre as chamas brincantes que teimavam em escapar da sina de queimar junto.
Numa grande panela, um caldeirão de sopa coletiva e rala fervia. Feita com as com raras e minguadas batatas, retiradas do que restou das plantações, baús e escombros.
Então, dirigiam-se até ela, enchiam seus pratos, sorviam aquele alimento, sem se falarem, pois não mais se reconheciam como iguais.
Eles viviam naquela rotina há meses, até que numa noite algo ocorreu.
Havia uma pessoa diferente, arrodeando o fogo, logo notada por todos.
Perceberam que ela não era dali, era forasteira.
Tinha um semblante altivo, embora esquálido pela fome. E, ela fazia coisas diferentes deles. Vez por outra ela botava uma lenha no fogo, para não deixar apagar. E ia em direção à panela mexer, atitude que muitos reprovavam, em expressões faciais, já que não mais se falavam.
Ora, para que mexer uma panela de sopa, feita com dez litros de água e uma única batata?
Não havia lógica.
Na outra noite, não satisfeita em atiçar o fogo e mexer o caldeirão, Carmina começou a cantar uma velha canção, para desaprovação de muitos.
Os pensamentos deles trocavam ideia entre si, no silêncio dos porões espirituais.
- Como pode esta senhora cantar, diante de tudo que estamos passando? Pensou o mais alto do grupo.
Ao que o outro pensamento, em diálogos espirituais, endossou dizendo.
- Só pode ser maluca, é preciso que tenhamos cuidado com ela. Poderá inclusive botar algo na sopa. é bom prestar atenção nela.
Contudo, entre os presentes alguns começaram a bater o pés, no ritmo da canção. Embora timidamente. Outros assumiram a tarefa de botar a lenha no fogo. Outros ainda, começaram a revezarem-se na mexida da sopa, que até passou a lançar delicioso perfume, daqueles que atiçam e dão sabor à fome.
Uma jovem órfã se aproximou de Carmina. Ela se chamava Maria, e passou a cantar baixinho com ela.
Ao voltarem para casa, as duas iam juntas parte do caminho, até se despedirem.
Passou uma semana e a rotina era sempre a mesma, fogo sendo atiçado até tarde, caldeirão mexido, e canções sendo cantadas pela Carmina, sempre acompanhada por algumas batidas de pés no chão.
Mas, eis que Carmina não foi naquela noite.
Eles se entreolharam, perguntando com seus toscos botões o que teria ocorrido.
Não sabiam em qual casa ela morava, ou quem ela era, pois nunca se importaram em perguntar.
E se sentiram culpados por isso.
Perguntaram então à Maria, mas ela falou que quando voltavam juntas, Carmina a deixava primeiro, e seguia caminho.
Fez um silêncio, daqueles que se dá para ouvir o crepitar das chamas.
De repente, um dos presentes, timidamente, começa a entoar a canção preferida da Carmina, ao que todos o acompanharam.
Outros, logo se animaram e assumiram o atiçar do fogo, e uns outros revezavam na mexida da panela.
Eles já tinham cantado por diversas vezes, e as labaredas do fogo estavam alta, quando ao longe um vulto aparece, trazendo algo nas mãos.
Era Carmina, e trazia uma placa com a inscrição: "Casa de Maria".
Todos olharam para ela, desconcertados, sem entenderem o gesto.
Então, ela fez sinal para que o grupo a acompanhasse. Após andarem por bairros destruídos, chegaram a um resto de casa, na qual Carmina ficou na calçada a placa que fez.
Disse que a noite seria encerrada com Maria contando sobre a sua casa, seu mundo, sua família, amigos, conquistas, derrotas, medos, coragens, sonhos e desejos que ainda tinha e alguma coisa da dimensão da "estranhice" que ela gostava, colecionava, fazia.
E a noite seguiu pela madrugada adentro. Logo as pessoas foram buscar algum resto de fogueira, feita com escombros das casas destruídas, e se aqueciam enquanto sorviam a vida da Maria.
Ao raiar do dia, o mais alto do grupo, e outrora o mais resistente, disse que naquela noite gostaria de botar uma placa no que restou da casa dele, e que gostaria de contar sua história aos presentes.
E assim se sucedeu, dia à dia, pessoa à pessoa.
Ao acabarem as narrativas, Carmina propôs um mutirão para ajudar, um a um, a reconstruir o que restou de suas casas. E assim foi feito.
Existe um punhado de gente que inspira outros ao seu melhor, como Carmina Burana, cujo nome nesta ficção foi retirado de uma famosa ópera.
Existe gente que não desanima, mesmo que só possa, diante de uma situação limite, atiçar o fogo.
