No Jogo da Vida, não há Replay



Sempre que pego o JG no colégio volto para casa voando que nem bala. Temo os engarrafamentos na subida para o Jardim Botânico, e imediações, que após a entrega do Jardim Mangueiral ficou um caos, afinal são mais 20.000 moradores.
Terça voltava com ele do Colégio, aproveitando para curtir este momento. Gosto de ouvi-lo conversar com seus bonecos.
Quando estou com aulas à noite, nem sempre posso pegá-lo todos os dias. E este momento para mim tem sido especial: de levá-lo e buscá-lo no Colégio. JG vai fazer quatro anos, e “cursa” o Jardim.
Durante o retorno para casa, algo me incomodava, e era a luz do entardecer em Brasília. Uma luz que já é especial todos os dias. Contudo aquele dia estava anormal. Algo acontecia no sol.
A luminosidade estava estranha. Nós fotógrafos, amadores ou profissionais, sabemos o quanto a luz é tudo. Tudo numa foto é luz, contraluz, sem luz... sombras e nuances.
O sol estava explodindo em vermelhidão. Um pôr do sol diferente. Por onde vinha, não dava para parar o carro e fotografá-lo. Contudo, ao passar sobre a 3. Ponte, e ao olhar o lago, quase bato no carro à frente. O cenário era indescritível. O lago refletia o sol, como um espelho em fogo. Fui mudando de faixa, saindo da rápida para a do meio. Na saída da ponte vi vários carros parados, registrando o fenômeno. Já perdendo a chance de parar, fiz uma manobra brusca, mudei para a faixa da direita, e em seguida para o acostamento e parei nos últimos 100 metros de faixa de escape existente no local. Registrei aquela cena e saí feliz da vida. No outro dia, me equipei com a máquina profissional e lente apropriada, no dia anterior fizera a foto com o celular mesmo. E saí de casa pronto para registrar o espetáculo na volta. Ao pegar o JG já vi que algo não dera certo. Sem chances. O céu estava diferente do dia anterior.
Não tinha aquele efeito filtro difuso. Um pôr do sol bonito, porém sem aquele uaaauuuu!!! De qualquer forma, pensei: “tirarei uma foto após a ponte, que é sempre bonita de se ver”.
Ledo engano. Uma viatura policial estava ali parada, reprimindo os que ousavam estacionar. Não me perguntem o porquê. Coisas da repressão. Assim sendo, ninguém era suficiente macho para parar o carro, com medo de levar uma bronca. Mesmos sem placas com dizeres de proibido estacionar. Acelerei e segui adiante. Fiquei pensando: uma área tão bonita deveria era ter uma placa com os dizeres: “Parem aqui! Curtam e registrem o belo pôr do sol, ambiente grátis para encantamentos”. Ou seja, parei no dia e hora certa. Até mesmo por que aquele fenômeno meteorológico foi único, veja os motivos: uma determinada umidade do ar (1); a presença de gotículas dispersas de resto de chuva (2); nuvens esparsas (3); vento quase zero (4); umas explosões solares que por aqui chegaram – soube na noite ao ler a Folha de SP (5); um lago sereno (6); a posição do sol, metade na Ásia, metade América (7); restos de poeira suspensas no ar (8), ausência de barcos marolando a água  e prejudicando o espelho (9) . A combinação destas nove variáveis, num lance espetacular do Criador, transformou aquele pôr do sol em único. No reino das probabilidades seria 9 elevado a 9, ou seja, 81 combinações possíveis. E aconteceu uma delas, com tudo favorável. No dia seguinte, não só a polícia atrapalharia. As variáveis já não eram tão favoráveis. Mudaram. Tudo muda. Não só as estações.
Tudo é feito de mudança.
Fiquei pensando nas coisas que perdemos de aproveitar por não entender que aquele é o momento. Por adiá-las.
Eu perderia aquela foto se não tivesse parado. Se tivesse deixado para o dia seguinte.
Fiquei pensando nas coisas que vamos guardando para um dia usar. Todo mundo deve ter em casa algo guardado num recanto qualquer. Uma dispensa, um depósito, um closet, um quarto de despejos, ou num guarda-roupa velho, e até embaixo da cama. Fiquei matutando sobre estas possibilidades que temos para usar o que guardamos e vamos postergando. Parece que pensamos que temos a vida toda para aproveitá-las, e vamos adiando, adiando, ou esperando um dia ideal, um dia bom, etc.
