A Perda dos Sentidos do Trabalho



Outro dia um colega me perguntou se eu já tinha passado por crises, ele me via sempre sorrindo. Comentei com ele que decidi alimentar meu monstro interior da esperança, e não o do pessimismo, mas ambos moram em mim. Quem me ver assim sorrindo...

A doença do desencanto no trabalho é a Síndrome de Burnout.  E sei como ela é grave. Há uns nos atrás tive uma infelicidade muito grande, com as coisas do trabalho. Sentia-me estranho, impotente frente a alguns acontecimentos que me aborreceram, angustiado com o volume de demandas e com a perda da qualidade nas entregas. Havia uma ruptura entre minha expectativa de oferecer um trabalho de excelência e a realidade em que trabalhava.

Disseram os homens de preto da época, que nossa área tinha que aprender a simplificar o processo, "para acompanhar a velocidade e ditames do negócio". Eu queria produzir o melhor trabalho, e então fui ficando chateado em ver que nem sempre o povo queria o melhor, queriam algo entre o pior e o regular.

Passei a ter fobia social, pânico de atender o telefone e medo de não dá conta, ao receber mais uma demanda atravessada. Tinha umas crises de choro, claro escondidas, e muita angustia apertando o coração. Lembro-me de um dia em que um alto executivo me "propôs" - visando aumentar a disseminação de um treinamento, para que um de nossos cursos de três dias, fosse dado num ginásio de esportes, para umas 500 pessoas, estilo aula de cursinho, reduzindo sua jornada para 4 horas, ou no máximo, 8 horas. Consegui convencê-lo do absurdo, do ponto de vista de construção de conhecimento, mas aquilo era apenas a ponta do iceberg, mudaram as estações... e eu não me adaptara aos novos tempos. Aquilo tudo foi me matando. E procurei ajuda, e na hora certa!

Hoje sei que tive a Síndrome de Burnout, descrita por Freudenberger como " um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional". Poucos profissionais estão capacitados para tratarem o Burnout. Muito o confundem com stress ou uma inadequação ao trabalho. Ou, como no caso de minha doutora, não dão o devido valor ao que o paciente alega que acontece consigo, derivado do mundo do trabalho.

Ou ainda dizem, relaxe é só estresse. E não é. Burnout é como uma infecção emocional, provocada pelo vírus do desencantamento laboral.
A melhor comparação que li sobre a diferença entre stress do trabalho e Burnout, é que o estresse é como um elástico puxado, quando some o fator estressante, seja uma campanha de vendas, seja uma mudança no processo de trabalho, o elástico volta a posição original. Hoje chamamos de resiliência. No Burnout ele volta, mais não para a posição original, vai perdendo-se pelo caminho e ficando esgarçado, rígido. Sem resiliência. Perde-se a capacidade de relaxar e sempre as coisas são vistas pela ótica do desânimo para com o futuro dos processos de trabalho.

Desde 2004 passei a estudar este tema e identifiquei-me inteiramente com seus sintomas. Naquele ano tive Burnout. Segundo Drauzio Varella, ele "se manifesta especialmente em pessoas cuja profissão exige envolvimento interpessoal direto e intenso. Profissionais das áreas de educação, saúde, assistência social, serviço público (atendimento), recursos humanos, agentes penitenciários, bombeiros e policiais correm risco maior de desenvolver o transtorno." Há uma variedade enorme de sintomas, alguns mais comuns são: sensação de esgotamento físico e emocional que se reflete em atitudes negativas, como ausências no trabalho, agressividade, isolamento, mudanças bruscas de humor, irritabilidade, pessimismo e baixa autoestima. Os físicos são dor de cabeça, enxaqueca, cansaço, palpitação, dores musculares, insônia e distúrbios gastrintestinais.

Aprendi que ele é a doença dos amantes do trabalho. Ele é a perda do encantamento, do enamoramento com o trabalho, quase um luto. Que acontece nos que adoram o trabalho, e querem sempre apresentar o melhor resultado. Naqueles que tem ritmo acelerado, que são produtivos e perfeccionistas, zelosos e detalhistas. Nos que gostam do cliente e querem que ele tenha acesso ao melhor atendimento; seja cliente interno seja externo. De quem se identifica, realiza-se, e quer apresentar sempre o melhor trabalho.
A doença "escolhe para suas vítimas prediletas" pessoas de alto nível profissional, que cobram muito de si, de natureza perfeccionistas, e até revelando uma certa inflexibilidade ou intransigência, por saberem - no fundo, de que a sua proposta é a melhor do ponto de vista técnico.

Burnout, portanto, é um estresse ocupacional que produz um estado de esgotamento emocional, relativamente perene.
A dedicação exagerada à atividade profissional é uma característica marcante de Burnout, mas não a única. O desejo de ser o melhor e sempre demonstrar alto grau de desempenho é outra fase importante da síndrome. O Burnout deixou em mim aprendizados, que compartilho com vocês, no intuito de ajuda-los a preveni-lo.

- Aprendi que não devo me levar tão a sério. Que os fatos ruins passarão, e nós podemos ser "passarinhos".
- Aprendi que 50% de minha excelência no trabalho poderá ser o que a Instituição precisa, e não mais fico remoendo o que poderia ser. Faço acontecer com o que tenho, mesmo que seja pouco para o que gostaria de entregar de resultados, mesmo assim é muito, no lugar em que nada existia.
- Aprendi a ser o melhor para meu trabalho, e não o melhor de meu trabalho. Ao diminuir minha expectativa, entre o meu sonho laboral e a realidade para executá-lo.
- Aprendi a relevar, a não ficar discutindo os detalhes dos detalhes dos detalhes, de um projeto de trabalho e a focar naquilo que realmente se for tirado dele é quem de fato fará muita falta.
- Aprendi a não me cobrar tanto, a ser menos impaciente comigo e com os outros. Ou seja, sempre faltarão recursos necessários para um trabalho de excelência. Adapte-se a isso e ofereça o seu melhor.
- Aprendi que não tenho controle sobre tudo, mesmo exaustivamente planejado.
- Aprendi que o caos, a desordem, não necessariamente são ruins, podem ser criativos e podem criar um ambiente de melhor relacionamento interpessoal.
-  Aprendi a ter compaixão pelo meu cliente, que nem tem ideia de como me viro nos 30 para melhor atendê-lo, e muitas das vezes age para comigo com ingratidão, falta de reconhecimento ou rispidez.
- Aprendi que não preciso provar que estou sempre certo, e que aceitar uma posição que entendo não ser a melhor, vinda de outra pessoa, pode ser a possível para que o projeto continue a andar.
- Aprendi a buscar as convergências, as interações, as comuns visões. Hoje sofro bem menos. Faço o melhor possível dentro de uma realidade possível. Não me flagelo mais.
- Aprendi a desenvolver a competência emocional e política de enxergar os porões organizacionais, com suas agendas ocultas, jogos de cena, não ditos, ou malditos, não achando que é algo pessoal, chicoteando-me de forma insana.

4 comentários:

  1. muuuito bom texto. Estes seus aprendizados tb servem pra outros setores da vida...Grata por compartilhar!!!

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  2. Adoro textos com esse nível de detalhamento, faz a gente sentir cada momento vivenciado por ti! Parabéns!!

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