Ou mexer a panela. Ou ainda, cantarolar uma canção daquelas de aquecer corações cansados.
Este povo do bem, consegue devolver identidades perdidas, atiçar ânimos molengas, revitalizar práticas virtuosas esquecidas. Mesmo quando todos, tudo e a própria situação represente para eles uma barreira, quase que intransponível.
Mesmo assim, eles continuam, perseveram, e caso nada possam fazer de mais significativo, ainda assim fomentam o espaço da fala aos aflitos, para que estes possam se reconhecer nelas, recriando identidades, reinicializando-se em aberturas às novas possibilidades, nem que seja a de mexer uma panela, de uma sopa rala, ou a de não deixar um fogo apagar!
No limite, um dos bens mais preciosos que podemos conceder aos outros é o direito à fala, ao compartilhar de sua jornada, em espaços fecundos de escuta institucional de narrativas eivadas de subjetividades e valor.
Ninguém sairá igual dessa roda de conversa, sairá mais forte e esperançoso!
Obrigado pelo carinho dos reconhecimentos.
Às vezes, quando se nos faltarem os ventos, ainda poderemos ousar remar. Os remos podem ser uma vírgula: Aos que semeiam, esperança!
Termômetro Emocional (Autor Ricardo de Faria Barros)
Um dos indicativos de que as
coisas não vão bem com o organismo é a febre. Quem já criou crianças sabe do
aperreio de uma febre alta. E tome banho frio, tome remédio, tome preocupação
que cavalga noite adentro. O termômetro indica como as coisas estão se passando
dentro do organismo. Já se passaram uns
bons 400 anos da invenção do termômetro, feita por Galileo Galilei (1592), e a
descoberta de seu uso médico, feita pelo fisiologista Sanctorius de Pádua, em 1612.
Quantas vidas se salvaram graças a este aparelhinho
tão simples?
Seria muito bom se algo do tipo
fosse descoberto para medir o grau de nossas emoções.
Já imaginaram se houvesse um termômetro
que nos alertasse sobre a nossa temperatura emocional interna?
Os marcadores deste termômetro poderiam
ser estes: Desanimado -> Desmotivado -> Apático -> Ressentido -> Desiludido
-> Desamparado -> Prostrado -> Culpado -> Frustrado -> Chateado
-> Triste -> Irado -> Decepcionado
-> Ácido -> Descrente -> Ranzinza -> Crítico -> Pessimista
Para cada um dos humores acima,
haveria um nível aceitável e um nível doentio, que recomendaria uma intervenção
imediata, para controlar o processo de infecção da alma.
Aí, poderíamos parar o que estávamos
fazendo, e entrando em contato conosco mesmos, escanear nossas emoções, pensamentos
e acontecimentos que provocaram este elevar da temperatura emocional. Uma vez identificada a fonte de nossa febre
emocional, poderíamos sobre ela atuar. Em processos de autoconhecimento,
autoconsciência e autonomia do ser.
Em muitas das situações, o que
elevou esta temperatura foi o foco perceptivo seletivo negativo do que nos
ocorreu. Expressos em narrativas cheias
de coisas ruins, filtradas de forma doentia da realidade.
Imagine a seguinte cena:
Quando começou a narrar a semana o
Sr. Amaro (60), visivelmente chateado, disse que a tinha perdido, pois ficara
de “molho” em casa. Contou que houvera comido algo que lhe fez mal, e foi parar
numa emergência de hospital que atendia seu plano de saúde. Após triagem, colocaram-no numa enfermaria,
para tomar soro e fazer exames. Umas
longas três horas depois, o médico plantonista deu-lhe alta, dizendo que a
infecção intestinal ainda estava no início, e que ele poderia se tratar em
casa, tomando antibiótico por 7 dias, e “nada de álcool e comidas gordurosas”
durante o tratamento, recomendou-lhe o doutor. Amaro falou que ficou triste,
pois perdeu de aproveitar a festa do batizado da sobrinha, regada a muita
bebida e churrasco.
Se colocássemos o termômetro em
Amaro o que revelaria? Quais emoções negativas estão com os valores alterados,
e para cima, causando-lhe infelicidade?
