Qual fogo alimenta teus propósitos?



Era uma noite fria, madrugada adentro.  Participava de uma vigília de oração, no alto de um monte gelado. Chovera um pouco antes e tudo ficara encharcado. Encontramos alguns restos de madeiras e fizemos uma pilha para "ligarmos" uma fogueira, para ao seu lado rezar. Logo, logo apareceram fósforos, um galão de gasolina. Encharcamos a madeira e tocamos fogo. As labaredas que dali saiam eram lindas, mas breves. Duravam uns 10 minutos, enquanto o líquido queimava a "derme" da madeira molhada. Quando toda gasolina virou fumaça, o fogo apagou. Olhávamos-nos, frustrados e descrentes com o acontecido.
Mas como?
Como esta gasolina toda, vertida sobre pedaços de madeira, não fora suficiente para que elas por si só ganhassem vida e a autocombustão desejada e duradoura acontecesse.
Alguém soprou baixinho: ainda se tivéssemos uma estopa, uns gravetos. Mas nada daquilo. Estava escuro e não achávamos nada para voltar a acender o fogo. Havia agora só um restinho de gasolina. E já tínhamos percebido que o fogo da gasolina só queimava a periferia, logo logo apagava. Fiquei matutando e lembrei-me que tinha vestido uma camiseta velhinha, sob camisa de manga comprida de flanela, sobre a qual estava um gibão de couro. Fui tirando uma a uma. Despi-me da camiseta velhinha e a doei. Logo a embeberam na gasolina e por dentro espetaram uma estaca, como que uma tocha. Botaram-na no centro da pilha, na parte debaixo. Acenderam-na e pronto. Não bastaram uns 10 minutos e aquela tocha contagiou a todas as madeiras vizinhas, mesmo encharcadas, e o fogo adquiriu vida própria; Era a autocombustão esperada, não mais precisando de "muletas" como a gasolina ou a tocha. Fique pensativo, sobre os propósitos que dão sentido ao nosso viver. Será que alguns deles não mais parecem com aquele primeiro fogo: apático, anêmico, sem sustentabilidade. Fogo falso, fogo que basta um vento para apagar, ou basta que seu combustível superficial seja consumido para que ele feneça.  Creio que os líderes movem-se por aquele outro fogo, o interior, o que uma vez aquecido, tal qual aquela tocha de camiseta velha, ele passa a autogerir seu próprio destino, sua própria motivação, assumindo as escolhas que faz e preparando-se para novas possibilidades que aparecerão.
Quem alimenta seus propósitos?
Gasolina que dá um fogaréu no início, tal qual fogo de palha, e depois apaga por não conseguir penetras nas entranhas da madeira interior de nosso existir, gélida, fria e fechada?
Ou uma tocha interior que não se cansa em impulsionar-nos à frente, que nos faz perseverar nos nossos objetivos. Que rompe tibieza, apatia e incendeia-nos por uma causa, uma vida, um propósito, algo que dê sentido ao nosso vir-a-ser no mundo.
De que motivação você está sendo feito?
De que objetivo seu acontecer neste mundo está sendo aquecido?
Daquele interior, que arde por dentro, que nos toca e eleva remetendo-nos a algo melhor todos os dias.
Os só das exterioridades, das fachadas, das aparências, da mentira, de um vir-a-ser que não é sustentável, que não se garante?
Já me envolvi com muita coisa tal qual o fogo da gasolina em lenha molhada. Queima a gasolina e o fogo apaga.
Quantos projetos comecei a tocar e fui parando pelo meio do caminho, faltou perseverança, faltou convicção.
Faltou coerência. Queira chegar logo na janelinha, mas não queria pagar o preço.
Investir tempo e dedicação na busca dele.
Hoje, alimento o fogo interior. Alimento as coisas que realmente fazem a diferença e que me dão um sentido, uma vocação de ser o melhor para a humanidade e não o melhor da humanidade.
Não uma vocação de santo, puro, bam bam bam.
Tenho um monte de coisa a melhorar.
Só procuro naquilo que dá que tenho alçada de decidir, ser diferente. De romper a cadeia de agressão, frieza, indiferença procurando fazer a minha parte para que o mundo seja melhor.
Todos podem ser diferentes, evitando reproduzir um modelo de sociedade baseado apenas no acúmulo de bens, desumanidade, vaidade e disputa por poder.
Alimento meu fogo de camiseta velha que arde no meu interior. Aproveito enquanto ele arde para acender outras chamas, mais perenes: as chamas dos valores.
Se você tiver algo que lhe acenda por dentro, que lhe dê alegria e esperança, curta de montão.
Aproveite esta chama, mais perene, para que ela molde seu ser e te incendeie por conta própria.
Um dia ela também poderá fenecer, mas já cumpriu a missão: produziu em ti um fogo duradouro.
Bem aventuradas todas as causas e pessoas que nos tocam de uma forma tão profunda, que incendeiam e iluminam as profundezas de nosso interior, fazendo novas todas as coisas.
Bem aventuradas as camisetas velhas, embebidas em gasolina, que viram tochas e aquecem nossa lenha interior.
E só terminam sua missão quando percebem que por nós mesmos, já caminhamos sozinhos.
Já gerimos nossa autocombustão, em prol de objetivos pessoais ou coletivos.
Acho que todos os pais e mães são como aquela camisa embebida em gasolina. Alguns amigos e familiares também.
Para eles, o meu obrigado por ter em algum momento ajudando a acender o meu ser. Em mim ficaram as suas labaredas, a de vocês que me amaram primeiro sem esperar nada em troca.
Não falei ainda da importância do fósforo que acendeu a tocha. Em meu viver, em diferentes ocasiões, este fósforo foi o Espírito Santo.
Que Ele esteja presente no acender de sua chama também.







5 comentários:

  1. Parabéns! Um texto e tanto. Que o fogo perene que está em cada um de nós se transforme na fogueira que aquece quem mais precisa. As camisetas surradas que temos são mais úteis quando compartilhamos. Doação simples do nosso conhecimento pode mudar o mundo.
    Abraço
    Gil

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    1. Muito legal sua reflexão, "as camisetas surradas...", valeu mesmo.

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  2. Gostei de sua comparação da chama, da fogueira que nos faz ir na direção do que realmente importa e faz a diferença em nossas vidas, porque me fez lembrar de minha mãe que sempre mantinha uma lamparina acesa junto a Santa de devoção e me fazia matutar qdo criança como nunca se apagava e depois o fogão a lenha em que ela preparava a merenda da escola onde trabalhava.....alimento pra alma e o corpo, chamas de minha infância que nunca se apagaram e que me dão forças hoje em momentos dificilimos que passei recentemente, mas que não tiraram minha alegria de viver. Um grande abraço por me trazer de volta estas recordações que me esqueceram.

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