Aqui no depósito de casa tem bem escondido, num canto qualquer, um conjunto de cerâmica Marajoara para feijoada. Como este da foto. Nunca comi feijoada nele. Acho que nunca comerei. Outro dia falei para minha mulher que eu iria morrer sem comer feijoada  naqueles vasos. Ela sorriu e quase ouvi dizê-la: "Vai mesmo"!.
Devo ter perdido de fazer um monte de coisa por adiar. Outro dia vibrei comigo mesmo. Estava em Foz do Iguaçu onde iria ministrar uma palestra sobre aposentadoria, na Itaipu. Não conhecia a cidade. A palestra seria 4 da tarde. Acordei e pensei, será que não deveria ir conhecer as Cataratas? E se atrasar? E se algo acontecer? Tomei coragem e me dirigi a um taxista, que recomendo para quem for à Foz. Ele me disse: “levo o sr e trago em 4 horas. Vamos?” Era perto de 10hrs. Muita emoção. Para mim, que sou rigoroso com horários e fico nervoso antes de primeiras aulas e palestras, imagine. Rompi meu dilema e fui já pronto para voltar direto para o local do evento, caso uma emergência acontecesse. Almoço? Esqueça!
Troquei pelas Cataratas. E foi maravilhoso. No caminho ele convenceu-me a ir ao Paraguai, após a palestra. Atravessar a ponte e visitar umas lojas que ficam abertas até as 22hrs. Fui, gostei e comprei. Rsrsrs
Voltando aos nossos armários, interiores ou materiais, acho que guardamos muitas coisas para usar depois. Para curtir depois. Para fazer depois. E a roda viva da vida não para. Não nos aguarda. Não há replay para um beijo não dado, um abraço adiado, um perdão negado.
A vida segue seu ritmo e não nos aguarda numa estação qualquer. Passa. Tudo passa. A dor e a alegria.
Descaradamente, sem pedir licença, aquele filho que brica na beira mar, enquanto você se bronzeia e ler revistas, passa. Ele e você. Um dia sentirá falta de ter brincado com ele de fazer castelos na areia.
Nada é eterno. Nem juventude, nem velhice. A vida acontece e acontece.
Simples assim, a vida acontece enquanto dormimos, ou acordados.
Acontece. Não nos espera. JG cresce. Foi bebê, se não tirei foto, curti aquele momento... Já era.
O sistema da vida é bruto. Não nos espera.
Abrir-se às possibilidades que “esta acontecença” da vida oferece, seja comendo uma deliciosa feijoada, numa tigela chique, ou botando um belo vestido para trabalhar, ou usando aquele cristal guardado no fundo do armário. É urgente. Ou até mesmo fechando a revista e saindo do sol para brincar embaixo do guarda-sol de fazer açudes e castelos de areia.
São escolhas.
Melhor fazê-las enquanto a roda da vida está favorável.
Vou negociar melhor com dona patroa. A feijoada. Aquele pôr do sol que não se repetiu foi uma lição para meu viver.
Lição que compartilho com vocês.
Não saia de casa sem dizer o quanto ama as pessoas que lhe fazem feliz.
Vez por outra se dê um bom presente, tome aquele vinho que guardou para um dia especial.
Afinal, especial é viver. E, todos os dias, sempre há algo a celebrar neste milagre da vida.
Portanto, celebre tudo!
E sempre, mais sempre mesmo, esteja aberto ao novo.
A pensar e agir de forma diferente. Aprendendo e apreendendo novos comportamentos, hobbies, culturas, dando espaço para que nossa rotina santa de cada dia seja arejada.
Abra sua dispensa interior e não tema expor ao mundo suas marajoaras mais belas, os seus bons valores, aqueles que são a sua melhor expressão de si mesmo.
Não os guarde só para si, como um objeto de valor num depósito qualquer.
Quem sabe não será ela (sua marajoara de valores) quem alimentará pessoas com fome e sedentas de ternura, solidariedade, atenção, respeito e amizade.
E, sempre que olhar algo lindo, sentir algo novo, forte, apaixonante. Não siga adiante. Pare e o sorva. Embriague-se deste momento.
Viva-o sem pressa, mesmo que só você esteja vendo e sentido as fadas e anjos em festa ao teu redor.

2 comentários:

  1. Professor Ricardo,
    Suas aulas tem feito muito sentido para mim e tenho aprendido a cada dia a ver as coisas boas da nossa vida. Muito obrigado pelos ensinamentos.

    Ivonei Medeiros

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  2. Que bacana saber que estamos no caminho certo. Legal estar gostando.

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