Imagine agora que o Amaro
aprendeu a identificar a subida da temperatura emocional e passou a intervir nela,
alterando a polaridade das cenas que são captadas na realidade – do negativo
para o positivo. Ele vai contar a
semana, abaixo, com a polaridade positiva:
Quando começou a narrar a semana o
Sr. Amaro (60), visivelmente em paz, disse que a tinha ganhado, pois ficara de “boa”
em casa, convivendo mais intensamente com a família. Contou que houvera comido algo
que lhe fez mal, e foi parar numa emergência de hospital que felizmente atendia
seu plano de saúde. Seu atendimento foi
perfeito, o reidrataram, pediram exames, e todo mundo estava querendo que ele
logo melhorasse. E que pouco tempo
depois, umas 3 horas, o médico deu-lhe alta. Já que graças a Deus a infecção intestinal
não evoluiu, podendo ser debelada em casa mesmo. E que havia uma boa opção de
antibiótico pra o tipo de bichinho que apareceu na cultura. Ele seria o motorista da vez, na festa do
batizado da sobrinha, liberando a esposa para tomar uns champagne, coisa que ele
nunca fazia, pois ela era quem voltava dirigindo. E que assumiria a churrasqueira,
para colocar legumes e frutas para grelhar, já que não podia comer nada
gorduroso, enquanto se recuperava do piriri.
Percebem a temperatura do segundo
Amaro?
A situação e realidade são as
mesmas. O que mudou?
A narrativa, a leitura que ele
vai fazendo, minuto a minuto, sobre tudo que lhe ocorre. Mudou a polaridade da
alma, de negativa, para positiva. Vejamos:
Na segunda narrativa, Amaro
extrai e colore o seu existir com aspectos positivos. Ele vai preenchendo o que
poderia ser negativo, com fortes doses de gratidão, bondade, compaixão e
acolhimento.
Tem que ficar em casa de repouso?
Então ele se propôs a melhorar a intimidade no lar.
Não pode comer carnes gordurosas?
Então ele vai grelhar frutas e legumes.
Não pode tomar álcool? Então, ele
será o motorista da vez, liberando a esposa para os brindes.
Adoeceu? Mas pelo menos tem plano de saúde, foi
prontamente atendido, não ficou internado, e existe medicação para debelar a
infecção, ele pode comprá-la.
É preciso fazer este escaneamento
de nossos pensamentos e emoções toda as horas.
Para identificar quando estamos
ficando com febre emocional. Quanto de nossa leitura da realidade está sendo
contaminada apenas pela polaridade negativa.
Com narrativas da mesma repletas
de ódio, desejo de vingança, medo, desconfiança, pessimismo e rabugice.
É preciso aprender a nos
conhecer, a nos ler por inteiro, identificando o que nos ocorre, quais vulcões
estão querendo entrar em ebulição, quais áreas estão em polvorosa, para sobre
elas atuar - mudando a ênfase e a valorização que lhes estamos dando.
Ser mais feliz passa, necessariamente,
pela reescrita de nossas narrativas, particularmente sobre aquilo que saiu fora
do planejado, controle ou nos causou algum tipo de aborrecimento.
Assim como dar um banho frio é
uma dica que contribui em baixar a febre, eu tenho umas que melhoram a
temperatura emocional positiva. Use-as sem moderação.
1. Cultive a gratidão sobre tudo que lhe ocorre.
2. Seja menos perfeccionista e exigente consigo mesmo.
3. Aprenda que o maior perdão que a vida lhe pede, talvez seja para consigo mesmo.
4. Seja mais empático às necessidades dos outros.
5. Seja mais generoso e menos individualista.
6. Pare de achar que o mundo gira em torno de você.
7. Tenha menos expectativa sobre os outros.
8. Mude a si mesmo, diante de uma situação ruim e imutável.
9. Acolha algumas situações e vire a página. No mínimo, desenvolverão aprendizados.
10. Para cada ruminação de coisas chatas pelas quais passa, traga à mente coisas boas, legais e virtuosas que ainda lhes resta. Muitas delas, esquecidas, desvalorizadas, e à margem de teu viver.
2. Seja menos perfeccionista e exigente consigo mesmo.
3. Aprenda que o maior perdão que a vida lhe pede, talvez seja para consigo mesmo.
4. Seja mais empático às necessidades dos outros.
5. Seja mais generoso e menos individualista.
6. Pare de achar que o mundo gira em torno de você.
7. Tenha menos expectativa sobre os outros.
8. Mude a si mesmo, diante de uma situação ruim e imutável.
9. Acolha algumas situações e vire a página. No mínimo, desenvolverão aprendizados.
10. Para cada ruminação de coisas chatas pelas quais passa, traga à mente coisas boas, legais e virtuosas que ainda lhes resta. Muitas delas, esquecidas, desvalorizadas, e à margem de teu viver.
Cuidadores de Pessoas Sem Necessidades Especiais (Autor Ricardo de Faria Barros)
O motivador desta crônica foi o relato de Sr. Valdecir (76 anos). De quando na sua casa cheguei, no momento em que regava seu jardim, em frente à sua casa (ver foto).
Após saudá-lo, fomos tomar um café na cozinha.
