É dia de jogo em Brasília, da seleção de futebol do
Brasil. À noite, Brasil e Qatar vão se
encontrar às 21h30 , no Estádio Mané Garrincha.
A última vez que fui ao campo ver um jogo de futebol, o
clássico da Paraíba: Campinense x Treze, foi pelos anos 80, do século passado.
Também não me lembro de ter levado meus três primeiros
filhos, o Tiago (33), a Priscila (31) e o Rodrigo (29) num campo de
futebol.
Creio que a renda apertada de minha primeira família foi um
dos principais motivos que me levou a não vivenciar qualquer tipo de lazer, que
multiplicado por 5 – éramos 5, tornava-se muito caro para quem ganhava salário
de escriturário do BB.
Então, optávamos pelo investimento do tempo no lazer em
família, ou nas coisas da igreja, ou em viagens - para usar as diárias do
título de que pagava mensalmente, da Bancorbrás.
A verba era tão curta, mesmo para estes passeios, que a
opção de fazer uma farofada na praia não era charme, era estratégia de
multiplicação dos reais.
Assim como, a estratégia de prorrogar ao máximo o horário em
que levava os meninos para tomarem o café da manhã, pois economizava fome para
o almoço, postergando-o par ao fim da tarde, numa espécie de almoço-janta.
Mas, depois consegui uns cobres a mais, e mesmo assim
continuei bicho do mato. Os filhos vieram para Brasília, o JG nasceu, e mesmo
assim eu continuava sem ir no campo, ou fazer alguma viagem para o exterior com
eles.
Não vou me deter fazendo grandes análises do que ocorreu
comigo que me levou a não mais ir a um estádio., ou me tornar uma espécie de
ermitão para vários tipos de turismo de lazer-entretenimento, do tipo Disney.
Quantas coisas vão passando por nossa vida e não as
aproveitamos?
Não estamos ali, presente a elas, vivendo aquela
experiência. Seja por comodismo, seja
por apatia, seja por medo do desconhecido. Sei lá.
O fato é que tomei consciência disso recentemente. De que é
importante ser testemunha da história, viver experiências únicas, que não se
repetem. Poder dizer, eu estive ali!
Acho que entrei no modo sobrevivência, com uma vida muito
corrida, adaptando-me a grana curta para qualquer tipo de lazer que custasse
mais que 50 dólares.
Ou fiz outras
escolhas de preenchimento do tempo livre. Ou me adaptei ao estilo de vida da
parceria. Ou, tudo isto junto e misturado.
Outro dia pensei comigo: “Daqui a duas semanas
o Brasil vai jogar aqui contra o Qatar, que tal você levar o JG?”
Assustado de ter que enfrentar meus medos e mudar, ainda
tentei argumentar dizendo que eu iria ver se ele estaria comigo no dia do jogo,
uma vez que tenho a guarda compartilhada dele.
Tipo, vou adiar o assunto e ela vai esquecer. Mas, esperta e conhecedora de meu estilo ermitão,
soltou um: “Será na quarta à noite. E toda quarta ele fica contigo”. Eita!
Então, resoluto e decidido, respondi que nós iríamos ao
jogo.
Comecei a fuçar e descobri o site pra comprar os ingressos.
A primeira aventura foi entender o sistema deles.
Os dois ingressos, a meia e a inteira, saíram em meu nome. E
não havia opção de escolher as cadeiras, portanto saíram em poltronas
diferentes, embora no mesmo portão 17.
Aiaiai pensei! Só comigo.
Mandei mensagens para a Fanpass, e-mail, tentei os fones,
WhatsApp, bati bombo, soltei fumaça e ninguém respondia.
No dia do jogo, após mandar um último help pelo Zap, eles enfim
responderam que não havia cadeiras marcadas e que a meia entrada, também com o
meu nome impresso nela, não seria problema. (Sic!) Não entendi nada, mas lhes
confesso que fiquei com o “chu” na mão. É que tenho fobia com acesso a prédios,
ter que passar por guardinhas. Além da de achar que o meu lugar de sentar
estará com outra pessoa nele. Bem, pelo menos a segunda fobia não seria
alimentada, já que o assento era livre. O problema, na cabeça de um fóbico, é
que criamos um cenário no qual nenhuma dupla de cadeira estaria disponível,
lado a lado, para mim e o JG. Coisa de louco, ao pensar um estádio com mais de
70.000 lugares. Mas, quem não tem também suas próprias bizarrices que me atire
a primeira pedra.
Na manhã
da quarta saio feito doido pelo setor comercial sul procurando o povo das
bandeiras e camisas. Nada. Eles não fizeram o ponto. Dou uma voltinha pelo
estádio e por lá eles ainda não houveram chegado. Disse-lhe que iríamos “normal”, mas que
iríamos.
Pelo meio dia, ela vem aqui em casa e me salva com uma bela
camisa canarinha para o JG. Quem ama
cuida!
Fiquei emocionado com o gesto inesquecível dela, e fui logo
tratar de achar as minhas camisas amarelas. Tinha dito a ela que eu tinha uma
da seleção, mas me enganara. Logo decidi por uma camisa de um evento do BB, bem
estilosa e amarela.
Fui buscar o JG no colégio, e no caminho de volta disse-lhe
que à noite iríamos ver o jogo do Brasil. Ele, entretido com o celular,
respondeu com um protocolar: “ok, papai”.
Aí continuei dizendo
que ele precisaria provar a camisa que ganhou, e que tinha que fazer todas as
tarefas na parte da tarde, para que fossemos ao estádio.
