A árvore e Dumbo.



Era uma manhã bonita de domingo, daquelas nas quais levar as crianças ao zoológico é um programão.

Como eu ia tirar um aparelho de monitoramento cardíaco (holter), num hospital perto do zoo, chamei minha esposa para aproveitarmos aquela ida e levarmos o JG para ver os animais.

Ao chegar ao zoo, libero a família para seguir para os viveiros, enquanto procuro uma vaga melhor. JG nem espera eu parar e corre serelepe e em disparada, seguido pela mãe ofegante que tenta alcançá-lo.

Observo sorrindo com a alma aquela cena linda. De longe, vejo que um guardinha o intercepta, para alívio da mãe, e ainda por cima ganha dele um saquinho de pipoca que comia. Que imagem legal ficará, nas suas memórias mais profundas, dos guardinhas de zoológico.

Os ipês estão concorrendo em atenção com os animais. A florada amarela é estonteante, de um amarelo-vaticano, criando embaixo de suas copas um tapete de flores que ao pisarmos nele, sob aquela sobra refrescante, sentimos a paz de um dia de domingo em família e a presença de Deus.

A primeira parada para ver os animais é num viveiro próximo do ipê majestoso. No seu interior, sozinho, habita um enorme elefante. Ele fica o tempo todo brincando com uma enorme árvore no centro do viveiro. Enlaça sua tromba por entre os troncos. Tenta erguer-se com o apoio dela. Enlaça a tromba no caule e o puxa com força, como se alongando.

A árvore não tem frutas. Ou folhas em galhos baixos. Só uma copa vistosa no alto. Ele não busca alimentos. Fico boquiaberto com as piruetas do elefante e sua tromba junto ao tronco e galhos da árvore. São instantes mágicos. JG sorri e vibra com o que vê. Batizei para ele o elefante de Dumbo.

Eis que Dumbo faz algo que me comove. Encosta a cabeça no tronco da árvore e fica parado por bom tempo. Com o auxílio do zoom da máquina vejo tristeza no seu semblante.

Seguimos nosso passeio, mas Dumbo e sua amiga árvore não me saem da cabeça. À noite posto no Facebook a foto a que me referi. Eis que a Gladys comenta: “Esse elefante é o do circo, aquele que quase fugiu outro dia. Ele está muito estressado e triste, não está se adaptando sozinho, pois vivia com outros dois no circo e não consegue aceitar os dois do zoo.“

Fiquei emocionado com o relato. Aquele forte animal sentiu o baque da solidão, da ausência, do estranho, da mudança.

Mesmo a mudança trazendo-lhe melhores condições, certamente das que vivera, mesmo assim, Dumbo sentia falta dos outros dois elefantes que fora criado com ele, de seus irmãos.

Como é profundamente humano o que Dumbo sente e expressa na sua relação com a árvore! Tenho certeza que cada um de nós já teve uma cena-Dumbo no seu viver.

Somos qual ele. Estranhamos quando nos perdemos daqueles que amamos. Quando migramos. Quando temos que tomar decisões, fazer escolhas, alterar rotas, arriscar. Ou quando temos que recomeçar, mesmo em melhores condições das a que estávamos acostumados.

O novo assusta.

Nestas horas como faz falta uma árvore amiga, na qual possamos apoiar nosso ser, brincar, conversar e fingir para nós mesmos que ela nos escuta.

Que embora saibamos que não é nosso parente, que não é de nossa espécie, mesmo assim, sabemos que nos sentimos bem ao seu lado. Para alguns, esta árvore pode ser um animal que cria, um jardim que cultiva. Um objeto material que se afeiçoou. Um CD que põe e se acalma. Um trecho da bíblia que lê e se fortalece.

Cada um de nós é um pouco como o Dumbo. Frágil, embora aparente força.

Cada um de nós, em algum momento vai se sentir sozinho mesmo em família, ou num multidão. Nessas horas encontrar uma árvore para encostarmos a cabeça no seu tronco e nos sentir protegidos e amparados é tão bom.

Pena que muitos encontram falsas-árvores que não dão sustento a sua dor. Falsas fugas, no álcool ou outras drogas, ou até em amigos nada árvore, compreende?

Imagino que Dumbo fecha os olhos, quando nela encostado, e viaja até a perna ou lombo de sua mãe, ou irmão de jaula, no qual encostava a cabeça quando com medo das chicotadas ou choques elétricos que tomava no seu cruel processo de “domesticação” para o circo.

Imagino que ele pensa que nada de mal lhe acontecerá, naquele enorme viveiro para onde foi morar e que a saudade vai passar.

Existem pessoas-árvores. Pessoas que ao encostarmo-nos nelas sentimos paz. Pessoas que nos animam, suportam-nos e nos estimulam a não desistir. Quem tem uma pessoa-árvore dessas em seu viver, tem um tesouro. Mas falo de árvore frondosa, não de algumas tranqueiras que se aproveitam de nosso momento de fragilidade para sugar mais ainda, da vida pouca que nos restou.

Dumbo está de luto. Algo o incomodou na mudança a que fora submetido. Dumbo só precisa de um tempo só, com sua árvore, para se reestabelecer.

Só precisa que não desistam dele, só porque não se adaptou ao outro viveiro com dois elefantes de sua espécie.

Só precisa ser compreendido e aceito na sua expressão de estranheza com tudo que lhe ocorreu. E, quanto a isto, os tratadores do zoo de Brasília estão de parabéns. Estão dando-lhe tempo para se adaptar.

É só disto que precisamos: tempo e compreensão para conosco, em nossas reações fruto da adaptação às mudanças. E, e quanto a isto, cada um tem seu próprio ritmo.

Podemos ajudar a muitos Dumbos que cruzarão nosso existir. Tem tanta gente insegura com as mudanças, com medo, ansiosas. Tem tanta gente que só precisa encostar o ombro em nós e sentir que são importantes, sentirem-se acolhidas e abraçadas. Tem gente que precisa ouvir de nós: “Ei, você tem valor”!

Para outras, não precisaremos falar nada, só o fato de estarmos ali, qual um tronco-mudo-de-uma-árvore-qualquer já será suficiente para acalmá-las. Aliás, aquela árvore, sem saber, faz terapia no Dumbo.

Assim como existem as pessoas-árvores, temos outros recursos que nos valemos e que agem como mecanismos de compensação, e deslocamento de nosso sofrer, dando-nos melhores condições de sobreviver.

Temos a espiritualidade, temos os esportes, temos as redes sociais, temos os hobbies, temos as artes, temos os jardins, os animais, temos as caixas de recordações que podemos abri-las e sentir o quanto já percorremos.

Temos as terapias ocupacionais que nos entreterão e nos darão um certo alívio. Até o trabalho pode ser uma fonte de cura, de distração da dor.

Precisamos aprender a brincar com a árvore. Precisamos aprender com o Dumbo a transcender sua própria realidade criando alternativas possíveis para via-a-ser.

Amigo Dumbo, faço votos que aceite seus novos amigos elefantes, saiba que eles não vão substituir o amor que sentia pelos do circo. Amá-los não significa que esqueceu os que contigo viviam no circo. Tenho certeza que se eles pudessem te dizer algo, vendo-te por cima das copas dos ipês, diriam exatamente isto: Dumbo permita-se ao amor novamente, amores não substituem amores. Convivem, apenas!

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