Hoje ele estava meio agitado. Contou-me um monte de coisas que andam preocupando a cabeça dele, tirando-lhe o sono, a vontade de comer e que o deixam infeliz: "Ricardo, ando com a vida cheia de tubulações (atribulações)...".
Hoje ele estava meio agitado. Contou-me um monte de coisas que andam preocupando a cabeça dele, tirando-lhe o sono, a vontade de comer e que o deixam infeliz: "Ricardo, ando com a vida cheia de tubulações (atribulações)...".
Todas elas, girando em torno de algumas situações-problema de pessoas da família. E, nenhuma delas, dizendo respeito exclusivamente a ele. Então, contei-lhe a história de Dona Januária, a que embasará esta crônica, veja a seguir.
Dona Januária, aparentando um certo nervosismo, lentamente ergueu as mãos, inscrevendo-se para compartilhar sua resposta à minha pergunta: "Qual a receita para uma vida feliz na envelhescência?"
Lentamente, um tanto vacilante, ela dirigiu-se à frente. Mas, ao tomar o microfone, já era outra pessoa. Serena e confiante, ela foi irradiando luz em forma de letrinhas debulhadas ao vento.
Contou-nos que há 15 anos tinha sofrido um AVC, cuja recuperação de parte dos movimentos foi quase um milagre.
E que uma enfermeira de UTI ensinou-lhe uma receita para diminuir o risco de vir a ter um outro:
"Dona Januária, a senhora precisa parar de se preocupar tanto com os outros. Esvazie sua cabeça dos problemas dos filhos, noras, genros, netos e demais familiares, para que dentro dela possa caber sua própria vida. Deixe de viver sua vida pela ida dos outros, eles já estão crescidos."
Uauuu!!!
Ela falava com uma paz que contagiava a todos nós. E, sem rancor, sem mágoa, ou qualquer falsidade, ela disse que fez um propósito de vida, ali naquela UTI, de parar de deixar que a vida dela fosse a expressão da vida dos outros, nas suas alegrias, frustrações, e situações que lhes causava alguma dose de aflição. Finalmente, aos 62, ela enxergou que passava todo o dia gravitando na vida de todos da família e amigos, e que não pensava nela mesma.
Se um filho tinha algum problemas aquilo era suficiente para acabar com toda a graça de seu dia.
Se um filho pedia para usar o cartão de crédito dela, e não pagava, ela não tinha coragem de cobrá-lo, provando-se de suas poucas economias para socorrer o filho.
Que, tempo depois, o filho comprava mais coisas, ou ia se divertir com os amigos, gastando tudo outra vez, e recorrendo mais uma vez a ela.
Que alguns chegavam na casa - sem combinarem, e só iam embora no domingo, tirando a liberdade dela de também fazer o que queria, para aquele final de semana. E fazendo-a ter que correr atrás de coisas para alimentá-los, corroendo a pouca renda mensal que tinha.
Bem emocionada, com a voz embargada, ela contou ainda que descobriu que não tinha a vida dela mesma, que viúva que era, poderia viajar, passear com as amigas da igreja, ou aprender algo novo de que gostasse de fazer.
Ela virou a provedora dos filhos, a dona da pensão, a cuidadora de jovens-velhos que não querem mais sair de casa, pela comodidade de que a casa dos pais lhes oferecem.
Encerrou dizendo que há uns dez anos passou a colocar barreiras, exigindo que respeitassem o espaço dela, suas economias, sua privacidade e desejos, e que nunca mais fez a rota de telefonemas diários que fazia antes, ligando pra umas oito pessoas da família, para absorver deles as preocupações, ou responsabilidades, que cabe a eles mesmos resolverem, ou com elas lidarem.
Fiquei tão mexido com aquele depoimento que só consegui expressá-lo nesta crônica, meses depois, no dia de hoje.
Sou pai de quatro filhos e em breve terei neto. E não quero isto para mim. Não quero gravitar minha vida em função da vida deles. Quero ser que nem Dona Januária, e não preciso de um AVC para sacar que é chegada a minha hora de cuidar de mim.
O que não significa que não lhes amem, de montão, ou que não esteja disposto a ser um apoio, quando de mim necessitarem.
Mas, não podemos fazer isto com nossa vida. Viver nossa vida em função da vida dos outros. Ser permeável a todo problema que ocorre na vida deles, e que serão eles, com autonomia e responsabilidade quem deverá resolvê-los e beber daquele cálice.
Tenho visto um monte de jovens-velhos que não saem mais da casa de seus pais, e ainda exigem que seus pais sejam uma espécie de cuidadores deles. Roupa lavada, comida pronta, e - eventualmente, socorra-nos com empréstimos e compras no cartão - nunca devidamente ressarcidas.