A cena que ocorreu a partir desta minha frase não cabe em
palavras. Caíram todas as fichas ao mesmo tempo. JG ama futebol. Ele treina
todos os sábados. E, ele perguntava, nós vamos ver o Brasil? Eu dizia, sim. Ele
continuava, no estádio? Eu dizia, sorrindo, siiimmm!!! E ele vibrava de
felicidade, esquecendo o celular. Aí foi
me falando que o Gabriel Jesus jogará, que o Neymar – o pegador, jogará. E que talvez o Brasil consiga fazer um gol de
falta. E que tem tempo que não faz. Eu não sabia de nada disso.
O jogo começava 21h30, mas saímos de casa 17hrs.
Estacionamos perto da Torre de TV e fomos eletricamente esfuziantes em direção
ao Estádio. No caminho bandeiras, camisas, e adereços marcavam o momento: é dia
de jogo do Brasil. Fomos dos primeiros a acessar as catracas de fiscalização do
acesso. Elas nem estavam abertas ainda,
visto que era 17h30, mas nos juntamos a outros 50 ansiosos que nem nós. E tudo
era festa. 18h40 elas abriram e fomos para a revista. E, pimba, o só comigo
ocorreu. Fomos barrados.
Não autorizaram meu ingresso com a câmera fotográfica. JG
ficou desolado, olhos cheios de lágrimas. Disse-lhe, filho bora correr até o
carro. Se eu tivesse ido de Uber o problema seria mais sério. Corremos uns 1,2
km, deixamos a máquina, e voltamos arfando, mas felizes. Já não havia filas na
segurança e passamos legais pela vistoria.
Nos dirigimos à segunda barreira, agora a da conferência do
ingresso. Com o chu na mão, a moça só passou no leitor de código de barras, que
deu ok nos dois ingressos.
Mas, tinha uma terceira barreira, que pegava um outro papel
para checar a validação do ingresso, e logo o cara nos liberou.
Entramos naquele mostro de concreto, feito com mais de 40
esguias colunas gregas de uns 100 metros de altura. A primeira sensação foi de
retorno à minha juventude. Aquele frisson no ar, ao subir para a superior,
entremeado de enormes colunas, aquela primeira visão do campo, uauuu, as
pessoas alegres, famílias e mais famílias. Logo descobrimos um lugar bacana, na
arquibancada superior, a primeira de suas fileiras, a mais próxima da inferior.
Estávamos protegidos à frente por um vidro, e ficamos sentados ao lado de uma
das escadas de acesso ao wc, e com uma segurança nela fazendo guarda. JG bem que tentou ainda ler o resumo de
história e geografia da prova que faria nesta quinta.
Mas, era impossível. O clima de jogo do Brasil é
indescritível. E muitas coisas vão ocorrendo, mesmo a 2 horas do início. Tem
jogo de bolas e camisas pra torcida, o que JG reclamou pois não alcançavam as
superiores. Tem música, tem a batucada chegando com festa. Tem fogos a
escalação anunciada nos telões. Tem o povo levando banho dos jatos de água do
campo, e todo mundo sorrindo. Tem treino dos goleiros, tem os doidinhos dos
reservas. Tem a entrada dos titulares para aquecimento e primeira saudação pra
torcida.
Então, a prova de Geografia e História que nos perdoe, mas
dela existe recuperação. De uma vivência como aquela não! E, liberei o JG da
leitura. Ele não podia perder nada daquilo, nem eu. Acho que éramos os mais
animados do pedaço onde estávamos.
E foi uma comilança, graças a Deus levei dinheiro trocado.
Era um tanto de gente passando vendendo churros, pipoca, cachorro-quente,
batatas e amendoins, água e cerveja sem álcool.
Uma festa de sabores. Tudo embalado pelo animado do estádio
que não deixava ninguém parado, ensaiando as famosas Olas. JG logo se aclimatou e já estava indo sozinho
ao WC e repor comidas, direto no bar. Sempre eu ficava apreensivo, mas como a
lotação estava em 50% da capacidade do estádio, eu o deixei treinar autonomia e
protagonismo. E ele se saiu super bem.
Aí veio a entrada dos times, a emoção dos canhões de ar que
lançam as fitas amarelas na torcida, as torres de fumaça branca, e o hino. Ahh,
o Hino Nacional Brasileiro, o povo todo cantando à capela, como não encher os
olhos de água?
Acho que só viver a cantata coletiva do Hino já teria valido
à noite. Mas teve dois gols, dois
momentos que eu e o JG parecíamos enlouquecidos, abraçados, pulando e em pé
festejando.
Faltando 15 minutos pra terminar resolvi sair para poder
pegar menos trânsito e chegar mais rápido em casa. JG vinha esfuziante no
carro. Comentando cada lance, inclusive o bendito gol de falta que anda
rareando na canarinha.
Uma tímida lua nova nos acompanhava, até em casa. No meu
coração só gratidão. À namorada por ter me possibilitado viver esta
experiência.
E a Deus por ter dado tudo certo. Chegamos em casa, nos
abraçamos emocionados com o que vivemos, e, antes de dormir, dissemos um a
outro: voltaremos a fazer isto!
É preciso mesmo. Para estas e tantas outras coisas que
ocorrem, ali pertinho de nós, e nem sempre as valorizamos e delas participamos
como deveríamos fazer.
Não posso consertar meu passado, nem devo me julgar com
severidade e culpa, contudo posso reescrever meu presente!
Chega de ser ermitão, um monte de coisas ocorre todos os
dias mundo afora, dignas de serem saboreadas – com a família, amor, amigos ou
sozinho.
E, muitas delas, ocorrem a custo zero.
Como, por exemplo, ver nos primeiros domingos de cada mês a
troca da bandeira do Pavilhão Nacional, na Praça dos Três Poderes, aqui em
Brasília. Espetáculo belíssimo, para o
qual em 20 anos por aqui, só fui uma vez.
Este tempo acabou, está decretado, lavrado e passado em cartório!
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