Os "Novos Velhos" - expressão que caracteriza um movimento pela busca da qualidade de vida e plenitude na longevidade, não podem renunciar à sua própria existência realizada, condicionando-a à existência realizada dos outros.
Isto não é empatia, isto é co-dependência afetiva, e do tipo asfixiante. "Dai a César o que é de César". Pois, este negócio de achar ocupação na vida se ocupando da vida dos outros é muito pobre, enquanto realização pessoal na longevidade, esta vida é de "César".
Sem falar nos aborrecimentos que podem causar, na própria dinâmica de vida dos outros, que passa a ser vigiada e cobrada, por esta pessoa que deixa de focar nas suas próprias necessidades e desejos, deslocando-os para os outros.
Valeu Dona Januária, é preciso impor limites sobre todo aquele que quiser transferir sua própria vida para a nossa.
Isto será educativo até para eles. E, fazendo assim, passaremos a perguntar-nos - com mais frequencia, o que de fato queremos para nós mesmos, do reino da plenitude, felicidade e satisfação.
Sem querer viver como cuidador familiar, de pessoas que não necessitam de cuidados especiais algum, só precisam assumir suas próprias escolhas, decisões e responsabilidades sobre a vida e o viver.
A juventude é uma consquista da alma. (Por Ricardo de Faria Barros)
Os convites para minha participação eram custeados pela Sistel. Instituição que ainda hoje faz a gestão do plano de previdência das Teles.
Confesso-lhe que o namoro com o tema longevidade, encarnado em forma de grisalhas expressões, foi paixão à primeira vista. Desde então, não larguei mais os estudos e práticas com o pessoal desta área.
Àquela época, eu tinha acabado de me formar na clínica psicológica, e como os encontros eram nos finais de semana, eu conseguia ali exercer alguns conhecimentos da Logoterapia (Terapia do Sentido na Vida), sem prejuízo de minha atividade principal como bancário.
Naqueles eventos, eu ficava impressionado com a garra e vitalidade de muitos sessentões, que não mais aceitavam a visão da velhice como incapacitante, como uma espécie de doença, e que de forma profética eram os arautos de uma revolução social que estava ocorrendo mundo afora, derivada do aumento da expectativa de vida.
Uauu!!!
Afinal, Viktor Frankl, pai da Logoterapia, dizia: "Pode-se tirar tudo de um Homem exceto uma coisa: a última das liberdades humanas - escolher a própria atitude em qualquer circunstância, escolher o próprio caminho".
Escolher a atitude diante de situações. Quanta sabedoria de Frankl.
O mesmo Frankl que à luz de sua experiência como prisioneiro no campo de concentração de Auschwitz (1942-1944) escreveu: "Quando a situação for boa, desfrute-a. Quando a situação for ruim, transforme-a. E, quando a situação não puder ser transformada, transforme-se!."
Corta a cena, e mais de 20 anos depois sou convidado pela mesma Sistel para proferir um ciclo de palestras para os aposentados das teles, país afora. Missão que venho assumindo desde 2018, e com muita honra e satisfação Desde então, já estive com o pessoal da Telerj, Telesp, Telemig, Telern, Telce, Telpe e Telepará. Em agosto, encontrarei-me novamente com o pessoal da Telepar, e será muita a emoção, vinte anos depois.
Naqueles idos de 1997, nos eventos com os sessentões da Telepar, eu os encerrava afirmando que precisávamos chegar com qualidade de vida aos 80 anos.
Nos eventos que agora conduzo, encerro convidando o grupo a chegar com qualidade de vida a pelo menos s 100 anos. Lógico, se Deus assim permitir!
De cada evento, saio muito mais rico do que cheguei. Em determinada parte da palestra eu peço que uns cinco voluntários, compartilhem testemunhos de como tornaram a vida algo pelo qual vale a pena se viver.
No último evento, o do Pará. uma senhorinha, de uns 90 anos, disse que o que faz - pelo o qual vale a pena viver é ensinar as tarefas para netas e bisnetas. Ela falou com uma altivez de iluminar pálidos candeeiros emocionais.
Já o outro disse que se dedica às pastorais da igreja, assim não tem tempo para ser infeliz, relembrando as coisas que lhe fez sofrer e os lutos que já tivera. "Afinal, tem mita gente precisando de minha ajuda."
Uma outra, tão linda, disse que era uma pessoa muito agitada, muito estressada e com tudo, e que descobriu que a vida pode ser melhor diminuindo a intensidade, as cobranças e controle sobre ela mesma, e sobre todos da família, inclusive a mania de absorver os problemas deles, como se dela fossem.
Já uma outra, dirigiu-se a mim, após o encerramento, e disse que o valor da vida estava nos cuidados que prestava à mãezinha, que sofria da doença do Alemão. E que, no inicio, enxergava aquilo como um exaustivo fardo e sofria bastante, Mas que, de uns anos pra cá ela tinha entendido que era uma oportunidade que Deus tinha houvera dado. A de ser melhor, cuidando da mãe. E que se sentia mais jovem a cada dia, após ter alterado a forma que percebia aquele servir ao próximo.
Este pessoal que conserva a vontade de viver nunca se perderá nos abismos e guetos sombrios da vida. Sem a vontade de viver não se chega a lugar algum.
Eles aprenderam a lutar pela maior causa da jornada da vida e do viver, e pelo maior de todos os tesouros: aqueles advindos da conquista da juventude da alma.
Se eu tivesse que resumir todos os aprendizados que já obtive com este grupo, eles caberiam nesta frase que criei e uso nas palestras: A juventude é uma conquista da alma.
E é mesmo. E isto não tem relação com idade. Existem jovens cheios de juventude. Existem jovens velhos. Existem velhos cheios de juventude. Existem velhos velhos. Aliás, já existem crianças velhas também.
A juventude é um estado de espírito, uma postura disposicional e intencional do ser, frente às circunstâncias a que são expostos, e a forma pela qual reagem aos limites que se apresentam.
Cultivando vários espaços de sentido na vida, seja cuidando do jardim, seja cantando para crianças que residem em abrigos, seja cuidando da mãe, ou apoiando causas sociais. E até que seja sobrevivendo mais um dia, a situações difíceis, sem desistir de viver!
Não vejo a hora de encontrar os velhos amigos e amigas, aposentados das Telecomunicações do Paraná, e dizer-lhe o quanto eles foram proféticos, nos idos de 1997, ao enfatizarem que não estavam prontos ainda para adentrarem aos aposentos e esperarem o dia da morte chegar, pois tinham aprendido que a juventude é uma escolha pessoal, revolucionaria, intransferível e inadiável.
Falaram tudo!
Afinal, como também mais uma vez tao bem disse o fundador da logoterapia Viktor Frankl:
"Nada proporciona melhor capacidade de superação e resistência aos problemas, e dificuldades em geral, do que a consciência de ter uma missão a cumprir na vida!"
![]() |
Meus pais, uns oitentões que sabem fazer a vida valer a pena de ser vivida! |
Para ser + feliz, também é preciso saber "festar". (Autor Ricardo de Faria Barros)
É dia de jogo em Brasília, da seleção de futebol do
Brasil. À noite, Brasil e Qatar vão se
encontrar às 21h30 , no Estádio Mané Garrincha.
A última vez que fui ao campo ver um jogo de futebol, o
clássico da Paraíba: Campinense x Treze, foi pelos anos 80, do século passado.
Também não me lembro de ter levado meus três primeiros
filhos, o Tiago (33), a Priscila (31) e o Rodrigo (29) num campo de
futebol.
Creio que a renda apertada de minha primeira família foi um
dos principais motivos que me levou a não vivenciar qualquer tipo de lazer, que
multiplicado por 5 – éramos 5, tornava-se muito caro para quem ganhava salário
de escriturário do BB.
Então, optávamos pelo investimento do tempo no lazer em
família, ou nas coisas da igreja, ou em viagens - para usar as diárias do
título de que pagava mensalmente, da Bancorbrás.
A verba era tão curta, mesmo para estes passeios, que a
opção de fazer uma farofada na praia não era charme, era estratégia de
multiplicação dos reais.
Assim como, a estratégia de prorrogar ao máximo o horário em
que levava os meninos para tomarem o café da manhã, pois economizava fome para
o almoço, postergando-o par ao fim da tarde, numa espécie de almoço-janta.
Mas, depois consegui uns cobres a mais, e mesmo assim
continuei bicho do mato. Os filhos vieram para Brasília, o JG nasceu, e mesmo
assim eu continuava sem ir no campo, ou fazer alguma viagem para o exterior com
eles.
Não vou me deter fazendo grandes análises do que ocorreu
comigo que me levou a não mais ir a um estádio., ou me tornar uma espécie de
ermitão para vários tipos de turismo de lazer-entretenimento, do tipo Disney.
Quantas coisas vão passando por nossa vida e não as
aproveitamos?
Não estamos ali, presente a elas, vivendo aquela
experiência. Seja por comodismo, seja
por apatia, seja por medo do desconhecido. Sei lá.
O fato é que tomei consciência disso recentemente. De que é
importante ser testemunha da história, viver experiências únicas, que não se
repetem. Poder dizer, eu estive ali!
Acho que entrei no modo sobrevivência, com uma vida muito
corrida, adaptando-me a grana curta para qualquer tipo de lazer que custasse
mais que 50 dólares.
Ou fiz outras
escolhas de preenchimento do tempo livre. Ou me adaptei ao estilo de vida da
parceria. Ou, tudo isto junto e misturado.
Outro dia pensei comigo: “Daqui a duas semanas
o Brasil vai jogar aqui contra o Qatar, que tal você levar o JG?”
Assustado de ter que enfrentar meus medos e mudar, ainda
tentei argumentar dizendo que eu iria ver se ele estaria comigo no dia do jogo,
uma vez que tenho a guarda compartilhada dele.
Tipo, vou adiar o assunto e ela vai esquecer. Mas, esperta e conhecedora de meu estilo ermitão,
soltou um: “Será na quarta à noite. E toda quarta ele fica contigo”. Eita!
Então, resoluto e decidido, respondi que nós iríamos ao
jogo.
Comecei a fuçar e descobri o site pra comprar os ingressos.
A primeira aventura foi entender o sistema deles.
Os dois ingressos, a meia e a inteira, saíram em meu nome. E
não havia opção de escolher as cadeiras, portanto saíram em poltronas
diferentes, embora no mesmo portão 17.
Aiaiai pensei! Só comigo.
Mandei mensagens para a Fanpass, e-mail, tentei os fones,
WhatsApp, bati bombo, soltei fumaça e ninguém respondia.
No dia do jogo, após mandar um último help pelo Zap, eles enfim
responderam que não havia cadeiras marcadas e que a meia entrada, também com o
meu nome impresso nela, não seria problema. (Sic!) Não entendi nada, mas lhes
confesso que fiquei com o “chu” na mão. É que tenho fobia com acesso a prédios,
ter que passar por guardinhas. Além da de achar que o meu lugar de sentar
estará com outra pessoa nele. Bem, pelo menos a segunda fobia não seria
alimentada, já que o assento era livre. O problema, na cabeça de um fóbico, é
que criamos um cenário no qual nenhuma dupla de cadeira estaria disponível,
lado a lado, para mim e o JG. Coisa de louco, ao pensar um estádio com mais de
70.000 lugares. Mas, quem não tem também suas próprias bizarrices que me atire
a primeira pedra.
Na manhã
da quarta saio feito doido pelo setor comercial sul procurando o povo das
bandeiras e camisas. Nada. Eles não fizeram o ponto. Dou uma voltinha pelo
estádio e por lá eles ainda não houveram chegado. Disse-lhe que iríamos “normal”, mas que
iríamos.
Pelo meio dia, ela vem aqui em casa e me salva com uma bela
camisa canarinha para o JG. Quem ama
cuida!
Fiquei emocionado com o gesto inesquecível dela, e fui logo
tratar de achar as minhas camisas amarelas. Tinha dito a ela que eu tinha uma
da seleção, mas me enganara. Logo decidi por uma camisa de um evento do BB, bem
estilosa e amarela.
Fui buscar o JG no colégio, e no caminho de volta disse-lhe
que à noite iríamos ver o jogo do Brasil. Ele, entretido com o celular,
respondeu com um protocolar: “ok, papai”.
Aí continuei dizendo
que ele precisaria provar a camisa que ganhou, e que tinha que fazer todas as
tarefas na parte da tarde, para que fossemos ao estádio.
A cena que ocorreu a partir desta minha frase não cabe em
palavras. Caíram todas as fichas ao mesmo tempo. JG ama futebol. Ele treina
todos os sábados. E, ele perguntava, nós vamos ver o Brasil? Eu dizia, sim. Ele
continuava, no estádio? Eu dizia, sorrindo, siiimmm!!! E ele vibrava de
felicidade, esquecendo o celular. Aí foi
me falando que o Gabriel Jesus jogará, que o Neymar – o pegador, jogará. E que talvez o Brasil consiga fazer um gol de
falta. E que tem tempo que não faz. Eu não sabia de nada disso.
O jogo começava 21h30, mas saímos de casa 17hrs.
Estacionamos perto da Torre de TV e fomos eletricamente esfuziantes em direção
ao Estádio. No caminho bandeiras, camisas, e adereços marcavam o momento: é dia
de jogo do Brasil. Fomos dos primeiros a acessar as catracas de fiscalização do
acesso. Elas nem estavam abertas ainda,
visto que era 17h30, mas nos juntamos a outros 50 ansiosos que nem nós. E tudo
era festa. 18h40 elas abriram e fomos para a revista. E, pimba, o só comigo
ocorreu. Fomos barrados.
Não autorizaram meu ingresso com a câmera fotográfica. JG
ficou desolado, olhos cheios de lágrimas. Disse-lhe, filho bora correr até o
carro. Se eu tivesse ido de Uber o problema seria mais sério. Corremos uns 1,2
km, deixamos a máquina, e voltamos arfando, mas felizes. Já não havia filas na
segurança e passamos legais pela vistoria.
Nos dirigimos à segunda barreira, agora a da conferência do
ingresso. Com o chu na mão, a moça só passou no leitor de código de barras, que
deu ok nos dois ingressos.
Mas, tinha uma terceira barreira, que pegava um outro papel
para checar a validação do ingresso, e logo o cara nos liberou.
Entramos naquele mostro de concreto, feito com mais de 40
esguias colunas gregas de uns 100 metros de altura. A primeira sensação foi de
retorno à minha juventude. Aquele frisson no ar, ao subir para a superior,
entremeado de enormes colunas, aquela primeira visão do campo, uauuu, as
pessoas alegres, famílias e mais famílias. Logo descobrimos um lugar bacana, na
arquibancada superior, a primeira de suas fileiras, a mais próxima da inferior.
Estávamos protegidos à frente por um vidro, e ficamos sentados ao lado de uma
das escadas de acesso ao wc, e com uma segurança nela fazendo guarda. JG bem que tentou ainda ler o resumo de
história e geografia da prova que faria nesta quinta.
Mas, era impossível. O clima de jogo do Brasil é
indescritível. E muitas coisas vão ocorrendo, mesmo a 2 horas do início. Tem
jogo de bolas e camisas pra torcida, o que JG reclamou pois não alcançavam as
superiores. Tem música, tem a batucada chegando com festa. Tem fogos a
escalação anunciada nos telões. Tem o povo levando banho dos jatos de água do
campo, e todo mundo sorrindo. Tem treino dos goleiros, tem os doidinhos dos
reservas. Tem a entrada dos titulares para aquecimento e primeira saudação pra
torcida.
Então, a prova de Geografia e História que nos perdoe, mas
dela existe recuperação. De uma vivência como aquela não! E, liberei o JG da
leitura. Ele não podia perder nada daquilo, nem eu. Acho que éramos os mais
animados do pedaço onde estávamos.
E foi uma comilança, graças a Deus levei dinheiro trocado.
Era um tanto de gente passando vendendo churros, pipoca, cachorro-quente,
batatas e amendoins, água e cerveja sem álcool.
Uma festa de sabores. Tudo embalado pelo animado do estádio
que não deixava ninguém parado, ensaiando as famosas Olas. JG logo se aclimatou e já estava indo sozinho
ao WC e repor comidas, direto no bar. Sempre eu ficava apreensivo, mas como a
lotação estava em 50% da capacidade do estádio, eu o deixei treinar autonomia e
protagonismo. E ele se saiu super bem.
Aí veio a entrada dos times, a emoção dos canhões de ar que
lançam as fitas amarelas na torcida, as torres de fumaça branca, e o hino. Ahh,
o Hino Nacional Brasileiro, o povo todo cantando à capela, como não encher os
olhos de água?
Acho que só viver a cantata coletiva do Hino já teria valido
à noite. Mas teve dois gols, dois
momentos que eu e o JG parecíamos enlouquecidos, abraçados, pulando e em pé
festejando.
Faltando 15 minutos pra terminar resolvi sair para poder
pegar menos trânsito e chegar mais rápido em casa. JG vinha esfuziante no
carro. Comentando cada lance, inclusive o bendito gol de falta que anda
rareando na canarinha.
Uma tímida lua nova nos acompanhava, até em casa. No meu
coração só gratidão. À namorada por ter me possibilitado viver esta
experiência.
E a Deus por ter dado tudo certo. Chegamos em casa, nos
abraçamos emocionados com o que vivemos, e, antes de dormir, dissemos um a
outro: voltaremos a fazer isto!
É preciso mesmo. Para estas e tantas outras coisas que
ocorrem, ali pertinho de nós, e nem sempre as valorizamos e delas participamos
como deveríamos fazer.
Não posso consertar meu passado, nem devo me julgar com
severidade e culpa, contudo posso reescrever meu presente!
Chega de ser ermitão, um monte de coisas ocorre todos os
dias mundo afora, dignas de serem saboreadas – com a família, amor, amigos ou
sozinho.
E, muitas delas, ocorrem a custo zero.
Como, por exemplo, ver nos primeiros domingos de cada mês a
troca da bandeira do Pavilhão Nacional, na Praça dos Três Poderes, aqui em
Brasília. Espetáculo belíssimo, para o
qual em 20 anos por aqui, só fui uma vez.
Este tempo acabou, está decretado, lavrado e passado em cartório!
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